sábado, 30 de janeiro de 2016

Le fond de tes abîmes


L'Homme et la mer

Homme libre, toujours tu chériras la mer!
La mer est ton miroir; tu contemples ton âme
Dans le déroulement infini de sa lame,
Et ton esprit n'est pas un gouffre moins amer.

Tu te plais à plonger au sein de ton image;
Tu l'embrasses des yeux et des bras, et ton coeur
Se distrait quelquefois de sa propre rumeur
Au bruit de cette plainte indomptable et sauvage.

Vous êtes tous les deux ténébreux et discrets:
Homme, nul n'a sondé le fond de tes abîmes;
Ô mer, nul ne connaît tes richesses intimes,
Tant vous êtes jaloux de garder vos secrets!

Et cependant voilà des siècles innombrables
Que vous vous combattez sans pitié ni remords,
Tellement vous aimez le carnage et la mort,
Ô lutteurs éternels, ô frères implacables!


— Charles Baudelaire




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Tem estado bravo, o mar. Traz à costa uma tralha sem fim de outras paragens. Também eu revolto, a visitar os meus abismos, um destes dias vai ser coisa séria. Nada de alarme, contudo. Isto continua.
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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Comidinha portuguesa, aarrgh, Giles Coren dixit


Arrisco o prestígio deste meu Livro com um post traidor à pátria, snob e xenófilo. Mas enfim, é um assunto rasteirinho, embora haja quem chame a isto 'cultura'.
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Eu gosto da nossa comidinha, entenda-se, em particular se feita cá em casa ;D. Mas há tanta vigarice nas tasquinhas de comida caseira, nas tabernas de petiscos, nas lojas de sabores da aldeia e outras tretas, que bem entendo o desgosto enjoado de Giles Coren ao rever para o Times um restaurante português que abriu em Londres, no renovado mercado de Spitalfields, sob o nome "Taberna do Mercado"; bastamente elogiado, claro, pelos que lá procuram chouriço e sardinha em lata com vinho tinto, ou migas de bacalhau.

A grande maioria da produção nacional de enchidos é uma valente porcaria, que só faz mal e tem excesso de tempero para esconder a pobreza de sabor. Quando é esturricado na brasa, faz o dobro do mal e sabe a chiclé ... esturricado.


Outra gabarolice pacóvia é o "cozido à portuguesa" - sabe bem uma vez por ano, se a matéria prima for toda de primeira qualidade; mas de culinária aquilo tem nada, zero - é só meter tudo a cozer em água. É a coisa mais bruta e primitiva que se pode cozinhar; tira a fome, claro, até de mais, mas se isso é "cuisine" vou ali e já venho.

Está na moda usar conservas enlatadas como requintado pitéu - basta acompanhar de verduras ou fruta que componham um prato bonito. Outra aldrabice. As conservas de peixe são muito saudáveis, têm Omega 3 e tudo, mas de sabor estamos conversados, é sucedâneo industrial onde o gosto do peixinho fresco foi completamente destruído - sabe tudo sempre ao mesmo, a conserva, inundado de azeite fracote. Ora bolas. Menus assim dão cabo da imagem da nossa gastronomia.


E os rissóis ? De marisco ou de carne, na maioria dos casos também oleosos e recheados de uma mistela não identificável, uma pasta de corantes, gordura, farinha e temperos com aroma de qualquer coisa. Execrável - excepto se feitos em casa.

No Times de 4 de Julho, Giles Coren indignou-se justamente com estes petiscos que lhe foram servidos. Porque nos faz bem ouvir o que outros pensam sobre nós, o que lhes desagrada em nós, sem estarmos sempre a olhar para o umbigo, aaah! como somos criativos, afáveis e... cultos ( - os chocalhos ! -).

Excertos:

We began with a prawn rissole «snack» that was two small, hard slippers containing a foul brown fishy effluvium. Like sewage leaking from an ornamental clog.

Ah ah, "foul brown fishy effluvium" é muito bem dito ! So much para o rissol.

This was followed by «chouriço vinho tinto«, which is fried Portuguese chorizo deglazed with red wine. Now, I don’t know what Portuguese chorizo is meant to be like. But if it’s meant to be tougher than the Spanish stuff, cooked pretty much to black, chewy as a fingernail and without much flavour, then this was bang on the money.

So much para o chouriço assado também, pastilha elástica insípida e esturricada. Como conheço bem o estilo. Abunda no circuito low-cost food.

Next up, «tinned fish». The result: vileness unbound. Tiny scallops had given up all the sweetness and bounce of their raw state without taking on the exotic golden frazzle they get when cooked, resulting in chewy snot gobbets in a tin.


'Tranches de borracha ranhosa' ! :D :D , essa também está muito boa, sr. Coren. É isso mesmo. Looks disgusting.

«Bisaro pork tartare, cozido broth, cabbage» was a dismal mess of ground flesh in salty water.»

Outro menu-da-treta que também abunda em tasquinhas e bistrôs, o porco bísaro. Aaargh. Só o molho dá vómitos.

Depois serviram a Coren uma sanduíche soberba, parece que será o melhor da casa, ah ah. E finalmente

For pudding they brought out the famous «pão de ló», which is a sort of uncooked soufflé in greaseproof paper in a baking tin. It’s like a delicious sweet orange soup with partly baked bits around the edges that fall into the wetness like dumplings.

Ora o dito pão de ló, se for de Ovar e bem feito, é mesmo muito bom. Ou era coisa importada, de prazo talvez já passado, ou era (mal) feito localmente. Não me faltam experiências dessas, de sobremesas que são especialidades caseiras e vai-se a ver...

Não fui nem irei ao português de Spitalfields, mas o testemunho do sr. Coren parece-me totalmente credível. Não se inventam por malvadez detalhes tão condizentes com o que é frequente encontrar aqui por perto.

Dear Sir, aquilo que lhe foi servido não é boa comida portuguesa.



sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

James Oswald, Caledonia, Escócia, séc. XVIII


Uma das 'novidades' em disco que mais gosto me tem dado ouvir é Colin's Kisses, uma colecção de canções e peças instrumentais de James Oswald interpretadas pelo agrupamento barroco Concerto Caledonia, com Catherine Bott (soprano) e Iain Paton (tenor), edição da Linn Records de Glasgow (1999).

The Parting Kiss

James Oswald (1710–1769) foi um compositor escocês quase contemporâneo de Bach e Handel ! Violoncelista, apontado pelo rei Jorge III para compositor da Câmara Real, Oswald dedicou boa parte da carreira aos tradicionais escoceses. Toda a sua música respira a típica sonoridade, ora alegre e dançável, ora melancólica, que facilmente reconhecemos como escocesa.

Em 1741 deixou Edinburgh e foi para Londres trabalhar em edição musical, tendo publicado Caledonian Pocket Companion, obra em doze volumes que alterna canções tradicionais com variações e originais de sua autoria. Admirador do poeta Robert Burns, Oswald compôs música para alguns dos seus poemas.

The Secret Kiss
Entre as melhores obras de Oswald estão as Airs for the Seasons, umas 'quatro estações' escocesas para violino (1 ou 2) e violoncelo, adaptáveis a flauta ou oboé, na forma de trio-sonatas.

Andante final da Sonata on Scots Tunes

No youtube encontrei esta obra de Oswald, desta vez pelo Atar Piano Trio:

Scottish sonata - plaintive: amoroso




quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Arco-íris por Gabriel Dawe


Para agradecer às/aos ilustres visitantes e :) encerrar os festejos, fica aqui este alegre arco-íris tecido em fios suspensos de cor e luz - a instalação Plexus, de Gabriel Dawe, artista plástico nascido no México. Está na galeria Renwick de Washington, e é uma beleza.

Plexus A1 demorou dez dias a instalar, é a maior da série Plexus.









Se as artes visuais conseguem produzir beleza nova assim, porque não o consegue a música ? Mistério.

http://www.gabrieldawe.com/ e ainda aqui


terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Pronto, duzentos mil


Puxa, custou. Precisei de sete anos e mais uns meses para aqui chegar.






Obrigado, muito obrigado a todos os 200 000, que seria de mim sem vocês.
A maioria sois portugueses e brasileiros, mas muitos muitos milhares da América do Norte, Alemanha, Rússia, França, China, Índia, Japão, Coreia, Ucrânia... Neste momento, para meu espanto, vai a Rússia no comando com 600 vistas em Janeiro! Trinta por dia... ena. Bolshoe spasibo !


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Última Hora
Acabo de ter uma visita de Cluj-Napoca, Roménia !  200 005 ...

domingo, 17 de janeiro de 2016

Charlotte Hellekant, contralto excelentíssima


Não abundam vozes de contralto femininas como esta. Impressionante, com um timbre invulgar e uma solidez a toda a prova - ainda não a conhecia, e estou deslumbrado.

Este He was despised é uma coisa...


Deh, piangete, oh mesti lumi, também de Handel:



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Ah, estou quase a celebrar 200 000. Faltam dois ou três dias...


terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Launceston, Tasmânia - regresso aos antípodas.


Tenho lido e ouvido que a principal viagem é a da imaginação, que a levamos conosco para toda a parte, e que quando vemos, é com os olhos que ela previamente condicionou. Seja. Esta é então uma viagem pré-concebida.

Já que se trata de uma viagem irrealizável - nem eu seria capaz de "saltar" por cima de meio mundo sem o ter sequer avistado - contento-me com conhecer a Tasmânia desta pobre e virtual maneira. O mundo é uma aldeia, mas nele há aldeias longe de mais...

Aproveitei agora, que por lá é Verão com 30º, muita luz, cor e esplanadas.


Os primeiros europeus chegaram em 1642 - o holandês Abel Tasman é reconhecido como o 'descobridor'. Depois, franceses e britânicos por lá passaram, mas só em 1798 os navegadores George Bass e Matthew Flinders fizeram a circum-navegação para explorar e cartografar a costa.


Já aqui publiquei sobre a orquestra da cidade de Hobart, a maior cidade e animado porto de partida para a Antártida, num post que passou das 70 visitas (menos mal!) ; Launceston é a segunda cidade da ilha, situada no interior norte, 60 kms a montante do estuário do Rio Tamar, e na foz do afluente rio Elk.

A King's bridge, sobre a foz do rio Elk, construída em 1884, é um dos ícones da cidade.

Fundada em 1806, Launceston é uma das mais antigas cidades da Austrália. Começou por ser um entreposto colonial para o negócio da baleia, da foca e das lãs, que foi prosperando até que em 1852 a povoação passou a município. Mas foi a descoberta de minas de ouro que lhe deu a maior prosperidade na era vitoriana.

A Câmara, de 1884, da era vitoriana, no estilo neo-clássico à italiana, foi desenhada por Peter Mills.

Launceston, Tasmânia

Coordenadas: 41° 26′ S, 147° 8′ E
População : ~ 110 000 - uma cidade pequena !

Vista desde as portas do Parque da Cidade, ao longo de Cameron Street, a rua principal da parte antiga.


O edifício dos Correios, de 1880, é outro dos marcos da cidade, com a sua torre de relógio inconfundível, adicionada em 1903, por subscrição pública.

É conhecida como "pimenteiro" (pepper pot).

A maioria dos edifícios do centro foram construídos nos séculos XIX e XX; os mais antigos são da era de prosperidade georgiana e vitoriana, outros mostram influência da Arte Nova e Art Déco. O arquitecto Peter Mills, o mais notável da Tasmânia, desenhou alguns dos prédios do centro histórico.

Cameron Street é a rua mais rica de património.

O Supremo Tribunal (1870), desenhado por Peter Mills, foi de início construído para um comerciante rico.

A 'Batman Fawkner Inn' começou por ser The Cornwall Hotel; data de 1824 e é uma construção em tijolo com elementos decorativos Arte Nova.

O Brisbane Hotel (1824) , na Brisbane Street.

Fachadas ao longo de Cameron Street.

Esk Terrace, em Cameron Street.

Também de Peter Mills , este armazém é conhecido como 'Diana, Venus & Fortuna' (1882). O próprio arquitecto viveu aqui com a família.

Venus

Diana

Luck's Corner, 1937, Art Deco - foi talho, agora é restaurante.


O Quadrant Mall (zona comercial)

É a zona pedonal de lojas, cafés e esplanadas.


A ondulante rua comercial antiga foi fechada ao trânsito e renovada em 1979. As fachadas vitorianas em curva constituem uma das marcas arquitectónicas da cidade.

Uma das esplanadas, "Pasta Caffe".

A parte coberta da Brisbane Street ainda pertence ao Quadrant Mall.

The Old Umbrella Shop


Esta loja de 1860 é a última loja 'de época' que resta na cidade; foi gerida pela mesma família desde a viragem para o século XX, e está classificada pelo National Trust.


Livraraia Birchalls

É a mais antiga livraria da Austrália, em Brisbane Street desde 1844.


Destilaria Boag & Son (Boag's)fundada em 1883.

Ainda é a produtora de cerveja em Launceston.



Igreja da Santa Trindade

É a neo-gótica igreja anglicana, completada em 1835.

Construção em tijolo no estilo georgiano.


Mas Saint Andrew, em Paterson Street, é a mais antiga:



O City Park e a Fonte do Jubileu


Esta fonte foi construída para o jubileu da Raínha Vitória, durante as celebrações em 1897 .


O antigo John Hart Hall, constrruído para a Exposição Internacional de 1891, é agora uma bela estufa no centro do Parque.




Garganta das Cataratas (Cataract Gorge)

Sobre o South Esk river, mesmo à saída da cidade, esta ponte suspensa atravessa uma garganta do rio. A paisagem envolvente foi classificada como Reserva Natural.

Alexandra Bridge, de 1940.

A vista é mais procurada durante as cheia do rio, e os mais aventureiros podem fazer a travessia numa cadeira suspensa por cabo teleférico.


E música ?
A sala de concertos e teatro mais prestigiada é o Albert Hall, edifício vitoriano construído em 1889-91.

É aqui que a Tasmanian Symphony Orchestra se apresenta quando de visita a Launceston.
A sala principal, ladeada por uma galeria em ferro forjado da época industrial.

O órgão veio de Londres (Brindley & Foster) e foi inaugurado em 1861. Caso raro: ainda é operado por pressão de água, que comprime o ar para os tubos, embora já tenha sido adaptado à electricidade.

Um dos discos gravados para a Hyperion por Howard Shelley e a Tasmanian Symphony Orchestra.

Para exemplo, encontrei este vídeo da TSO interpretando um trecho de Wild Swans, bailado da compositora australiana Elena Kats-Chernin:



Ou ainda Julia Lezhneva com a TSO (não no seu melhor, diga-se...)


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Quanto à natureza, não falta, e em estado bastante selvagem. Já não sobrevive nenhum 'Tigre' da Tasmânia, mas o dantes temido 'Tasmanian Devil', um inofensivo roedor, é protegido como espécie única e ameaçada. A densa floresta e os parques costeiros são os maiores atractivos.





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Não falta que ver, ouvir e ler, portanto. Devia sentir-me como em casa, lá em Launceston, uma cidade europeia no outro extremo do mundo. Pelo menos, imagino que sim.