domingo, 2 de novembro de 2025

Um paraíso no meio da guerra - o parque Shevchenko em Kharkiv


Já aqui publiquei post sobre Kharkiv, a cidade mais mártir da Ucrânia, constantemente bombardeada. Falei também do seu excelente Museu e da magnífica arquitectura. Uma publicação de há alguns dias no Threads mostrou-me uma perspectiva do Parque Shevchenko admirável de paz e elegância.


Fundado em 1804 como Jardim da Universidade, é também Jardim Botânico e encerra um Observatório Astronómico  com cúpula de observação e um museu. 

Só quero ilustrar o jardim das fontes, que se prolonga na base de uma monumental escadaria:




É um dos sítios onde os habitantes gostam de vir esquecer as noites de terror, de rebentamentos e de casas esventradas a arder e de zumbidos inimigos sobre as cabeças que podem cair aqui ou ali em qualquer momento. Quando não há sinais de alerta e o sol ajuda, o mundo parece melhor no Parque Shevchenko.


Água a jorrar contribui para o bem estar. Rimei.


Um dos mais bonitos parques urbanos do mundo, parece-me.

Aqui vê-se a Catedral da Assunção.

Uma fonte recentemente restaurada.


Taras Shevchenko foi um poeta nacionalista Ucraniano, nacionalista no sentido de melancolia e messianismo patrióticos. Numa época como a que se vive agora, compreende-se que seja objecto de culto.

Fica aqui um poema dele de que gostei, apesar do desânimo:

                                Refulgem as luzes, há música a tocar,
                                a música chora, uiva;
                                Como um belo e valioso diamante,
                                os olhos dos jovens brilham de alegria,
                                à luz da esperança, à chama do prazer;
                                lampejam os olhos, pois à vista
                                de inocentes tudo parece bem.

                                E todos riem, riem,
                                E todos dançam. Só eu,
                                triste maldição, olho
                                e em segredo choro, choro.

                                Por que estou a chorar? Talvez lamente
                                que, sombria como um dia de chuva,
                                a minha juventude, inútil, já passou.

[tradução livre minha]



Kharkiv, grande cidade de Cultura, capital europeia da coragem.


sábado, 25 de outubro de 2025

'O Liberty thy choicest treasure' : luta pela liberdade segundo Handel / Morell


Na ópera Judas Maccabaeus de Handel, chamou-me a atenção esta quadra:

O liberty, thou choicest treasure
Seat of virtue, source of pleasure!
Life without thee knows no blessing,
No endearment worth caressing 

             Ó liberdade, mais precioso tesouro 
             Lugar da virtude, fonte de prazer! 
             A vida sem ti não conhece alegria 
             Nem afecto que peça carinhos.

Isto escreveu Thomas Morell, libretista de alguma das mais belas óperas de Handel, em 1747, exaltando a libertação da população da Judeia - os Israelitas - da ocupação Síria Helenística (= Império Selêucida) em 134 AC, a chamada Revolta dos Macabeus. Muito actual portanto. Ouçamos então O Liberty, em 3 versões:

Nuria Rial, Rolf Beck

Susan Gritton, uma soprano mais poderosa, com o King's Consort

Para uma versão 'fora de moda' com uma voz sublime à maneira antiga:
Janet Baker , com a English Chamber Orchestra, dir. Mackerras
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Já mais para o fim do Judas Maccabaeus, conseguida a vitória e a paz, Handel oferece um novo hino:

O Lovely peace

O lovely peace, with plenty crown'd, 
Come, spread thy blessings all around. 
Let fleecy flocks the hills adorn, 
And valleys smile with wavy corn. 
Let the shrill trumpet cease, nor other sound 
But nature's songsters wake the cheerful morn

          Ó paz querida, premiada de fartura,
          Vem, espalha as tuas graças em redor.
          Que os montes se adornem de rebanhos felpudos,
          E os vales sorriam com o milho a ondular.
          Que as trombetas se calem, e nenhum outro som
          Só o canto da natureza ao despertar a manhã.

Nuria Rial de novo, em dueto com Lucia Duchonova e com a Elb Barockorchester,  Rolf Beck 


Sarah Connolly, Rosemary Joshua
Uma versão mais pausada da Scottish Chamber Orchestra com William Christie



domingo, 19 de outubro de 2025

'An Cala', jardim na aldeia de ardósia Eillan-a-Beich, Isle of Seil

Sabia que há nas West Highlands da Escócia, a 56º N, uma pequena floresta tropical moderada ? E um jardim de maravilhas? 


Clachan Bridge, ponte que dá acesso à floresta de Aveleiras na ilha de Seil.

Ouvi falar de Ellenabaeich An Cala no livro 'Ce que prend la mer', uma história bem contada que se passa nestas paragens. Ficam numa pequena ilha de ardósia, na costa ocidental da Escócia: a Ilha de Seil, também desconhecida para mim. 

A visita começa quando se chega ao Atlântico pela estrada B844; para atravessar o estreito braço de mar entre a costa e a ilha, foi construída em 1792 uma ponte em arco elevado a imitar antigo, uma ponte de pedra. Leva o nome do estreito, "Clachan" :


O Canal de Clachan é um recanto do Firth of Lorn, a extensão de mar Atlântico entre a grande ilha de Mull e a costa (ver mapa).

Pode dar um arrepio saber que estamos numa ponte minúscula sobre o Atlântico; mas há muitas destas na Noruega, também para aceder a ilhas. A Escócia tem nada menos que 900, novecentas! , ilhas, das quais cerca de 100 desabitadas. Este grupo das Hébridas Interiores chama-se Slate Islands devido à riqueza em ardósia, que foi intensamente extraída no século XIX.

Depois da ponte, a estrada B844 curva a sul e vai pela beira mar, entre terrenos verdejantes e arborizados, até  chegar à aldeia portuária de Ellenabeich, a principal povoação da ilha.


Ellenabeich, Ilha de Seil

Coordenadas: 56° 17' N, 5° 39' W 


"Ellenabeich" tem origem no Gaélico Eillan-a-beitch, "Ilha das Bétulas". A aldeia é basicamente constituída por duas ruas em terreno plano, paralelas e pouco acima do mar, onde se alinham fileiras de casas térreas caiadas de branco, uma espécie de bairro piscatório - mas não é: toda a ilha vivia da extracção de ardósia desde 1751, e por volta de 1800 a actividade tornou-se uma indústria com dimensão nacional. Construíu-se um porto murado para a ardósia ser carregada em navios e enviada para o porto costeiro de Oban - no auge, 10 cargueiros a vapor por semana. Em 1881 uma grande tempestade no mar inundou as 'pedreiras' e acabou com a indústria de extracção. Estão agora à vista pequenos tanques cheios de água do mar.

A construção da vila para alojar os mineiros de ardósia começou em 1826, e em meados do xéculo XIX viviam aqui umas 400 pessoas. 

Front Street; a outra por trás é a Back Street.


Todas estas casas do séc. XIX foram contruídas em ardósia. São pequenas e baixas, não seria possível construir em altura neste material. Destinavam-se apenas aos trabalhadores das pedreiras.


Convergem num largo junto ao cais (há um guindaste no centro como memória ), onde se concentram bares e a única loja, Seafari Adventures.

As duas casas à esquerda são o afamado 'Oyster Bar', a terceira é a antiga destilaria da ilha.


A loja e o ' monumento '


Mas há uma outra rua na falésia sul do monte Dùn Mòr, de casas mais ricas, com dois andares e mansarda:


Bilhete postal de Ellenabeich

Até deve ser agradável nos dias de sol - parece que a zona tem um clima suave já que estamos na Escócia. E é esse clima - muita chuva, bastante sol, frio e calor moderados - que permitiram ao solo argiloso ser tão fértil. 
Logo à saída de Ellenabeich. uma surpresa:

O Jardim 'An Cala'



'An Cala' (*) é uma fantasia de jardineiro: Thomas Mawson desenhou e executou este jardim a partir de 1930, como paraíso romântico para a moradia de um jovem casal. Demorou um ano a adaptar o solo: partir rocha, importar terra vegetal, criar terraços, degraus, caminhos, muros e relvados. Aproveitou uma pequena queda de água e alguns ribeiros. 


Azáleas e rosas, prímulas e papoilas azuis do Himalaia, cerejeiras japonesas e rododendros, e tanques com lírios e nenúfares.





Toda a Ilha de Seil abunda em salgueiros e bétulas (sobretudo bétula branca); mas é um bosque de aveleiras, uma pequena floresta tropical que cobre o sudeste da ilha junto ao canal Seil Sound, que se revelou uma raridade a proteger:


Ballachuan Hazelwood, floresta tropical temperada
56° 17' 37.03" N, 5° 38' 47.24" W
 

A zona de bosque actual estende-se entre o Ballachuan Loch, na imagem acima, e o Canal de Clachan entre Seil e a costa, visível mais ao longe, até ao extremo sul da ilha. 

À esquerda vê-se parte do bosque na margem do canal




A leste a a sul, desce para as águas Atlânticas do canal. 

Esta mata está protegida, pela antiguidade das espécies e do solo (7500 AC ?). A aveleira é, junto com a bétula e o salgueiro, a mais abundante árvore na ilha. 

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(*) O nome significa 'porto' ou 'ancoradouro' em gaélico.