domingo, 30 de junho de 2019

Castlebay, ilha de Barra, Hébridas. Tão solitária e cativante.


Viagem aos confins da Europa. À parte a Islândia, as ilhas do seu extremo Noroeste:


A Ilha de Barra é uma das Hébridas Exteriores no oeste da Escócia. A mais importante povoação é Castlebay.

Uma baía abrigada que oferece um cenário único.

O castelo de Kisimul ao largo de Castlebay

Na ilha de Barra, a língua mais usada ainda é o Gaélico.

Castlebay (Bagh a‘ Chaisteil) , a 'Baía do Castelo', está historicamente ligada desde o século XI ao clã MacNeil, dono do castelo durante 411 anos.

Não admira que tenha servido de cenário de filmes e ganho uma nomeação de "melhor aldeia britânica" há alguns anos.


Castelo e Igreja, como em tantas outras aldeias históricas.

Castlebay, Barra

Coordenadas: 56º 57' N, 7º 29' W
População :  ~1000


Castlebay cresceu como porto de pesca com a indústria associada à conserva do arenque desde o século XIX. Chegou a ter uma frota de centenas de barcos pesqueiros. A igreja actual foi construída em 1888. À passagem para o séc. XX chegaram alguns benefícios - mais habitação, loja, uma escola, um serviço postal e uma agênca bancária.

O 'centro': à esquerda os Correios, depois a Pier Road a subir desde o cais do ferry até à Praça (The Square), à direita.

O alto de vila histórico: The Square e a igreja.

A casa mais antiga em The Square é um armazém do século XIX, com uma invulgar empena central na frente. Embora classificado, está ao abandono.


Pelo contrário, as casas para alojamento estão bem tratadas - como em quase toda a parte:

A Guest House 'Tigh Na Mara' instalada numa casa tradicional; o nome gaélico sugere que está à beira mar.


A Pier Road, Rua do Molhe, onde 'tudo' acontece.


A descer até à baía , mesmo em frente ao castelo.

Café Kisimul

A Macroon's Tearoom ocupa parte do Posto de Correios:


Capuccino e scones com vista de castelo no mar.


Porta dos Correios, em gaélico:


O Castlebay Hotel está aberto desde 1894 ! Deve ter sido o turismo Vitoriano à procura da Ultima Thule...

O Hotel está de frente para a baía e o porto. A vista é o maior valor.


Para uma ilha tão pequena, surpreende o número de crianças a frequentar a escola, entre 50 e 100. E uma tão larga oferta cultural !

A 'Screen Machine'é um confortável cinema móvel com 80 lugares, que o Ferry traz a Castlebay.

Embora possa não parecer, a comunidade de Castlebay vive agora sobretudo do turismo; a criação de ovelhas e a pesca (caranguejo, bivalves) ainda são modo de vida de alguns poucos habitantes. A ocupação do Hotel e de outras pequenas unidades de alojamento (e o parque de campismo) têm estado a crescer, assim como a oferta cultural para vistantes. Há mesmo um pequeno Centro Cultural - o ' Dualchas Heritage Centre', com várias exposições ao longo do ano, loja e café.

O Dualchas abriu em 1996 na rua principal, junto à escola.
www.barraheritage.com/dualchas 


O arquivo do centro inclui artefactos, documentos e fotografias que revelam aspectos do passado da vida na ilha.

O salva-vidas "Edna Windsor" e uma pequena traineira.

O porto de Castlebay desenvolveu-se devido à abundância de arenque nas águas frias que rodeiam a ilha; desde 1869 Castlebay foi um centro de indústria pesqueira, com instalações fabris de limpeza, cura, salga e conserva. As condições do portinho melhoraram nos anos 1890s com a construção do molhe, e a frota chegou a uns 600 barcos, com mais de 1800 pescadores e muitas centenas de mulheres na indústria de conservas, as Herring Girls, que enchiam os barris com o peixe salgado. Carpinteiros e ferreiros fabricavam os barris. Tudo acabou com a primeira Guerra.

Barril de arenque, num curto percurso à volta da baía designado por "Herring Walk".


Actualmente, a maior actividade no porto é a chegada e partida dos ferries CalMac (Caledonian MacBrayne):



O aeroporto é ... único. Uma pista de areia junto ao mar, onde os pequenos aviões podem ter que operar já de rodas imersas na maré.

O Castelo

O castelo de Kisimul foi erguido no século XV como torre de residência dos chefes do clã MacNeil . De origem Viking, os MacNeil instalaram-se em Barra no século XI . Eram uma família de gente do mar, que provavelmente recorria à pirataria.


O castelo foi construído num rochedo isolado no meio da baía, perto da costa. É visitável de barco, uma das ofertas turísticas mais procuradas por visitantes.

Sobre Barra, escreveu em 1549 Dean Monro
"Within the southwest end of this isle, ther enters a salt water loche, verey narrow in the entrey, and round and braide within. Into the middis of the saide loche there is ane ile, upon ane strenthey craige, callit Kiselnin, perteining to M’Kneil of Barray."
[No sudoeste da ilha, entra um braço de água salgada, muito estreito de acesso mas redondo e largo no interior. No meio existe uma ilha, sobre um sólido rochedo, chamado Kiselnin , pertença dos MacNeil de Barra]



Como é a maior atracção de Barra, tem sido cuidadosamente restaurado e mantido como património histórico das Hébridas.


As muralhas encerram um pequeno pátio com os edifícios de apoio.




Em 2001 o castelo foi cedido pelo chefe do clã à instituição Historic Scotland por 1000 anos, pelo valor simbólico de £1 e uma garrafa de whisky.

A Igreja de Nª Sª Estrela do Mar (Stella Maris)


Dedicada à padroeira dos que navegam os mares, fica na encosta virada a sul que sobe por trás de Castlebay. Abriu na Véspera de Natal de 1888 quando gente de todas as ilhas Hébridas se juntou para a missa da meia noite.


É no estilo gótico revivalista com três naves.


Durante as guerras, a população de cerca de 1100 perdeu 125 homens, a maioria a servir na Navy. As janelas laterias da parede Sul homenageiam a marinha.

Bonito vitral na janela lateral do altar.


Tenho nostalgia do fim do mundo. Deve ser isso que me atrai nestes lugares onde nunca estive, com muita pena. Far from the madding crowd.



quarta-feira, 26 de junho de 2019

... e música também para o Verão: preciosidades em CD, vs. Festivais fracos


Athalia é um oratório de Handel composto em 1733, e estreado no Sheldonian Theatre de Oxford para homenagear um dos Colégios que oferecera um 'honoris causa' a Handel. Assistiram 3700 pessoas - uma multidão! - e o aplauso foi retumbante. Baseado no texto de Racine sobre a narrativa bíblica, refere a raínha de Israel Athalaia, que executa todos os herdeiros ao trono por serem judeus descendentes de David. Athalia é coroada e impõe o culto a Baal. Mas houve um que lhe escapou... e acaba por conquistar a coroa. Terrível.

A obra foi propositadamente realizada para atacar a 'idolatria' que grassava em Oxford, ou seja, reduzir a influência católica em favor da Igreja Protestante, que apoiava a causa dos Stuart; o texto de Racine foi convenientemente alterado. Trafulhices da época, a humanidade sempre foi fértil em lutas de poder à volta da religião, que tanto inspira as mais belas obras de arte como comete os crimes mais repugnantes. É assim, a Raça. Não vale mesmo a pena ser racista. O que vale é a música:



Ária de Mathan, sacerdote Baal:

Gentle airs, melodious strains!
Call for raptures out of woe,
Lull the regal mourners' pains,
Sweetly soothe her as you flow


Nos coros, a mestria de Handel:


A gravação de Hogwood é bastante antiga, de 1986, e conta com Emma Kirkby, James Bowman e Rolfe Johnson, dos melhores que já houve em Inglaterra no canto lírico barroco. Que tal este duo com Kirkby e Bowman?



Já Sutherland foi uma escolha duvidosa, que não aprecio. Gloriosa, sim, é a música - e isso é o que me importa. É estranho, mas esta é o único oratório de Handel que nunca tinha ouvido.

Num estilo radicalmente diferente, Blue Hour é um CD do clarinetista Andreas Ottensamer com a pianista Yuja Wang, que reinterpretam em duo obras escritas originalmente noutra conformação, como o famoso e belo Intermezzo para piano de Brahms:


Andreas Ottensamer é clarinetista principal da Filarmónica de Berlim desde os 21 anos. Yuja Wang é uma pianista chinesa, ex-prodígio, que se dedica mais ao reportório russo e até me admira com a sua inabitual contenção neste disco. Por exemplo, nas Canções Sem Palavras de Mendelssohn, como esta:



Para ouvir à noite, ou para oferecer a um amigo muito amigo.

E voltamos ao  barroco em Inglaterra, agora com Corelli em Londres, trinta anos antes da Athalia. Por volta de 1700, surgiu no Reino Unido e em Dublin uma febre de admiração e culto do italiano Corelli, venerado como o maior dos compositores da época, 'Toda a gente' ouvia e tocava Corelli.


Nesta gravação "Mr. Corelli in London", com o flautista Maurice Steger, o English Concert dirigido por Laurence Cummings toca concertos para flauta de Corelli. Uma música apropriada para o Verão:



Finalmete, e nunca é de mais, insisto em Anne Akiko Meyers e o CD MIrror in Mirror, uma jóia cheia de obras primas, que continua a figurar aqui na margem direita. Já publiquei anteriormente o fenomenal Magnum Mysterium de Lauridsen.

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Em contrapartida, os festivais de Verão deste ano não prestam para nada. Falo mais dos nortenhos, claro: no FIME de Espinho e no FIMPV da Póvoa não há um único concerto que mereça a deslocação, ora porque o programa não presta, ora porque os intérpretes são de terceira categoria. Continuamos o lixo da Europa na música clássica, salvem-se dois ou três concertos da Gulbenkian e da Casa da Música. Ah, Glyndebourne, Pesaro, Lucerne, Aix, Verbier, Savonlinna...

sábado, 22 de junho de 2019

Leituras e releituras para este Verão


Para começar, celebremos o Verão com livros.
Já juntei aqueles por onde vou viajar a partir de Julho.


Nunca consegui ler o Ivanhoe no original inglês, é sempre uma leitura mais cansativa que requer dicionário ou google por perto; mas as traduções portuguesas eram miseráveis, quer pela mau uso da língua quer pela infidelidade ao texto de Scott. Parece que finalmente temos uma tradução à altura, e vou mergulhar de novo nas aventuras e na rivalidade entre Rebecca  e lady Rowena, princesa dos Saxões.

Gostei muito de The Sense of an Ending (O Sentido do Fim) de Julian Barnes, uma das melhores obras literárias que li neste século. Mesmo que o seu "A Única História" (The Only Story) tenha sido considerado uma variação sobre o mesmo tema (o tempo de sofrer que se segue ao tempo de amar), a escrita de Barnes tenta-me. Para mais que o fim 'surpreendente' é muito elogiado.

Nestas duas edições portuguesas, a tradução NAO segue o (des)Acordo Ortográfico, graças.

Há livros que quanto mais se lê, mais se gosta. Voltar a eles é um prazer e descobrem-se sempre coisas novas. É sempre assim com Jorge Luís Borges, e resolvi voltar ao seu Atlas; os textos são curtos, permitem leituras de breve intervalo ou antes da sesta ;) e fazem-me sempre levantar amarras, ou embarcar em voos, onde a imaginação tem o leme.


E depois, não é, ao contrário do que escrveu Pedro Mexia, um escrito menos rico ou menos literariamente perfeito do que outros de Borges; lendo com a devida atenção, deixando-nos planar como num tapete mágico, a genial mestria revela-se por inteiro mais uma vez.


Funicular de Lince é um 'thriller' altamente cotado, e uma típica leitura ligeira de praia ou esplanada. O que me levou a querer lê-lo foi também o facto de acontecer em Saltburn-by-the-sea, uma terrinha na costa leste de Inglaterra com um elevador em rampa acentuada (como o da Nazaré) da estrada até à praia, uma geringonça vitoriana deliciosa que tive a sorte de experimentar!

Não está mal como local do crime :)

A BD de Edgar P. Jacobs faz parte do imaginário tardio da minha adolescência; as sequelas nunca me entusiasmaram, acabei por ecomendar este porque a qualidade gráfica é de facto inesperada.
Desenho clássico, com algum requinte.

Fiquem com o sábio Borges:

' No hay una sola cosa en el mundo que no sea misteriosa, pero ese misterio es más evidente en determinadas cosas que en otras. En el mar, en el color amarillo, en los ojos de los ancianos y en la música. '