sexta-feira, 25 de março de 2022

Porque Odessa é uma grande e bela cidade da Europa.


Planeada, afável, elegante e civilizada, a bela Odessa.

Por mim a Rússia bem pode deixar de ser Europa, a maior parte do território não é, a Sibéria está sob cada vez maior influência asiática - só lamento a perda de Irkutsk e do lago Baikal; para cá dos Urais, a História tem sido de rejeição ou ocupação; ora a Europa oriental é ocupada, ora a Europa é desprezada pelos russos, ora são os tiranos europeus a invadir a Rússia. Desde Catarina, pelo menos, nunca mais houve um convívio amigável e uma parceria cultural entre os dois lados, em guerrilha permanente, fria ou quente, e alianças de conveniência com ou contra turcos.

Foi Catarina a Grande quem criou a Nova Rússia em 1775à imagem de outras colónias europeias, conquistando o território conhecido como Loca Deserta aos turcos (que o tinham ganho aos Tártaros da Horda Dourada), e governando assim o litoral norte do Mar Negro e do Mar de Azov. O príncipe Potemkine, seu amigo, seria o primeiro governador e grande impulsionador do desenvolvimendo dessas terras, que foram povoadas (além dos residentes cossacos) aliciando colonos da Roménia, Bulgária, Moldávia, Sérvia, Hungria, Grécia, Itália, Polónia. Uma História muito agitada para uma região de estepes que até ao séc. XVII era denominada  Campos Selvagens (Dykyi Poly), ou Loca Deserta.


Catarina fundou Nikolayev (agora Mykolaiv) e fundou Odessa, o seu maior projecto de urbanização. Planeou Odessa com paixão, como cidade cosmopolita de cultura europeia, grande porto oriental de comércio com o Mediterrâneo. Tonar-se-ia sede do Governo da Nova Rússia em 1822.

Odessa é muitas cidades - é Alexandria e é Marselha, é Nápoles e Génova e Istanbul. Depois da Queda do Muro chegaria a hora de assumir o protagonismo de cidade emblemática num velho-novo país independente, a Ucrânia, que muito louvavelmente se quis reaproximar da Europa.

Odessa (Оде́са)
Fundação: 1794, sob o Gen. Jose de Ribas, por ordem de Catarina a Grande, no local de uma antiga povoação tártara.
População: ~1 milhão

Vou começar este percurso pela cidade de baixo para cima, do porto para o centro, ao contrário do que seria mais natural, de modo a subir a escadaria famosa.

O monumento "À Espera", do escultor Alexander Tokarev, dedicado aos marinheiros que estão longe, é um ponto de partida para se perceber até que ponto Odessa vive em função do mar.


Está na Estação Marítima, como uma varanda voltada para o porto.


Por trás, a escadaria 'Potemkin' de Odessa.


Tornou-se famosa numa cena do Couraçado Potemkine de Eisenstein, mas a escadaria que dá entrada, quem sobe, para a cidade de Catarina a Grande, tem só por si um valor cénico fantástico.


 Lá em cima, é coroada com a estátua do Governador Richelieu.


Há aqui qualquer coisa de italiano, as escadas para o Campidoglio em Roma ... e de facto foi um arquitecto italiano, Francesco Boffo, que fez o desenho em 1873, além de muitas outras obras na cidade. Um engenheiro inglês supervisionou a construção, terminada em 1841. Odessa já nasceu cosmopolita.

Lá em cima, mais efeito cénico:

Enquadrado por dois edifícios de 1830 que convidam a entrar na cidade.

A estátua é do Duque de Richelieu, enão de um russo ou ucranianio ! Está na grandiosa Avenida Primorsky, e na entrada para a Praça de Catarina, enquadrado por duas fachadas em curva côncava como a boca de cena de um palco operático. O Duque, que saíra de França por causa da Revolução,  foi nomeado em 1873 primeiro Governador de Odessa pelo imperador Alexandre I. Teria uma longa carreira política e militar no reinado de Catarina a Grande, antes de voltar a França onde viria a ser Primeiro Ministro. Odessa deve-lhe o esplendor crescente dos seus primeiros tempos.

[Agora o Duque está envolto em sacos de areia, não vão os russos que o ergueram querer derrubá-lo.]

Entramos então para a zona da Imperatriz Catarina.

A  Praça Katerynyns'ka é a mais bonita da cidade, e bem podia ser em Lisboa. Todas as casas são do século XIX.



Casa da família Gagarin, 1860.  




Casa Zhdanova, 1910

Ao centro, o monumento a Catarina e aos fundadores de Odessa. Catarina a Grande decretou a fundação de Odessa em 1794. 


Entre a Praça e a Ópera, há uma rede ortogonal de ruas bonitas, arborizadas, com prédios de dois-três andares em ocres azuis, amarelos ou vermelhos. Os melhores estão em hotelaria. 

Uma das ruas obrigatórias é a Katerynyns'ka, que parte da Praça. O Museu da Arte Ocidental e Oriental fica na esquina com a rua Pushkins'ka:



Instalado no Palácio Abaza, de 1858, é um dos edifícios que as gentes de Odessa acarinham.


A janela saliente na esquina tem um trabalho de gesso notável.


No Museu há obras (pequenas) de Caravaggio, Ticiano, Guercino, Guardi, Cottet.



A  Preobrazhens'ka é outra rua incontornável, percorrida pelo eléctrico e com notáveis prédios de esquina; é lá que se encontra a Catedral da Transfiguração. e em frente um dos mais notáveis exemplos de Arte Nova em Odessa: a Passagem Mendelevich, de 1900.

O prédio é o do Hotel da Passagem, neo-barroco ricamente decorado.

Entrada para a Passagem (Пасаж).


Uma arquitectura luxuriante que não se adivinha do exterior.




Igualmente exuberante é a Catedral da Transfiguração (=Preobrazhens'ka) na Praça Soborna, que por fora parece sóbria. 


Mandada construir pelo governador Richelieu, que contratou um arquitecto italiano Frappoli. Terminada em 1794, foi em 1808 a Igreja Principal da Nova Rússia, constituída pouco antes.





A rua Preobrazhens´ka vai terminar junto a outro prédio clássico vistoso onde estão presentes vários estilos de arquitectura:


A Lanzheronivs'ka é a rua mais nobre, o eixo turístico: passa na Ópera, em vários Hotéis, no Mosteiro e em dois Museus .

O Teatro de Ópera e, à esquerda, o Hotel Bristol.

Ficou toda a gente a conhecer o edifício da òpera de Odessa pelo vídeo da actuação da companhia na rua cantando o Va Pensiero, e pelas barricadas erguidas em frente para impedir uma investida russa destruidora. Desconfio que o exército russo tem instruções para não estragar tudo o que é património histórico russo, comoneste caso a obra encomendada por Catarina a Grande. Podem rebentar com prédios habitados e massacrar filas para o pão, mas tocar nas pedras que 'nós' empilhamos, não.



Mas é uma boa coisa que esta casa de 1887 resista, testemunho de uma época de glória pós-napoleónica e pré-Grande Guerra, a época 'feliz' das descobertas do planeta ártico e antártico e das primeiras invenções industriais (luz, telefone, motor de combustão interna...) e de grandes Óperas e Bailados: Boris Godunov, Carmen, Eugene Oneguin... 


Ao lado, o histórico Hotel Bristol :


A rua Lanzheronivs'ka prossegue, com lojas de marca e cafés, até à Igreja e Mosteiro de S. Pantaleão (Sv. Panteleimon), as cúpulas mais espectaculares de Odessa. 


A fachada e as cúpulas têm sido alteradas na cor e brilho com vários restauros.


A fachada está profusamente decorada com ícones ao estilo bizantino.

O interior é um pouco excessivo.


Se a partir da òpera percorrermos a Lazherenovska no sentido contrário, faremos o percurso dos museus. De frente para o Museu Arqueológico fica o Museu da Marinha, ou Museu Naval :

Ao longe vê-se a Ópera.


Construído em 1842 com desenho do arquitecto Torricelli - daí um aroma italiano -, começou por ser o edifício do Clube Inglês. O Museu foi instalado em 1920. A colecção inclui modelos de navios do Mar Negro de várias épocas e uma colecção de âncoras. Estavam a decorrer obras de restauro.



Em frente, o grandioso edifício neoclássico do Museu de Arqueologia.


Foi criado em 1825 para a colecção do Conde Vorontsov: antiguidades de Itália, objectos das escavações de Pompeia, peças de ouro Citas e Egípcias, espólio de Olbia Pôntica

Joalharia e cerâmica Cita


Pote dourado Cita do 2º milénio A.C., encontrado na Crimeia.

Vasilhame e pequenas peças gregas:



Vasos canópicos egípcios:

Uma preciosidade única do Rus' de Kiev : uma moeda de ouro com Vladimir, Príncipe de Kiev entre 980 e 1015.


E até há um sarcófago em bom estado! Um belo Museu, com muito receio de saque por parte dos invasores a mando de Putin.

Mais outra rua importante do centro é a Deribasivs'ka, rua comercial e turística, de largos passeios, cafés e esplanadas. O nome vem de Jose De Ribas, um dos fundadores da cidade.

Esquina da Deribasivs'ka com a Katerynyns'ka.

Como é fequente em Odessa, uma esquina 'nobre'.

Lojas na "Casa de Julien", de 1842, arq. Torricelli.

Grande Hotel Moscovo.

A rua termina na Praça Grega, Ploshcha Grecheska.

O prédio redondo é outro Hotel.

Cafés.
Uma cidade da Europa vive também de cafés. Há dois a salientar: na Deribasivs'ka, 22, o Utoch-Kino é o café nº1 de Odessa. Antiga sala de cinema, foi reconvertida a café e restaurante no centro da cidade.


O nome é um jogo de palavras entre o nome de Utochkin, que abriu ocinema, e a palavra Kino (cinema). É a estátua dele que decora a escada.


Escultura de Utochkin, aviador pioneiro, desportista e ídolo de Odessa.

Ao lado, na rua Greches'ka, o mais sossegado Café Silence, num prédio moderno.



O mais antigo era o Fanconi, na Katerynyns’ka, de 1872; era uma café lieterário e chique, frequentado tanto por escritores e artistas como por senhoras às compras na hora do chá; mas agora é restaurante asiático.



Bem, resta voltar à beira-mar. As praias e o passeio marítimo de Odessa são um verdadeiro luxo oferecido aos habitantes; não vejo muitas cidades europeias que possa oferecer uma passeata tão requintada.


Esta chama-se "Costa Dourada". O acesso à praia é pago, mas noutras praias é livre.




Praia Lanzheron:


Praia Arcadia:

A areia tem servido para os bravos resistentes encherem sacos para barricadas. Desejo que não cheguem a ser precisos, ou se forem, que consigam proteger a cidade do pior.


Slava Оде́са!

Base de dados/imagens:
Wikipedia:Wiki loves monuments/Odessa region/Odessa (K)