quinta-feira, 26 de abril de 2018

O bosque *mágico* da Lagoa das Falcas, com Vinicius e Dickinson


Nunca estive numa lagoa tão bonita. A Lagoa das Falcas (ou das Patas) é uma preciosidade natural na floresta da Serra de Sta. Bárbara, na ilha Terceira.

Talvez seja o meu post fotográfico mais bonito de sempre, assim as fotos transmitam um pouco da magia do sítio - faltam o chilrear, algum chapinar de águas, algum coaxar de rãs, o vento na folhagem das imponentes criptomérias...

Logo à entrada, a escadaria gloriosamente florida parece uma descida à Floresta Encantada.


Entrada para Lothlórien ?


Que fadas, que duendes andam por aqui ?


Azáleas em flor





...
Eu penetrei o atalho, na floresta.
Tudo era força ali, tudo era força
Força ascencional da natureza.
A luz que em torvelinhos despenhava
Sobre a coma verdíssima da mata
Pelos claros das árvores entrava
E desenhava a terra de arabescos.
Na vertigem suprema do galope
Pelos ouvidos, doces, perpassavam
Cantos selvagens de aves indolentes.
A branda aragem que do azul descia
E nas folhas das árvores brincava
Trazia à boca um gosto saboroso
De folha verde e nova e seiva bruta.

...

                                                    Vinicius de Morais



A lagoa foi criada pelos serviços florestais da Terceira; é alimentada pela Ribeira Brava através de um pequeno açude.

A floresta na Serra de Santa Bárbara: criptomérias, cedros-do-mato, faias, acácias.

Musgos centenários, fofos, na base dos troncos castanho-avermelhados das criptomérias. Estas árvores de origem japonesa foram aqui plantadas desde o séc. XIX, em sucessivas campanhas de florestação.


I robbed the Woods —
The trusting Woods.
The unsuspecting Trees
Brought out their Burs and mosses
My fantasy to please.
I scanned their trinkets curious — I grasped — I bore away —
What will the solemn Hemlock —
What will the Oak tree say?

                                                   Emily Dickinson

                        Roubei os Bosques -
                        Os confiantes Bosques. 
                        As insuspeitosas Árvores
                        Tirei-lhes a Casca e os musgos
                        P'ra agradar a minha fantasia.
                        Curiosa, busquei as suas jóias - raspei - levei -
                        O solene Abeto -
                        O Carvalho, que dirão ?



E vamos embora, adeus fadas e elfos.




segunda-feira, 23 de abril de 2018

Os 'misteriosos' frescos de S. Sebastião da Terceira


Deparar com esta pequena maravilha numa remota igreja da remota Ilha Terceira, no meio do Atlântico, é de facto surpreendente. Bem sei que a ilha vale sobretudo pelo património urbano e paisagístico, mais uma razão para este apontamento de Arte surgir como valioso contraste.

São Sebastião é uma vila pequena (~2000 hab.) no sudoeste da ilha, a quinze minutos de Angra, que se organiza à volta da Matriz e da Praça da Vila.



A Igreja Matriz, em gótico tardio, afonsino, é provavelmente a mais bonita da ilha ( pode-se gostar igualmente da de Praia da Vitória). Foi edificada pelos primeiros povoadores da ilha em 1455, e deve ter sido por estas bandas que a Terceira nasceu para a História. O templo, de pequena altura, destaca-se pelos seus portais em estilo manuelino, arcos e abóbodas nervuradas.



A maior riqueza são os frescos, de autor desconhecido, que datam do séc. XVI (1565 talvez). Um belo legado.
Um dos painéis tardo-medievais, na parede sul, de arte já Renascentista, a juntar à gótica manuelina !

Figuras autónomas separadas por molduras decorativas, num mural que excede 8m de largura.

São Martinho.

Maria Madalena.


Cá fora, um festivo manuelino:




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Mesmo ao lado, no estilo rococó popular (kitsch) tipico da Terceira, um Império, capela como há muitas na ilha, dedicada ao conhecido culto dos ilhéus.

terça-feira, 17 de abril de 2018

Rapperswil, vila medieval, castelo e igreja à beira do lago Zurich


Viajar de combóio na Suíça é sempre boa ideia.

Na minha ultima estada na Suíça, fui de combóio num dia frio e cinzento até Rapperswil. Esta vila antiga deu-me sensações que já é raro ter - inesperada arquitectura, cenário lacustre, casario medieval, prazer de andar na rua, sossego urbano... Rapperswil situa-se numa rota de passagem dos Alpes para Itália, pelo que teve importância estratégica, quer como local de reabastecimento, quer como sítio de portagens. O imponente castelo e uma Igreja que parece excessiva para tão pequena vila testemunham essa importância.


A humidade mal deixava ver a neve no topo dos montes. Descendo desde a parte alta junto ao Castelo e à Igreja de S.João, as lindas fachadas e os telhados jogam com o cenário montanhoso.

A rua Herrenberg desce da elevada "ágora" até à baixa administrativa e comercial.

Algumas casas de enxaimel (traves de madeira de carvalho) dos séc XVI - XVII parecem acabadas de construir.

 Aqui funciona agora uma Escola primária.



Na Hauptplatz fica a câmara (Rathaus).
 


Situada no extremo sul do lago Zurique, Rapperswil foi fundada por volta de 1220 pelos nobres da Casa de Rapperswil, os condes Rudolf. Mas já existia no local um povoado fortificado desde tempos pré-romanos. Uma lenda menciona em 697 a chegada de um cavaleiro Raprecht, que daria origem ao nome Rapprechtswilare...

A Zeitturn, torre do relógio; o carrilhão é famoso.

As torres de Rapperswil, acima da linha dos telhados.

Burg café

Lá fora faziam ums 5º negativos, pelo menos. Sabia bem estar dentro a tomar um chazinho com o bolo da casa. As decorações na janela eram para Carnaval.

A quietude do lago, rodeado dos Alpes, não dá ideia de estarmos no centro da Europa; mas estamos. A leste falta pouco para a Áustria, a sul para Itália, a norte para a Alemanha. Ali em Rapperswil, o espaço e o tempo ficam suspensos numa pausa, mesmo que se ouçam os telemóveis, mesmo que haja caixas automáticas. Rodeados de Europa, num sossego feliz, o lago matricial a proteger-nos.

Vamos então lá acima.

A Igreja paroquial de S. João (Stadtpfarrkirche St. Johann)



É uma igreja românica de 1220-29. A segunda torre, menor, é de 1441, a decoração da nave e o côro já são Góticos. Depois da Reforma na Suíça, dois altares laterais renascentistas foram acrescentados.
https://en.wikipedia.org/wiki/Stadtpfarrkirche_Rapperswil

Janelas da parede lateral da nave.

Janelas dos altares renascentistas.


 Rosácea e órgão.

O Castelo dos Condes


Situado no topo da cidade alta, o Schloss Rapperswil data do século XIII. Controlava o lago num percurso de passagem para a Lombardia atravessando o Gothard.
O castelo e o lago em 1879.

Depois de um período de abandono e ruína, foi restaurado por um cidadão polaco e transformado em museu local da Cultura da Polónia.


Impressiona a monumentalidade deste conjunto castelo-igreja no alto de uma formação rochosa, a lembrar uma acrópole medieval de granito, e que vista ao longe, sobre as pontes ou da outra margem, constitui uma inconfundível marca arquitectónica, como mostram as fotos seguintes que não são minhas (dia soalheiro!):




Das lojas tradicionais nas ruas de Herrenberg e Kluggasse não vou aqui colocar imagens. Mas uma das casas bonitas de Rapperswil tem ao nível da rua uma loja de instrumentos musicais; e no 3º andar, um mural que descreve a lenda (*) das origens da vila.


 Musikhaus, numa vila de 7600 habitantes (Wiki dixit)

O 'mito criador', pintado em banda na fachada.

Um sítio onde tenciono voltar mais demoradamente e com sol aberto !


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(*)
  "Certa manhã, o conde Rudolf von Rapperswil e a esposa atravessaram o lago para caçar, e mal alcançaram a margem os cães farejaram uma corça e correram em perseguição dela até ao topo da penha rochosa.  Quando os caçadores chegaram ao covil, viram duas crias; a senhora ficou com pena delas e pediu ao conde que retirasse os cães e desistisse da fêmea.
  Estando eles a descansar numa sombra, a fêmea surgiu e pousou a cabeça no colo da senhora, grata pelas vidas salvas. O conde ficou comovido, pensou que recebera um sinal divino, e decidiu fundar no local um novo castelo com uma vila na encosta sul."