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domingo, 6 de abril de 2025

Artemisia Gentileschi, a exposição do momento em Paris, no Jacquemart-André



Está no renascido Museu Jacquemart-André em Paris uma extensa exposição da obra da pintora renascentista italiana Artemisia Gentileschi (1593-1656), contemporânea de Caravaggio: nasceu em Roma e foi aclamada e admirada no seu tempo, o que lhe permitia viver das obras que vendia. Em 1612, deixou Roma para viver uma nova vida em Florença, libertada de um passado humilhante. Foi na Toscânia que teve o seu período mais criativo e se tornou uma figura notável no meio artístico da época, travou amizade entre outros com Buonarroti e Galieu Galilei. Depois de breves estadias em Génova onde conheceu Rubens, voltou a deslocar-se em 1630 com a família, agora para se realojar em Nápoles, na altura a terceira maior cidade da Europa, onde não faltavam oportunidades de negócio e lhe foi fácil integrar-se e tratar com mecenas ilustres como Filipe IV de Espanha. E em 1638 viajou, imagine-se, até Londres, numa altura em que o seu pai, pintor da corte, trabalhava na decoração da Casa da Raínha em Greenwich; Orazio viria a morrer no ano seguinte, e após algum trabalho a concluir a obra do pai Artemisia regressou a Nápoles.


Museu Jacquemart-André exibe cerca de quarenta dessas obras, algumas das quais obras primas da Renascença italiana, onde Artemisia exprime tenazmente a vontade e determinação com que enfrentou os vexames sofridos como mulher: em 1611, aos 18 anos, foi violada por um aluno do pai e mestre, o pintor Orazio Gentileschi.

Começo pela obra que executou para Michelangelo Buonarroti, para decorar um tecto em Florença. 
Allegoria dell' inclinazione, 1616 -Florença

Uma jovem de cabelo ruivo rebelde parece sentada sobre uma nuvem a pairar no céu estrelado, segurando uma bússula inclinada. A alegoria alude à inclinação artística, à orientação para o talento criativo. Artemisia, então com 23 anos, despiu-se sem pudor nesta encomenda de um dos seus mecenas toscanos.

 
"... a Allegoria dell'inclinazione, a alegoria de todas as propensões artísticas do divino Michelangelo. Com uma liberdade desconcertante, Artemisia retratou-se a si mesma, reivindicando na obra a beleza do próprio corpo, e o génio do seu pincel."

Mitologia cristã

Santa Catarina foi uma das mulheres-mártir que Artemisia escolheu como heroína. Representou-a várias vezes, uma está nos Uffizzi, esta está na National Gallery de Londres:

A bela Artemisia em auto-retrato como Santa Catarina de Alexandria (Florença, 1617) - ao lado a roda dentada com que sofreu tortura, a pluma na mão é um símbolo de mártir.

Artemisia também pintou várias vezes Maria Madalena, uma heroína com que se identificava pela sua liberdade e pela fatalidade da sua história de vida, sempre ressaltando com frescura a espiritualidade da santa, para o que recorreu a luz e sombra sobre uma intensa corporalidade,

Madalena Penitente, 1626

Admirável

De olhos fechados, penteando sensualmente com os dedos um madeixa de cabelo ruivo, medita talvez nos seus pecados. Na sombra, à esquerda, um frasco de unguento; a pulseira e o brinco de pérola indicam a sua anterior vaidade mundana.

Mitologia da Antiguidade

Vénus adormecida, 1626 (Museu da Virgínia)

O rosto, mais um vez, tem as feições do de Artemisia,  frequente auto-modelo. Cores intensas, lápis-lazuli do lençol e carmesim do travesseiro debruado a ouro. Sendo o lapis-lazuli caríssimo, deve ter sido uma encomenda bem paga, na altura por algum mecena florentino.

Na mesma época, uma 'Morte de Cleópatra':

De 1635, já Artemisia estava em Nápoles.

Cleópatra, no seu triste destino de mulher heróica, é retratada com carinho na brancura da morte rodeada de tons de azul e amarelo. O uso do lápis-lazuli, o pigmento mais caro, a que só recorriam os artistas bem pagos, salta à vista no azul vivo do pano.

Também de 1635 é este auto-retrato enquanto musa da Pintura, a obra que mais me emociona e deslumbra de Artemisia, aqui na sua maturidade; digamos que vaidade não lhe falta, cuida-se bem nas roupas e vê-se muito ao espelho; mas que talento !

Allegoria della Pittura, 1635

Em 1637, fez para o cardeal de Nápoles um "Cristo e a Samaritana no poço" contrário às regras tradicionais: a Samaritana não está sentada modesta e passivamente a ouvir um monólogo, mas antes se inclina para a frente conversando de igual para igual:


No auge da sua mestria, Artemisia mostra-se mais uma vez bem vestida como mulher insubmissa, arrojada, segura de si, quase moderna. Que esta obra prima seja criada por uma mulher em 1637 dá quase vertigens. 

Mas talvez a mais conhecida pintura de Artemisia seja outro seu auto-retrato, uma obra da maturidade - tem 46 anos quando pinta este Autoritratto come allegoria della Pittura :

Raffaello Sanzio não faria melhor

Raramente Artemisia pintou homens, e quando o fez foi para se vingar, seres repelentes ou decapitados. Escuso-me de reproduzir aqui essa arte feia e cheia de ressentimento, mas enfim, sou homem. 

Museu Jacquemart-André


Fica perto do Arco do Triunfo, numa das grandes avenidas que dele irradiam - o Boulevard Haussmann, talvez a mais bela de Paris, por trás dos Champs Elysées. A antiga moradia palaciana de 1875 foi construída para o casal André, homem de fortuna e banqueiro, e Jacquemart, pintora e coleccionadora; actualmente renovada, tem uma secção própria de casa-museu, e outra parte dedicada a exposições temporárias (Signac, Turner, Bernini...). O espaço interior tem detalhes deslumbrantes:


A famosa escadaria em dupla hélice.



O melhor do Museu está no cimo da escadaria: um grande fresco de Tiepolo trazido da Vila Contarini (Veneto)  que representa a chegada de Henrque III a Veneza :

Fresco de Tiepolo, 1745

domingo, 30 de março de 2025

Tributo a Kharkiv - Obras Primas no Museu de Arte

Já dediquei um post à bela cidade de Kharkiv, que continuadamente tem sido atingida por mísseis e drones russos, com destruição de importante património e vítimas civis. É bem possível que os agressores russos não desistam de reaver a cidade. pela sua dimensão, importância estratégica e riqueza cultural; mas os habitantes ucranianos mantêm-se firmes, não desistem da cidade de que se orgulham. Além da elegância arquitectónica, tem a Universidade e muitos espaços de lazer - jardins, praia fluvial, teatros, museus e, claro, cafés. 

Hoje venho reforçar a demonstração da valia do Museu de Arte de Kharkiv, qie além de janelas com os vidros partidos e alguns destroços projectado no interior não sofreu grandes danos, até ver. Todas as janelas estão agora fortemente entaipadas.


O edifício de 1914 deve-se ao arquitecto Alexei Beketov, como muitos outros na cidade. Além da fachada, é notável a escadaria principal iluminada pelas cores do grande janelão de vitral.




Começo pela Sala dos Ícones :

Ícone "Anunciação", de Fedusko Malyar (Ivanychi),1579

Fedusko Malyar de Sambor (ou Sambir) foi um frade pintor do século XVI na região de Volyn, no noroeste da Ucrânia. 

Detalhe

Ícone "Portas Reais", região de Volyn, autor desconhcido

À esquerda o ícone "Trindade", à direita um díptico de Portas Reais


O ícone Trindade, do séc XVII, é proveniente de uma aldeia de Poltava; ilustra a narrativa bíblica da visita de três Anjos ao casal Abraão e Sara; mas em vez de se situar na tenda  junto ao carvalho Mamvri. vê-se um palácio Cossaco de arquitectura barroca. Detalhe engraçado é a porta semi-aberta por onda Sara espreita, à escuta da conversa. Abraão saúda os visitantes e convida-os a disfrutar de uma mesa generosamente fornecida; os Anjos mais parecem jovens ucranianos. Tudo em cores vívidas de vermelho, verde, azul e rosa, sobre um fundo gravado em folha de ouro ricamente decorado com motivos florais e frutos.


Ícone 'Hodegétria', de Volyn, Ucrânia

Saíndo para a pintura europeia, temos Jan van Scorel, pintor flamengo (1495 –1562).

O apóstolo Filipe baptiza um nobre da Etiópia.

Detalhe:

Há no museu alguns desenhos de Albrecht Dürer:

Um milagre no mar (1498), cinzelado em cobre. 

Os mitos fantásticos sobre criaturas marinhas como as sereias estavam em voga.


Da arte europeia clássica, uma pequena escultura (cópia) de Antoine Coysevox (1640-1720) é uma das peças mais antigas. Coysevox foi um artista de Versalhes que trabalhou para Louis XIV.


'Nymphe de la forêt', de Coysevox.



Sylvester Shchedrin (1791-1830)

Esta é uma das obras mais admiradas no museu. 

Noite em Nápoles, 1828

Shchedrinn viveu muitos anos em Itália, onde aderiu à corrente de pintura paisagística. Neste quadro vê-se o Vesúvio e Castel del Ovo, a frente marítima de Santa Lucia e a Riviera di Chiaia - e a vida nocturna dos pescadores de Nápoles.

Ferdinand de Braekeleer (1792-1883) é outro pintor flamengo, este de Antuérpia, bastante aclamado no seu tempo e premiadado no Salão de Bruxelas. Além de pintar, restaurou obras de Rubens.

Na cozinha, de Ferdinand de Braekeler

Viktor Vasnetsov , nascido em Kiev (1884-1889)

Sessão de chá em Harchev, 1874


Mikhailo Berkos (1861-1919) foi um pintor de origem grega, nascido em Odessa, cuja vida artística foi em grande parte passada em Kharkiv.

Rua em Uman, de 1895 (Uman é uma cidade do centro da Ucrânia).

Serhiy Ivanovich Vasilkivskyi (1854-1917) - em russo Sergei Vasilkovsky - é talvez o mais amado dos artistas ucranianos com obras no museu. Nasceu em Izium, perto de Kharkiv, uma cidade massacrada e reduzida a escombros pelos russos em 2023. Viveu ainda antes da revolução soviética, numa altura em que a Ucrânia fazia parte do Império Czarista.

Vizinhanças

A sua primeira grande exposição, cento e vinte obras, teve lugar em Kharkiv em 1900. Muitos dos quadros de Vasilkivskyi mais apreciados representam cenas de aldeias rurais.

Étude do Mar, Veneza

Talvez o quadro mais acarinhado do Museu seja esta aguarela de Vasilkivskyi , que tinha desaparecido roubada e só há poucos anos foi recuperada:



Marie Bashkirtseff  (1858 - 1884) nasceu na martirizada Poltava; emergiu na Europa das artes na década 1880, tem uma obra no Louvre, foi admirada por Bernard Shaw, escreveu um diário famoso que retrata a vida de uma mulher da época... Estudou e trabalhou em Paris, onde morreu aos 25 anos.

Com um livro

Ivan Frantsevich ou Jan Franziewicz (1858-1913), polaco, tem uma única obra no museu, mas é excepcional:

Rosa de Chá, 1905 

Ladislav Trakal 1853-1951 nasceu na antiga Checoslováquia.  Estudou em Praga e em 1897 instalou-se em Kharkiv. Entre Odessa e S Petersburgo, afirmou-se como artista na Rússia Czarista. Em 1920 foi expatriado para Praga, mas lutou sempre pelo regresso a Kharkiv. Ainda conseguiu uns anos na Crimeia, mas a invasão nazi alemã terminou a sua carreira.

Parque da Universidade , Kharkiv, - 1906

Iliya Repin Repin (1844-1930) é talvez o maior pintor Ucraniano, usualmente identificado como russo, embora se tenha refugiado na Finlândia após a revolução bolchevique; tem dois ou três quadros no museu, mas não gosto.

Seja como for, grande museu. Que parem as bombas.