domingo, 31 de agosto de 2014

6º Aniversário !


Parece que o Livro de Areia já vai começar a ir para a Escola .
Bem  lhe fazia jeito.

Hoje, seis anos.  Ena! para mim .

Se ao menos desse flor...


Auto-prenda:

Bach, John Williams. Mais perto da perfeição, não existe.



sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Música para a rentrée : Platti, Touchemoulin, Bernstein, e mais...


Já fazia algum tempo que não recebia uma remessa de novos CDs, e estava mesmo a precisar. Necessidades que não o são, é hábito construído, mas sabe bem.

Vieram, de Platti, os Concerti Grossi , pela Akademie Fur Alte Musik (2008):
O barroco no seu melhor.

De Touchemoulin, concertos e sinfonias pelo agrupamento barroco Les Inventions, dir. Patrick Ayrton (2008):
Ouçam só esta delícia:


De Bernstein, uma selecção de recriações orquestrais de William David Brohn com Joshua Bell ao violino e a Philarmonia dirigida de forma retumbante por David Zinman:
A West Side Story suite (2001) é particularmente bem conseguida, irresistível, e Joshua Bell exibe o seu virtuosismo enriquecendo ainda mais o arranjo de Brohn.

E uma gravação recente de 2012 de Leif Ove Andsnes à frente da Mahler Chamber Orchestra: os concertos de piano nº1 e nº3 de Beethoven como nunca foram ouvidos, intérpretes de excepção e interpretações não consensuais, algo surpreendentes, que fantástica execução !
Beethoven cristalino como água de fonte, imperdível, sobretudo nº 1. Este fica a rodar muito tempo :)

Aposta mais arriscada, este Motherland (2014) de Khatia Buniatishvili, a pianista-revelação da Geórgia:
CD muito eclético: Bach, Tchaikovsky, Mendelssohn, Brahms, Dvorák, Scarlatti, Grieg, Handel, Pärt... se calhar vou arrepender-me. Já estou meio.

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Em extra, ainda, um livro usado que recuperei da minha juventude - será o tal síndroma que dá aos idosos de quererem rememorar a infância ?
É o Grichka! Grichka et son Ours ! Li em português, mas agora quero o original.

Primeira página portuguesa, da editorial Notícias.

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Um dia destes chegam as sinfonias de Brahms que a Gramophone premiou. Expectativa...

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Gramophone Award para Chailly e a Gewandhaus


Já me tinha entusiasmado aqui com as gravações de Beethoven e Mendelssohn, agora o prémio da Gramophone confirma as Sinfonias de Brahms dirigidas por Ricardo Chailly com a Gewandhaus de Leipzig como melhor gravação orquestral.
Talvez o maior maestro e a melhor orquestra da actualidade !

E os 'meus' Dunedin Consort também foram bafejados - prémio para a nova leitura do Requiem de Mozart.

Lista dos prémios:

Gramophone Awards 2014

Baroque instrumental
CPE Bach - Württemberg Sonatas
Mahan Esfahani
[Hyperion CDA67995]

Baroque Vocal
CPE Bach - Magnificat, Heilig ist Gott
Soloists, RIAS Chamber Choir; Akademie Für Alte Musik Berlin /
Hans Christoph Radioman
[Harmonia Mundi HMC902167]

Chamber
Schubert - Death and the Maiden; String Quintet
Pavel Haas Quartet with Danulo Ishizaka
[Supraphon SU4110-2]

Choral
Mozart Requiem (reconstruction of the first performance)
Dunedin Consort & Players / John Butt
[Linn CKD449]

Concerto
Prokofiev - Piano Concertos Nos 1-5
Jean-Efflam Bavouzet, BBC Philharmonic / Gianandra Noseda
[Chandos CHAN10802(2)]

Contemporary
Benjamin - Written on Skin
Soloists, Orchestra of the Royal Opera House / George Benjamin
(Prod. Katie Mitchell)
[Opus Arte OA1125D]

Early
Marenzio - First Book of Madrigals
La Compagnia del Madrigale
[Glossa GCD992802]

Instrumental
Mompou - Piano Works
Arcadi Volodos
[Sony Classical 88765433262]

Opera
Ravel - L’heure espagnole & L’enfant et les sortilèges
Soloists, Glyndebourne Chorus, LPO / Kazushi Ono
(prod. Laurent Pelly)
[FRA Musica FRA008]

Orchestral
Brahms Symphonies
Gewandhaus Orchestra Leipzig / Riccardo Chailly
[Decca 4785344]

Recital
‘Arise, my muse’
Iestyn Davies, Richard Egarr
[Wigmore Hall Live WHLive0065]

Solo Vocal
Schubert - Winterreise
Jonas Kaufmann, Helmut Deutsch
[Sony Classical 88883795632]




segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Canção do entardecer, de Zoltán Kodály: beleza incómoda ?



Canção do Entardecer (Esti Dal) de Zoltán Kodály


Como muitas outras obras, este cântico levanta o eterno e estéril problema de se apreciar devidamente obras de referência religiosa explícita, sendo um ateu irredutível como eu.

Na maioria dos casos, ignoro o texto, só tomo conhecimento dele se for indispensável (Mahler, por exemplo, ou Brahms), tentando colocar as coisas em perspectiva histórica e civilizacional. Em regra aprecio a música-pela-música, o que basta por completo se for genial. Mas no caso de um poemazito de paixão cristã como este ? A obra é de 1938, já não havia 'necessidade' histórica,  a não ser como contraponto ao nihilismo centro-europeu. Tal como sucede com a música de Arvo Pärt, ainda mais recente, a minha dificuldade de lidar com esta religiosidade aumenta na medida em que a obra é contemporânea (mas a música de Pärt é genial).

Não tem explicação porque me arrepio todo com esta Canção do Entardecer num "flash mob" filmado em Budapeste (no fim deste post).  Sinto que o momento deve ter sido único, sublime, fora deste mundo, cósmico. E contudo, se o texto fosse em português, quanto me incomodaria ! Compor obra de fé nos dias de hoje é mesmo estranho.

Cioran escreveu que, sem Bach, Deus seria um tipo de terceira ordem. Mas Bach certamente não pensava asssim - e compôs toda a sua obra para a glória de Deus. Handel, Vivaldi, Mozart, Beethoven, Bruckner, e agora Gorecki, Gubaidulina ou Pärt, escreveram algumas das mais inspiradas, empolgantes e entusiásticas odes à fé e à divindade cristã.

Os maçons iludem esta questão com um ersatz - veneram uma inteligência divina abstracta, espécie de causa primeira, sem a nomearem Deus. Um recurso manhoso que os dispensa de rezar ou prestar culto. Mas o que todos esses compositores sempre compuseram em honra a Deus foram justamente rezas e cânticos de culto. Liturgias. O Deus deles é aquele mesmo que é representado na Terra pela igreja e pelo clero. Isso torna as coisas mais dificeis, mesmo para maçons.

Há um grupo islandês que faz música aparentada com a dos Pink Floyd - os Sigur Rós (que aliás gosto de ouvir) - e que recorreu a outro truque para a sua música celestial, cósmica, planante e de sonoridade litúrgica: inventou uma linguagem fictícia. Com base nos antigos escritos nórdicos (sagas), criou palavras e frases sem significado que valem como 'tra la la' mas são articuladas como frases verdadeiras, É como ouvir esperanto. Assim, a música vale por si, o canto vale como música, o texto é só mais um elemento sonoro.

Uma solução, para mim, pode ser: ouvir os Requiems e as Oratórias e as Missas como se fossem cantados dessa maneira, numa linguagem cifrada desse tipo. Sem significado. Et incarnatus est é o mesmo que tse sutanracni te. The Lord is My Shepherd equivale a drehpehs ym si drol eht.

Não faltará quem pense que assim não se pode apreciar a obra na sua globalidade, no seu contexto, na sua identidade, na sua 'alma'. Tal como na pintura, onde um Rafael só pode ser apreciado por quem domina e compreenda a mensagem bíblica. Discordo, a atitude ateia é também cultural, é uma conquista de cultura e civilização de que não abdico, e é perfeitamente compatível com a compreensão dos textos sagrados. Eu não acuso os crentes de não serem capazes de apreciar Paul Klee.

Portanto, reivindico todo o direito de me emocionar e maravilhar com Rafael ou a Missa Solene, sem precisar de deus para nada.

Esti Dal de Kodály em Budapeste, 2013




quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Viagem aos nossos antípodas: Dunedin com sorte


- da série 'Viagens virtuais e improváveis' -

Se há alguma zona civilizada no planeta que possa parecer uma extensão da Europa, é a Oceânia - por acaso (?) também a mais longínqua, e mesmo diametralmente oposta. Austrália e Nova Zelândia gozam de um invulgar bem estar, sem paralelo na Ásia, que só se aproxima dos países europeus: sociedades saudáveis, bom nível de vida incluindo assistência e serviços sociais do estado, cultura, abundância de recursos humanos e de oferta de bens, tendência igualitária e máxima liberdade, níveis baixos de corrupção e de criminalidade.

O crescimento é ideal - à volta de 3% - e estável, sem ter sentido a concorrência dos duvidosos BRIC. Tudo isto sem o frio do Canadá, nem o petróleo da Noruega, nem os bancos da Suíça. Como conseguem ?  Provavelmente algumas respostas serão incómodas.

Dunedin: 45.9° S, 170.5° E; população ~125 000

Em rigor, os antípodas de Portugal variam entre o mar, a oeste da Nova Zelândia, e o parque nacional de Kahurangi, para o interior norte. As cidades mais próximas de estarem do outro lado de um túnel desde Portugal através da Terra são Wellington, Christchurch, onde houve há pouco um grande terramoto que destruiu parte do centro histórico, e Dunedin, já mais para sul da ilha, talvez a mais bela do país, com muitos edifícios edwardianos e victorianos e uma vitalidade cosmopolita que não seria de esperar em sítio tão afastado do resto do mundo.

O 'Octagon', praça central e ponto de encontro animado.

Fundada por imigrantes escoceses em 1848, Dunedin teve um arranque lento e pouco próspero, até se descobrir, em 1861, uma jazida de ouro nos arredores. Agora lidera o país como centro económico, comercial e industrial - foi lá que muitas das maiores empresas neozelandesas de manufactura, transporte e comércio nasceram. A Universidade é a mais prestigiada do país, e ser cidade universitária é uma das maiores valias de Dunedin.

Foi o Dunedin Consort, a que me referi aqui ainda há pouco, que me revelou esta cidade igualmente baptizada e me espicaçou a curiosidade. Não tem nada a ver um com a outra.

Os fundadores escoceses queriam fazer de Dunedin a 'Edimburgo do Sul '.
O próprio nome, aliás, tem origem no castelo de Edimburgo ( gaélico  Din Eidyn,  = 'o monte de Odin'). A maior parte da toponímia é também importada de lá, e até um Fringe Festival tem lugar anualmente. (http://www.dunedinfringe.org.nz/)

Stuart Street, a principal rua do centro da cidade, com os edifícios do tribunal e da estação.

Porque será que as tradições da colónia fundadora e o orgulho pela parentalidade com a Escócia se mantêm tão vivos ao ponto de a estátua central ser do venerado poeta Robert Burns ? Alguma ex-colónia portuguesa teria Camões no centro da sua principal praça, ou Torga ?

Robert Burns frente à Catedral de S. Paulo (de 1919).

Uma das coisas mais interessantes em Dunedin é a unidade arquitectural. Muitos edifícios - sobretudo institucionais - são construídos numa espécie local de basalto (breccia vulcânica) e calcário branco, com decoração exuberante, incluindo trabalho em ferro forjado. Começo pela famosa Estação.


Obra de 1907, construída sem orçamento ( - 'queremos o melhor' !) - o arquitecto escocês até colunas de granito e mosaico taliano enviou por barco. A fachada de estilo renascença flamenga alterna basalto escuro e calcário, criando um efeito "bolo de casamento" comum a outros edifícios da cidade.


A febre do ouro tem destas coisas; a estação ligava o porto, mesmo ao lado, com o resto do país e garantia um transporte eficaz de carga e pessoal. Os novos-ricos das pepitas quiseram uma coisa de luxo, e pronto.

Agora é um ícone da cidade, com interiores também ricamente decorados. Não posso deixar de admirar como os britânicos levaram para o outro extremo do mundo o melhor que aprenderam a fazer em termos de arquitectura e caminhos de ferro.



Outros exemplos:

A Catedral de S. José, católica, completada em 1886


O Fortune Theater, que ocupa uma igreja desactivada em gótico revivalista da época victoriana, em basalto azulado e calcário. Um dos locais de cultura mais activos e frequentados, com companhia residente.

Site:
http://www.fortunetheatre.co.nz/

OBHS, Otago Boys High School, gótico revivalista de 1855.

A entrada da Otago University.

Tribunal (Law Courts), de 1899.

Talvez o mais conseguido dos edifícios neo-góticos da cidade.



Uma curiosidade é o edifício da Câmara, de 1880:

Então não é mesmo parecida com a do Porto ? Lá está, deve ter vindo a inspiração via túnel através do magma terrestre.

E até ... um castelo ! Sim !

Larnach Castle, o único da Nova Zelândia, erguido entre 1871 e 1887 para o Ministro da Minas (de ouro, claro), que por acaso teve um triste fim.

Uma mansão ao estilo baronial escocês, aberta ao público.

Uma das instituições mais prestigiadas é a enorme fábrica da Cadbury:



Nas ruas comerciais, George Street e Princes Street, há fachadas coloridas, com trabalho em gesso ou em ferro forjado.



http://en.wikipedia.org/wiki/Princes_Street,_Dunedin


E finalmente, cafés, marca da Europa. Também há.

'Good Earth Cafe', Cumberland St.


Uma originalidade que nenhum visitante deixa de ver, é a rua mais íngreme do mundo (Guinness Book), a Baldwin Street, com uma inclinação de 1 para 2.8 , ou seja, 36%.
Casa direita, rua inclinada, ou...

... rua direita, casa inclinada.


Agora alguns interiores da estação :



Chão de mosaico italiano.


Música ?

When: Wed 3 September 2014 07:00p.m.
Where: 
Dunedin Town Hall

New Zealand Symphony Orchestra
Haydn - The Creation
Nicholas Mcgegan -
conductor


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Não parece uma bela pequena cidade?
Digamos que esta nossa antípoda não deixa de ser Dunedin 'com sorte'.


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Dunedin Consort: 'O beauteous Queen'


Os escoceses Dunedin Consort, dirigidos por John Butt, estão pela segunda vez nomeados para os Gramophone Awards, e é bem merecido, como passo a provar. Em 2014, são duas as nomeações, uma pelos Brandeburgueses de Bach que já anteriormente mencionei, outra pelo Requiem de Mozart, de que arriscam uma impressionante nova versão.

Deixo aqui uma amostra de outra gravação dos Dunedin, a oratória Esther de Handel (versão de 1720) editada em 2012 ; é uma ária para tenor daquelas preciosidades raras que só Handel sabe fazer:


O beauteous queen, unclose those eyes!
canta Robin Blaze.

(Ahasuerus, priest of the Israelites:)

O beauteous queen, unclose those eyes!
My fairest shall not bleed;
Hear love's soft voice that bids thee rise
And bids thy suit succeed.
Ask, and 'tis granted from this hour,
Who shares our heart shall share our power.
O beauteous queen . . . (da capo)


- Dunedin Consort, dirigido por John Butt

O nome do agrupamento vem do gaélico Din Eidyn, 'o monte de Odin', como era conhecida a elevação do Castelo de Edimburgo. São apenas 20 e apostam mais na riqueza do detalhe e do contraponto que na 'gravitas' opulenta de uma grande orquestra.

Esther é uma das 29 oratórias (e 42 óperas) de Handel - possivelmente uma estafa de hora e meia se a interpretação for medíocre. Escrita em 1710, revista em 1720, aprimorada em 1732, foi baseado na tragédia homónima de Racine que Handel escreveu a que seria a primeira oratória inglesa.

Esta gravação só é comparável à de Cristopher Hogwwod com a Academy of Ancient Music, mas vai de facto mais longe na procura de autenticidade. Para comparação, esta interpretação também sublime de Anthony Rolfe Johnson, contando com uma orquestra bem mais nutrida. Não sei de qual goste mais.


Talvez de Blaze.



quinta-feira, 14 de agosto de 2014

La Prose du Transsibérien et de la petite Jehanne de France


Este sim, um livro que é em si mesmo também obra de Arte.


" Prose du Transsibérien et de la petite Jehanne de France "
- représentation synchrome / peinture simultanée/ Mme Delaunay-Treck / texte Blaise Cendrars.

Publicado em 1913 nas Éditions Les Hommes Nouveaux, é considerado a primeira obra simultânea, neste caso de literatura e pintura, criada por dois autores trabalhando em cooperação. A simultaneidade está na sua concepção e na apresentação pública, mais do que no trabalho de realização, em que cada um trabalhou ao seu ritmo.

Blaise Cendrars e Sonia Delaunay faziam parte, na Paris de 1912, de um grupo que incluía Chagall, Modigliani, Apollinaire, e outros artistas do movimento Modernista. Decidiram colaborar na criação do livro, um escrevendo e imprimindo um longo poema, a outra criando ilustrações de manchas coloridas - verde, laranja, azul... - na tipografia; as manchas de côr são pedacinhos de papel recortado e colado com minúcia. Depois montavam a obra, página a página, meticulosamente.

O único elemento figurativo é uma torre Eiffel, piscadela de Delaunay a Cendrars que se tinha inspirado ao ver uma carruagem do Trans-siberiano junto à Torre durante a Exposição Universal de 1900.


A paginação também rompe as convenções ao alinhar o texto à direita, obrigando o leitor a entrar no poema pela imagem.

Cada exemplar original era um longo quadro-poema longo de dois metros, e na totalidade os 150 exemplares fariam 300 metros, a altura da Torre Eiffel. A enorme folha era dobrada a meio e depois dobrada dez vezes em acordeão, apresentando um formato final 180 x 100 mm, próximo de um livro convencional.
Infelizmente a procura foi pouca, e só foram acabados 70 exemplares.


Quase todos os grande Museus - MoMA, Ermitage, Tate Modern - têm o seu exemplar, outros estão na posse de particulares, e alguns foram transacionados em leilão. Em 2004, o n°1, em pergaminho, vendeu-se por 350 000 euros na Sothebys.


O poema é uma viagem alucinada pelo Extremo Oriente da Rússia, incendiado pela guerra russo-japonesa. Terá Cendrars embarcado no trans-siberiano ?
O próprio responde, "Qu'est-ce que ça peut te faire, puisque je vous l'ai fait prendre à vous ?".

La Prose du Transsibérien, o primeiro poema Modernista, vai tornar-se livro de culto.


"Blaise, dis, sommes-nous bien loin de Montmartre?"
Nous sommes loin, Jeanne, tu roules depuis sept jours
Tu es loin de Montmartre, de la Butte qui t'a nourrie, du Sacré Coeur contre lequel tu t'es blottie
Paris a disparu et son énorme flambée
Il n'y a plus que les cendres continues
La pluie qui tombe
La tourbe qui se gonfle
La Sibérie qui tourne
Les lourdes nappes de neige qui remontent
Et le grelot de la folie qui grelotte comme un dernier désir dans l'air bleui
Le train palpite au coeur des horizons plombés
Et ton chagrin ricane...

"Dis, Blaise, sommes-nous bien loin de Montmartre?"



' O Paris
Gare centrale débarcadère des volontés, carrefour des inquiétudes
Seuls les marchands de journaux ont encore un peu de lumière sur leur porte
La Compagnie Internationale des Wagons-Lits et des Grands Express Européens m'a envoyé son prospectus
C'est la plus belle église du monde '



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Integral :
http://lapoesiequejaime.net/bcendrars.htm

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Ébola: 'Anticorpos monoclonais', o que é isso ?


Ultimamente, a propósito de novos tratamentos oncológicos e agora da eventual cura 'milagrosa' do ébola, fala-se de soros à base de anticorpos monoclonais, uma nova terapia químico-farmacêutica que ajuda na rejeição de transplantes, infecções virais em geral e casos de bactérias resistentes a antibióticos.

O nome, anticorpos monoclonais, parece de ficção científica. Procurei saber do que se trata - um novo antibiótico ? um antiviral ? Para começar, uma definição:

Um anticorpo é uma molécula, uma proteína naturalmente produzida no nosso corpo, dirigida especificamente contra a ameaça de outra molécula proveniente do exterior, o antígeno (*). Para cada antígeno, a resposta imunológica fabrica uma linha de anticorpos destinados a destruir o antígeno detectado que, na maioria dos casos, é um agente tóxico ou infeccioso (proteína), pólen ou vacina.

O anticorpo é monoclonal se tiver sido produzido de forma artificial, industrial, a partir de um só tipo de célula - o clone - e em grande quantidade. Os anticorpos naturais que reagem a uma agressão são proteínas de muito variados tipos; isolando apenas um tipo específico e reproduzindo-o por clonagem aos milhares, temos o anticorpo monoclonal.

É um produto das novas tecnologias bioquímicas. Sendo todos iguaizinhos, de grande pureza genética, os anticorpos monoclonais podem ser utilizados em força para combater um antígeno inimigo, como o que está na origem de certos tumores e infecções virais mas também de doenças auto-imunes.

Já há muito se fabricavam anticorpos na indústria farmacêutica - por exemplo, em soros para combater o tétano e as mordeduras de víboras. Obtinham-se por intermédio da inoculação do antígeno noutro animal cobaia (cavalo, rato) e pela recolha dos anticorpos por ele gerados. O problema é que não se conseguia uma composição determinada (a mais eficaz) mas uma mistura de anticorpos, e, pior ainda, não sendo de origem humana provocam muitas vezes fortes reacções alérgicas.

A nova biotecnologia permite uma pureza quase perfeita e garante um ataque forte centrado no antígeno, que o anticorpo imediatamente identifica e ataca.


O anticorpo é uma proteína em forma de Y. Os dois ramos do Y são os parátopos, como se fossem duas fechaduras à procura da chave afim no antígeno.
A interacção anticorpo-antígeno faz-se por uma ligação entre extremos afins, quando o parátopo reconhece e capta o correspondente epítopo, a 'chave' do antígeno, efectuando um acoplamento de grande precisão. Quem diria.


Os anticorpos monoclonais industriais têm nomes terminados em mab - infliximab, trastuzumab, bevacizumab (AVASTIN)... e  ZmAb, o cocktail de três anticorpos que tem tido algum sucesso contra o ébola, de que se fabricaram só 8 doses e se utilizaram duas.

Muito jargão científico? Pronto, é só para não estar na ignorância quando me tocar a vez. Tarrenego.

 - Fontes: estaesta, e esta, além da Wiki -

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(*) ou 'antigénio'




sábado, 9 de agosto de 2014

Memórias: os livros de História da Hachette



Devo (entre muitas outras coisas) à minha tia preferida ter-me revelado as maravilhas da História num manual escolar francês (ela era profundamente francófila) da Hachette, dos autores F. Durif e P. Labal.

A paginação soberba, inovadora

Era um livro magnífico, o manual para a 'classe de 6eme' de 1964, encadernado em capa dura acetinada (já por si um regalo) e que ao folhear transmitia aos dedos um toque aveludado de papel impresso que nunca voltei a sentir noutros livros. E um odor a tinta muito particular...

As ilustrações - sobretudo os desenhos e esquemas, que agora se chamam 'infografias' - eram um deslumbre: as casas romanas vistas por dentro, o Fórum, o exército romano...  O texto, empolgante, estimulava a imaginação.


Sim, este volume era dedicado à História de Roma, e de tal modo seduzia pela forma e pelo texto que o devo ter lido dezenas de vezes. Ainda está aqui preciosamente guardado, pouco acima do sítio de onde escrevo.

Nada que se pareça com as aulas de História no Liceu, chatérrimas, discursivas, e com um manual árido que quase só falava dos nossos feitos e heróis descobridores, os padrões em África, as vitórias sobre os indígenas e outras secas.

Páginas duplas sobre arte, aqui a abóbada romana.

Entretanto, fascinado, corri alfarrabistas e mais tarde a internet para arranjar outros volumes, e lá consegui - 6eme, 5eme, 4eme, 3eme. Havia páginas sublimes, como as seis (6 ! ) dedicadas à pintura holandesa, coisa nunca vista por cá. Continuaram assim até ao fim dos anos 70.

6, 5, 4
Páginas do Hachette de 6eme sobre o Egipto

Foi com desgosto que constatei que depois, já há muitos anos, a Geografia passou a estar incluída, partilhando metade do manual e dando cabo da sedução. É uma completa idiotice, essa mania recente de História e Geografia serem uma espécie de disciplina única que partilham horário lectivo.
Basta olhar para o aproveitamento - notas muito altas a Geografia, muito baixas a História - para se perceber qual era a intenção: de facto a Geografia é uma área de conhecimento fácil, dada às 'novas pedagogias', quase só descritiva e memorizável, enquanto a História é bem difícil, exige raciocínio, entendimento apurado, capacidade de análise e de reflexão.

E, apesar do que disse acima, também os Hachette falavam de Portugal, de forma bem mais arejada, assim:
A perspectiva diferente - que os portugueses mais não faziam (mais não queriam) que tomar o lugar dos árabes nas rotas de comércio. Não conseguindo fechar o Mediterrâneo, tomam Ormuz para fechar o Golfo Pérsico. Mas a cadeia de portos de apoio desde Lisboa a Macau era demasiado extensa e começou a ser desmantelada pelos rivais...