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sábado, 21 de setembro de 2019

Não há que ter medo para já. E depois?


Cada vez tenho menos certezas. Este texto é só um desabafo. Posso bem estar errado; mas anda por aí tanto disparate cheio de convicção...

Estão ainda vivos muitos dos que viveram ou têm profunda consciência do que foram as guerras, a tentativa Nazi e o fracasso Comunista. Com essa imensa sabedoria que ainda neles vive, não é simplesmente possível que se instale uma ditadura na Europa. Não me afligem 'extremas direitas' que são apenas direitas radicais, pífias ainda, sem milícias nem delírios de grande Império, sem força institucional. De ideologia, nada que se pareça com um programa nacionalista-imperialista radical - só a rejeição da imigração em massa. É mau, mas é inconsequente; nenhum povo europeu os deixará ir mais além da berraria.

Como sempre acontece, um regime 'mau' só vence se o regime 'bom' se tiver mostrado incapaz. Quando esta memória dos seniores que se traduz num apego radical e visceral à democracia tiver passado, dentro de digamos vinte ou trinta anos, quando ninguém se lembrar de guerras, ditaduras e genocídios a não ser pelo que vem nos livros (não chega), quando os jovens pensarem que uma ditadura pode ser boa se combater a poluição, então as coisas podem voltar a tornar-se verdadeiramente perigosas, mais ainda se a democracia continuar a ser incapaz. Então é que será preciso que os media e todos os democratas gritem "Lobo! Lobo!". Mas os que já o fazem agora prestam um mau serviço; criam um medo paranóico de coisa nenhuma que torna as pessoas infelizes e frustradas, e algumas, sim, desejosas de que alguém ponha ordem nisto. É esse medo do apocalipse que pode estragar tudo o que parece seguro e estável. Detesto, com repugnância, este jornalismo de catástrofe.

Quanto a alterações climáticas: que o clima está a mudar, sim, pois está, e sempre esteve, é por natureza mutável. A humanidade está a acelerar e a influir no sentido da mudança ? Não sei, não me parece nada provado, mas mesmo aceitando que está, também isso é um processo natural: qualquer espécie que se torne dominante de forma excessiva e descontrolada no planeta com certeza vai provocar múltiplas alterações, vegetais e animais, formas de contaminação, extinção de espécies concorrentes. É um processo, ele próprio, natural, que faz parte das possíveis evoluções planetárias. É um processo inevitávelmente desigual, que afecta mais umas regiões que outras, que não evolui de forma linear mas de forma caótica.

Acho bem que a humanidade tente diminuir a sua 'pegada ecológica', sem precipatações e alarmismo, paulatinamente. Conseguirá talvez abrandar os seus efeitos, mas nunca inverter a tendência. A evolução em curso, seja de aquecimento ou outra, irá sempre prosseguir, e a única medida eficaz é preparamo-nos em vez de andar só a investir contra moínhos. Deixar de poluir com plásticos é uma medida urgente e óbvia, porque podemos desde já implementar alternativas e métodos de limpeza. Plantar florestas é uma medida urgente e óbvia, porque está ao nosso alcance, é barato, não condiciona ou prejudica o nosso modo de vida, a nossa saúde e o nosso conforto. Aumentar e melhorar o transporte ferroviário é também uma boa opção, mas de efeitos a longo prazo. Já a paranóia dos combustíveis e da carne não só não me merece a mínima adesão, como até me parece um disparate ineficaz. Uma das grandes mentiras do discurso energético 'politicamente correcto', verde e de esquerda, é a treta das energias limpas: não as há, a não ser moínhos ou açudes. Para limpar aqui, vamos sujar ali. E é estúpido demonizar a alimentação mais facilmente disponível para os povos pobres (carne e peixe) : as frutas e vegetais é que são difíceis de obter nessas regiões de aridez ou gelo. E por cá, sempre associei a dieta batatas-e-couves (o caldinho) a alimentação pobre como era no estado salazarista. Se o tempo e a qualidade de vida melhorou nos países desenvolvidos, foi em parte por uma alimentação mais rica e variada; vamos impedir o acesso a esse bem ao terceiro mundo? e às gerações futuras ?
[não falo dos excessos, claro; são... excessos.]

O medo paranóico da 'catástrofe ecológica' não faz sentido, não é para as próximas décadas, mas é uma detestável fonte de lucro para literatura, cinema e mass media que várias empresas (Hollywood, Fox e outras TV, editoras livreiras, indústria de baterias e automóvel...) exploram exaustivamente. Contagiou a ONU e muitos jovens, sempre sensíveis a causas. É urgente des-alarmar, e isso caberia a cientistas sérios e bem informados. Porque deixam andar esta maluqueira ? Porque não vejo publicados estudos e propostas sérias sobre a gestão da crise climática? Bom senso em medidas imediatamente benéficas, em vez de investimento massiço em medidas de eficácia duvidosa que trazem grandes lucros a outros (ou aos mesmos).

A geração mais idosa deve velar pela democracia e pela moderação, pela paz e pela qualidade de vida, que continua a querer estender a mais regiões. É o falhanço desta atitude que pode assustar: não me parece que a geração seguinte mereça confiança. Pelo menos, vota mal, já se viu.

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P.S. já agora, depois do discurso da criança Greta ouvido e venerado como se fosse um oráculo ou uma vidente, ainda mais irritado estou. A chantagem de uma miúda rezingona e choramingas erigida em heroína, a violência com que ela anuncia o fim catastrófico do planeta, se não fosse bem recebida pelos media, seria apenas risível, grotesco mesmo, como qualquer bruxo fazendo profecias. O trágico mesmo é a complacência, não, a terna adulação de um Guterres a um caso evidente de aldrabice profética... infantil. 


domingo, 23 de setembro de 2018

Porque vou deixar de viajar de avião


Os aeroportos tornaram-se lugares de horror, o verdadeiro abominável 'mundo novo' em todo o seu esplendor de inferno. E isto desde que, claro, vieram as low cost. Massificar é estragar, já se sabe - as coisas melhores são as que só estão ao alcance de alguns. Sempre será assim.

Ainda me lembro da expectativa alegre de voar numa companhia nacional - Swissair, British Airways, KLM, Alitalia - quando a chegada ao aeroporto marcava o início da aventura. "Já me sinto em férias", pensava, e dizia, mal tinha o check-in feito e me encontrava naquele lugar de fantasias e ilusões. Não havia multidão? Havia, sim, gente de todos os cantos do mundo, com as suas pastas, malas cheias de autocolantes, vestes exóticas. O que não havia era aflição, atropelos, angústia, bruteza; receio de não chegar a tempo, de que o voo não partisse, de que a porta de entrada estivesse a meia hora a pé, angústia de não poder fumar nas próximas oito ou dez horas, daquele bruáuá, daquela iluminação excessiva, daquela clausura. Não se passava as horrendas, feias máquinas que devassam as nossas malas para logo desaguar em infinitos zig-zagues de corredores de duty-free, uma visão de inferno na forma do consumismo mais inútil, supérfluo, feio, idiota, gigantesco. E depois, corredores infindáveis de lojas e luzes e montras e balcões e assentos para comprar e comer, comer e comprar - tudo o que há de pior !


Dezenas de fast-food e cervejarias onde qualquer coisa com batata frita e ketchup é servida às centenas; dezenas de montras super-iluminadas de relógios que já poucos compram, malas, malinhas e maletas, camisas e fatos, sempre alternando com mais um balcão de pizza, seguido de joalharia, telemóveis, artigos electrónicos disparatados, chocolatarias, mas isto durante quilómetros de barulho e atropelos - há gente que leva tudo à frente, elefantes com trolley - e ainda as vozes no altifalante a dar notícias de partidas e voos cancelados, greves, pessoas em falta na porta de embarque, alterações no número da porta, 'não deixe as suas bagagens abandonadas', e não há um cantinho onde me sentar em repouso ! Talvez umas quatro cadeiras, sempre ocupadas, de resto só me posso sentar para comer ou beber. É um imenso shopping, mas obrigatório, imposto, aberrante, alucinado, quando este meu desgraçado ser só anseia por levantar voo. Não há já fantasia nem sonho que resistam, é uma via sacra sofrida até à Gate #  onde a espera pode ainda ser de horas. Para 2 ou 3 horas de voo, há outras tantas de aeroporto. Já não há rapidez no transporte aéreo. De combóio, pode-se atravessar a estação em minutos até entrar na nossa carruagem. Nos aeroportos, apresentamo-nos voluntariamente para duas ou três horas de massacre.


E há dois tipos de massacre. O 'standard', mínimo, que já descrevi, e só não existe em pequenas jóias como o aeroporto de La Rochelle, bem haja, um lugar ainda humano. E o especial, com brinde, que é o massacre do voo atrasado ou cancelado, ou da porta de embarque A1 que mudou para D23. Noutros tempos, funcionários afáveis e preocupados vinham-nos consolar e acalmar, às vezes com compensações. Agora gritam numa voz plástica, robótica.

E se isto em vez de acontecer uma vez à ida e outra à volta, acontece a meio também numa escala de voo ? Escala onde se julgava ter 2 horas para trasbordo mas o atraso reduziu a folga a 15 minutos com risco de perder o voo de ligação? E depois o próximo voo só com mais 4 horas de espera? Ou se, entrado no avião, os seus lugares estão ocupados e agora tem de se sentar lá para trás, por necessidades da companhia ? E se nas toilettes só há papel no chão - toalhetes e papel limpo já acabaram? E ainda se grama a gritaria das vendas a bordo com fantásticas promoções, as raspadinhas e tudo o mais que impeça de ao menos tirar uma soneca.


Bom, faltam as duas últimas torturas. Uma é a recolha da bagagem. Nalguns aeroportos nem funciona mal: mas em regra teremos de fazer 5 km em corrida pelos corredores à saída do avião para, chegados à sala dos tapetes rolantes com as bagagens, descobrir que o nosso é o nº 9 ( de um total de 9) e ainda falta mais um bom esticanço, e quando lá chegamos a nossa já é a única que anda ali abandonada às voltas... pois bem, ainda falta outra aventura épica: a fila para o táxi !! Sobretudo se já é de noite e chove, esta é uma sobremesa requintada. Porque para 200 pessoas em fila, eles chegam a conta-gotas, de 10 em 10 minutos. Há outros? Há, mas são muito mais caros, ou são de seriedade duvidosa. Quando, perto da uma da madrugada, chegamos ao hotel ou seja lá o que for, só queriamos estar na nossa casinha. Foram dez - dez ! - horas de viagem, só duas e meia em voo, a aventura está morta e enterrada. Vamos dormir pouco e mal, amanhã não será um novo dia como devia ser.

Não, não estou a inventar, tudo isto e pior já me aconteceu. Em Tours, em Stansted, em Hamburgo, em Copenhaga, em Bristol, em Luton... Não, isto já não é para mim, se calhar por ser velho. Tenciono só arriscar viagens de combóio ou quando muito de barco com partida da minha cidade. E mesmo assim, se tiver de usar táxi, não me livro de grande seca, porque é outro transporte que cada vez mais se parece com uma travessia do Letes. Chiça, que tormento.

Ah, a mitologia da Viagem, a magia da Viagem. Foi-se.

A ler : António Guerreiro na Estação Meteorológica:
https://www.publico.pt/2018/08/17/culturaipsilon/opiniao/low-cost-e-luta-de-classes-1840998

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Elogio do silêncio (mas não o four-thirty-three de Cage)


Vivo imerso em ruído, a poluição sonora é mais insidiosa e deprimente que a sujidade no ar ou na água. O ruído é obra do homem, claro, que só produz silêncio como rara excepção, nas catedrais e nas bibliotecas.

Imagino um planeta desabitado, pode ser há 500 000 ou daqui a 500 000 anos. Um silêncio quase absoluto, pontuado pelo canto das aves, o vento na folhagem ou a chuva que cai sobre o lago - que são formas sonoras de silêncio. Haverá ruído de longe a longe, um trovão, o ranger do glaciar na moreia, uma alcateia que uiva. São só curtos intervalos de som, nada desta permanente gritaria urbana, social, televisiva. Preciso de um silêncio assim, permanecente - ele virá um dia em definitivo, bem sei, mas preciso agora de viver com silêncio.

Calem-se, por favor. Encerrem o festival. Desliguem tudo, motores e écrans e campaínhas. Mozart só um pouquinho, de longe a longe, pianíssimo. Quero a Terra-mãe solteira de nós.

E não façam do silêncio uma forma arrogante e perniciosa de ruído, como fez John Cage com a 'obra' que quer fazer passar 4' 33'' de um nada fundamentalista como obra artística. Para lixo, já basta o barulho do dia-a-dia.

Um poema de Grace Wells:

                                  In the Museum of Silence

                                  For the full effect we encourage
                                  you first hear its opposite -
                                  in this room are the drawers of sound.

                                  Highway traffic. The demands
                                  of children. A rock festival.
                                  A prison wing.

                                  Through the double doors
                                  you'll find the hush
                                  that falls with snow.

                                  Upstairs we have replicated 
                                  the British Library
                                  and a Spanish cathedral.

                                  And the exhibition progresses
                                  you'll hear the different qualities
                                  of silence, its range of depths.

                                  Our archive has recordings
                                  from across the globe:
                                  Arctic quiet from Baffin, the scorched Sahara.

                                  We gave samples from below the ocean
                                  and from caves within the earth.
                                  And from outer space.

                                  Our final chamber is wired straight
                                  to the Himalayas. We recommend
                                  you lie downin there and listen.

                                  Visitors can sign the guestbook
                                  before they leave.

in Dark Mountain, vol. 6




segunda-feira, 1 de maio de 2017

ditadura = iliberalismo



Navegamos à vista, sem rumo, num mar aberto e livre mas junto às costas fatais da ameaça totalitária.  Acontece que estas costas sabem iludir os navegantes com verdura e nevoeiro a disfarçar negras arribas e rochedos.

Os candidatos a ditadores já aceitam ir a votos. Manobram como podem, e acima de tudo mal se vêem a controlar o Estado tornam-se absolutistas e até são tentados a nomear herdeiros. Mas continuam sempre a reclamar-se democratas, e defensores dos direitos humanos. Democracia e direitos tornaram-se a vegetação que cobre as arribas, um argumento irrecusável, consensual, mesmo que muitas vezes aberrante. A Coreia do Norte é a única excepção que se assume ditadura à antiga, férrea e tenebrosa. Os outros - Orbán da Hungria, Maduro na Venezuela, dos Santos em Angola, Erdogan na Turquia, Putin na Rússia... - são caudilhos pós-modernos, cautelosos e ardilosos, com gosto pelos media e até pelas redes sociais, apoiados num aparelho de Estado com poderes excessivos que lhes garante eleições (e referendos) favoráveis.

Não, ir a votos já não basta para ser democrata. É preciso que o Estado continue limitado nos seus poderes, e que haja fortes contra-poderes: oposição livre e vigorosa, tribunais independentes, economia de mercado. É preciso, e cá chegamos, que haja LIberalismo !

Pois. Orbán disse, e com razão, que a Hungria é uma Democracia iliberal. Democracia agora dá para tudo - Trump e LePen são democratas, tal como Putin e o premier chinês Li Keqiang. Não são é Liberais, são chefes de um Estado absolutista, nacionalizador, não dão espaço de liberdade para a sociedade civil. O Liberalismo é actualmente a única alternativa à novi-Ditadura. Ser anti-liberal é nacionalizar, ter a oposição e os media sob controle, reforçar o poderio do exército - e isso é uma Ditadura.

Há evidentemente uma culpa da "extrema-esquerda" nisto tudo. Clamando contra o liberalismo, o Imperialismo, a Globalização e a soberania Europeia, abrem campo às ditaduras todas, aos "fascismos" de esquerda ou de direita, disfarçados ou assumidos. LePen é filha de Robert Hue e de Mélanchon. Trump está grato às esquerdices de Clinton e Sanders; o  Bloco de Esquerda admira Chávez e Mélanchon; o PC de Jerónimo Sousa admira a Coreia do Norte e até a Rússia, o contrapeso anti-democrático e estratégico que ainda lhes dá esperança.

Que viva o Liberalismo, digo eu, regulado, claro, com um Estado Social decente, mas liberalismo sério - como nos paises escandinavos, na Áustria, no Canadá, na Nova Zelândia.

E se a direita radical (que não é "extrema-direita")  ameaça agora as democracias liberais europeias, não esqueçamos a ameaça que foi durante décadas a esquerda radical, sempre à espreita do momento certo para o seu terrorismo anti-liberal, anti-globalização, anti-europeu. O alerta em mar costeiro é para as várias falésias negras do rochoso litoral.



Disso sei eu, por lá andei.


domingo, 26 de fevereiro de 2017

Califado kaput


Pensei que ia festejar a "limpeza" de Mosul, como se fosse possível uma guerra limpa. O número de vítimas civis é assustador.

Sem festa, sem alegria, sinto ainda assim uma alívio pelo desaparecimento do pesadelo 'daesh', apesar de tudo é uma vitória das forças democráticas (+ ou - ) e civilizadas (- ou + ). Oh, que maldita realidade esta tão pouco maniqueísta, em que os bons são tão maus, sem que os maus tenham nada de bondade.

Vejamos o lado positivo. Não me parece que haja espaço para nascer outra organização islamista deste calibre. Não vai haver quem queira ser "califa no lugar do califa" (René Goscinny, Iznogoud). Os sunitas radicais vão ficar incapacitados por longos anos, e tirando talvez ataques talibãs no Paquistão, o terrorismo islâmico vai decrescer. Se algum perigo está a espreita, vem da possível mas improvável coligação Irão-Rússia-(Turquia), tão incoerente que até custa a acreditar.

No lado de 'cá', Trump e LePen são a paranóia que se segue. A União Europeia até tem uma boa oportunidade de ganhar peso político, financeiro e negocial, assim queiram os países mediterrânicos e nórdicos aliar-se entre si sob liderança alemã, que remédio. Assim queira a liderança alemã desvalorizar ainda mais o euro e promover o federalismo. Com entusiasmo. É contra a corrente que se deve fazer o maior esforço, não é ? Se prevalecerem os nacionalismos, como parece ser o caso do Reino Unido e França, adeus Europa. É o que querem os extremos, tanto à direita como à esquerda.


Bom. Morra o ISIS, morra, Pim !
Celebração cumprida.



segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

I don't believe / Não acredito


John Lennon:

I don't believe in Bible
I don't believe in Tarot
I don't believe in Hitler
I don't believe in Jesus
I don't believe in Kennedy
I don't believe in Buddha
I don't believe in Mantra
I don't believe in Gita
I don't believe in Yoga
I don't believe in Kings
...

Sábio Lennon ! (esqueceu-se do Corão, contudo).
Mas a lista tem crescido muito.
Eu...

Não acredito no Facebook
Não acredito no Twitter
Nao acredito no Youtube
Não acredito em Hollywood
Não acredito na CNN
Não acredito no Guardian
Não acredito no Le Monde
Não acredito no Público
Não acredito em ONGs
Não acredito no Papa
Não acredito no FBI
Não acredito no Assange
Não acredito no Michael Moore
Não acredito em Putin
Não acredito em Trump
...


sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Que as imposturas de 2016 morram em 2017


Este título é copiado do editorial de Franz-Olivier Giesbert no Le Point de 29 de Dezembro.

Em vários pontos, Giesbert elenca exemplos de manipulação da opinião pública, cada vez mais assustadora. Ao contrário de muitos, eu não receio o que se veicula nas redes sociais, as patranhas que seja quem for aí pode colocar. Quem tiver dois dedos de testa não frequenta esses sítios, ou então percebe ou desconfia logo da vigarice, e se esta se propaga é desmentida a curto prazo.

O que me assusta mesmo são os media de grande alcance público, mesmo os prestigiados, em que se acredita porque quem escreve são jornalistas e jornalista é uma profissão digna de crédito. Ora bem: não é. É preciso, é urgente, desconfiar dos jornais e ainda mais da TV, seja pública ou privada, tablóide ou "séria". Sem precisar de muita perspicácia, dou conta com frequência de pequenas aldrabices ou trapalhadas - números que não dão certo com o que se diz, adjectivos que distorcem a verdade num sentido ou noutro, destaques disparatados, ênfase no acessório, e tanta coisa importante que não é noticiada. Os debates que costumam seguir-se são uma perfeita anedota. Nos três canais nacionais, há ainda outra pecha (menor) - o atropelo constante da gramática - ortografia e sintaxe - quer pelos pivots, quer pelos inúmeros e impreparados repórteres in loco.


O mais grave é o enviesamento, ou seja, a forma tendenciosa como a notícia é dada. Giesbert identifica sete, mas não sei se serão sequer as piores imposturas. Por exemplo, o conflito sírio completamente distorcido (nunca ouvi os pershmerga !); Obama, que não foi de todo o grande presidente que se propagandeia - vaidoso, passivo, inábil e contemporizador, um inútil bem-falante; Erdogan, que foi desde sempre (e não de agora) inimigo da Europa e carrasco da oposição; e em geral o Mundo, que não está nada a bater no fundo, como reza a imprensa miserabilista criadora de falsas aparências, mas pelo contrário - o "progresso" continua a fazer o seu caminho, por mais que o tentem desacreditar. A pobreza recua (em 1990 uma pessoa em cada duas vivia abaixo do limite de pobreza extrema; agora são 14%); o analfabetismo está em vias de extinção, a tirania já é um fenómeno local de pequenos países, a abundância de alimentos e água contraria as previsões de fome e penúria ... e a qualidade de vida urbana tem melhorado significativamente, basta lembrar como eram as grandes e médias cidades há um século, sujas, poluídas, escuras, perigosas (à noite sobretudo), cercadas de bairros miseráveis. Claro que há um século não havia cobertura diária e ao vivo dos assaltos e crimes.

Outra enorme impostura são as "médias" e projecções de base estatística. As "médias" são quase sempre mal noticiadas como se fossem fiéis evidências, outras vezes de forma disparatadas - "uma média entre 3 e 5 óbitos por semana"- ou grotescamente errada - "a maioria dos rendimentos estão abaixo da média". Por exemplo, dizer-se de uma país maior que Andorra que o crescimento é X e subiu 0,1 é uma inutilidade enganosa. Espanha ou França, para não ir mais longe, podem ter variações regionais de crescimento de -1 a 6%, por exemplo. Na Rússia, na China, as diferenças são ainda mais extremas. E que é 0,1 senão zero, para mais com o erro intrínseco da medida ? As sondagens, já se sabe, são encomendadas para dar o que o encomendante quer, dentro de um erro à volta de 5% pelo menos. Porque é que "órgãos de informação" alinham nessa fantochada ? As sondagens reflectem a opinião dos-que-respondem-a-sondagens, ou nem isso - muitos divertem-se a mentir.

Giesbert termina com uma adequada citação de Shakespeare, comparando o noticiário actual a uma "tale told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing."

Não sou tolo ao ponto de achar que tudo vai bem no melhor dos mundos. Há as incómodas assimetrias, que outra mentira (a multinacional Oxfam é uma fábrica de intrujice) nos faz acreditar estarem a aumentar - não estão; mas no mundo dos homens, esses que já se combatem e matam sem parar há mais de 1 milhão de anos, desde que se puseram a andar de pé, esse ser fracote e quase irrelevante, capaz de bondade e maldade mas sempre à procura de melhor, não se pode ter expectativas demasiado optimistas; há que reconhecer, isso sim, um lento, muito lento, progresso.


Seria uma ajuda se a impostura mediática recuasse em 2017.


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P.S. Não tenho ilusões: o 'Le Point' também faz parte dessa máquina de mentira mediática.



sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Programações: Casa da Música vs. Auditório Príncipe Filipe de Oviedo


É "bater no ceguinho", eu sei, mas só mais uma vez. Um pouco de azedume para temperar a quadra da boa vontade.
Oviedo não é o Porto, e o Auditório Príncipe Filipe (muito muito feio, por acaso, alguém ouviu falar dele ?) não é a Casa da Música.

Feio por fora...

...mais bonito por dentro. Veio substituir o Teatro Campoamor, de fraca acústica para concertos.

Mas o que é que o APF oferece aos asturianos - e já agora, a mim que moro a 4 horas de viagem ?

Vejamos: ao melhor que a Casa da Música terá (Sokolov), adiciona-se muito mais que a CdM não tem ! No ano supostamente Inglês, Oviedo recebe a orquestra Hallé de Manchester - nós não ...

Começo por um cheirinho de 2016: houve
- Mitsuko Uchida, com a Mahler Chamber Orchestra
- Wayne Marshall com a Orquesta Sinfónica da Radio de Colónia
- Fazil Say com a Camerata Salzburg
- Martin Fröst com a Orquesta de Cámara Sueca, dir. Thomas 
  Dausgaard

Só até aqui já vão 4 boas orquestras de fora. Na CdM nem uma só.

- Magdalena Kožená, ena!, com a La Cetra Barockorchester Basel,
  dir. Andrea Marcon (obras de Monteverdi).
- Filarmónica della Scala de Milán, dir. Myung-whun Chung
   (Mahler, Mozart)
- o excelente Dunedín Consort de Edimburgo: Mozart: Vesperae   
  Solennes de Confessore, Requiem.
- Récita com Bryan Terfel

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E então agora para 2017 ?
Depois de Sokolov (Fevereiro) vem Argerich (Março) com a orquestra Kremerata Baltica de Gidon Kremer, e segue-se (!!) Cecilia Bartoli (ac. piano); e depois

Abril
- Coro de Windsbach, Akademie für Alte Musik de Berlín 
   Nuria Rial
   Bach, missa em si menor BWV232
- Orquesta Hallé de Manchester, dir. Mark Elder
   Elgar, Wagner

Maio
BBC Philharmonic Orchestra

Junho,  'Clausura de temporada''
Joyce DiDonato, Il Pomo D'Oro, dir. Maxim Emelyanychev.
'Em guerra e paz': selecção de árias barrocas de Monteverdi, Purcell, Händel, Jommelli, entre outros. Lá estarei (?).

Até a Joyce !! Nem à Gulbenkian ela vai ! Em Junho, espero conseguir viajar para as Astúrias ...

Em resumo: numa pequena cidade regional como Oviedo, a programação inclui orquestras europeias e grandes solistas, ao nível da programação de Lisboa, nossa capital. No Porto, com a 'grandiosa', 'mundialmente famosa', 'icónica' Casa da Música, (quase) só temos direito à orquestra e prata da casa, e uma programação débil. Apetece-me dizer, por uma vez, perdoem o desabafo: grande merda.

A casa só tem fachada.
Porque não aproveita ao menos as tournées que passam por perto ?

E acresce que o Teatro Campoamor, onde se entregam os prémios Príncipe das Astúrias, mantém uma regular temporada de Ópera !! Tivesse Oviedo um bom aeroporto internacional...


domingo, 11 de dezembro de 2016

Manon Lescaut na ROH Covent Garden: infelizmente muito execrável.


Aproveitei ir a Londres para ir à ROH Covent Garden assistir a uma récita de Manon Lescaut, a primeira ópera de Puccini, que nunca antes tinha visto. O intenso romantismo da ópera era também adequado à visita, e a direcção de Pappano uma mais-valia.


Algumas críticas davam um "razoável" (3 estrelas) a esta produção:
Não. É lixo.

Certamente poucos leitores estarão interessados no que eu possa dizer sobre a récita, o que se segue é quase só um desabafo, para que conste.

Nenhuma intenção de thought provoking, como eles dizem, justifica uma opção que destrói a obra. Não desconstrói , não: destrói, e tortura. Porque ópera é música com texto cantado num cenário, esse todo tem de ser coerente e compatível. Não faz sentido que as palavras que se cantam não tenham nada a ver, ou estejam em contradição mesmo como neste caso, com o vestuário e o espaço visual que está em redor. Que quando se diz 'alegria' se veja tristeza e depravação, que quando se fala de ver 'luz do sol' se esteja fechado em espaço obscuro, que quando se diz 'deserto' se vejam à volta construções e objectos, que do piloto de barco se faça um pivot de concurso TV. Mais do que provocador, é idiota, pura e simplesmente idiota.

Sondra Radvanovsky na luxuosa alcova, aqui com Aleksandrs Antonenko, que foi substituído à última hora por outro tenor que já esqueci.


Dizem: mas a soprano Sondra Radvanovsky cantou bem. Terá cantado afinada, terá uns agudos limpos, técnica bem oleada, timbre agradável. Mas não pode cantar como deve ser - com sentimento, com expressão - se o texto é desdito pelo contexto ! Não pode estar a 'sentir' as palavras como um bom actor. Nem sequer a Manon pode ser bela, pode ser desejada e amada, se o que transmite é fealdade num cenário de repulsa. Suponho que outra - Didonato, Fleming, Gheorghiu ou até Netrebko - não se sujeitaria a tão maus tratos.

Porque não é o Des Grieux tratado da mesma forma então - um jovem engatatão ordinário e mal educado, talvez a gingar uns hip-hops já agora ? Aaaah! Porque aqui há uma opção moral, um enviesamento: A Manon trata-se pejorativamente, é condenável, não ama; mas o estudante, esse é puro e inocente !

Que nojo, que desonestidade, que maniqueísmo de pacotilha. Mesmo não sendo a sua melhor obra, Puccini não merece isto, nem a sua linda Manon que ele justamente evita julgar! Uma encenação menos modernaça e mais romântica como o verismo exige poderia dar outra dimensão de beleza que valorizasse texto, canto e música, em vez de os aniquilar.
O que é aquilo ? Apocalipse pós-nuclear ? Não: o deserto onde Manon Lescaut morre à sede. Sondra tem de cantar rastejando no cimento. Que romântico.


Sai de lá fulo. Não se faz. Pós-cultos. Neo-provincianos.

Para desenjoar, numa produção digna, coerente e muuuito bem cantada por Kristine Opolais, a ária In Quelle Trine Morbide:



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Ler mais:
Fanáticos da Ópera também fez a sua apreciação.


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Visita a Joan Miró em Serralves, † BPN


Depois da romaria inicial, pude enfim ir à Casa de Serralves ver as obras de Miró da colecção do ex-BPN que pelos tortuosos acasos da vida ficaram - parece - ao cuidado da autarquia do Porto. Provavelmente teremos estar gratos a um enorme conjunto concorrente de circunstâncias - ambição e falência do BPN, Christie's, Estado português, Parvalorem, Rui Moreira, e sei lá quem mais. Fico baralhado, mas tamanha confusão ao fim e a cabo produziu algo que me apraz saudar: obras de Arte do grande Joan Miró na geralmente tacanha e provinciana cidadezita onde moro. Vivam as trapalhadas, então.


Lá em cima , 'Toile brûlée',1973

Não é uma colecção, já se sabe; o BPN, com a mania das grandezas associada à má gestão, adquiriu entre 2000 e 2006 um "fundo de stock", talvez para abrir um museu BPN em Portugal. A sorte (para mim) é que inclui obras do melhor período de Miró.

A abrir:

' Tête', 1937


Uma das mais notáveis é esta obra, utilizada no folheto e na publicidade:

'Le chant des Oiseaux à l'Automne', 1937

'Personnage et étoiles dans la nuit', 1965, vale milhões.

'Peinture', de 1936, outra que vale milhões. Gosto, mas pouco.

'Personnage et oiseaux', 1965. Adoro. O traço a sobrepor-se às manchas de côr numa dinâmica de fantasia, quase bailado.

e o meu favorito:

' Signes et figurations', 1935



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Que balanço? As melhores safras são dos anos 30 e dos anos 60. Cinco ou seis magníficas obras de arte que felizmente cá ficaram, o resto bem se podia ter vendido.

Agora, os toques de vinagre.

O tão gabado trabalho do Siza parece, como quase sempre, de uma grande vulgaridade. Tapou as janelas com cortinas, óbvio, e mandou fabricar uns painéis, olha a grande coisa, não ia estragar as paredes. É que não se vê mesmo que pudesse ser de outra forma. Mesmo assim, há salas onde os reflexos são de mais e a luz de menos.

Uma irritação, grrrrr, aliás duas: essa coisa de "os Mirós", por favor, que tuga. Alguém diz os Paulas Regos ? os Miguel Ângelos? os Rafaeis? os Da Vincis ? falámos de quê, da família? Se querem abreviar, é os Miró.

Pior, sim ainda piorrrr, é a história do 'catalão'. Miró é um pintor ESPANHOL, essa é a sua nacionalidade de facto, àgora catalão. Ou vamos dizer o beirão Cargaleiro, o sãotomense Almada Negreiros? Hergé, autor de BD valão ? Brel, chanteur flammand?

diz a Wikipedia: 
Joan Miró i Ferrà (...) was a Spanish painter, sculptor, and ceramicist born in Barcelona.
Joan Miró i Ferrà  (...) fue un pintor, escultor, grabador y ceramista español.

e muito bem

O artigo do Expresso é particularmente irritante nestas calinadas, tanto mais que o autor, Celso Martins, nitidamente enviesado, salienta duas obras sem interesse nenhum e nem refere as mais notáveis, desvalorizando o conjunto que preferia ter sido vendido. Enfim. Não vai ficar em Lisboa.

'Personnages dans la nuit', 1968

Catálogo aqui.



quinta-feira, 7 de abril de 2016

Parem, parem enquanto é tempo !
[Les vols Paris-Téhéran et autres]


Alguns factos da capitulação europeia:

1 - A 16 de Março, num jantar de estudantes da conhecida London School of Economics, havia mesas separadas: uma para rapazes, outra para raparigas, as mesas isoladas por uma painel gigante que impedia a vista de uma para a outra. Havia estudantes muçulmanos no grupo.

2 - Em Agosto de 2015, o trabalhista Jeremy Corbyn propôs carruagens de metro separadas só para mulheres. Agora, uma companhia de combóios alemã anuncia que terá carruagens reservadas para mulheres.

3 - Também na Alemanha, três faculdades viram-se obrigadas a encerrar as suas salas de oração (também para que é que as têm ?) porque muçulmanos radicais obrigavam à segregaçao entre homens e mulheres.

4 - Numa escola de Basileia, Suíça, dois alunos muçulmanos recusaram cumprimentar a professora com um aperto de mão, como todos os outros, à entrada da sala - hábito escolar generalizado no país. A direcção da Escola, receosa do crime de "exclusão", aceitou a excepão para os dois figurões, que se ficaram a rir. A autarca local está contra, e vai tentar ganhar o processo.

5 - A direcção da Air France impôs, nos novos voos para Teerão a partir de 17 de Abril, que o vestuário feminino seja calça preta e casaco amplos (folgados), e ainda lenço islâmico assim que saiam do avião. Lá se vai a alta costura e Yves Saint Laurent, sacrificados a burkinis e hijabs.



Entretanto, a Air France 'cedeu': só vai nos voos para Teerão quem quiser. Ah ah.

6 - A economia muçulmana vive um enorme crescimento com a importação para a Europa da sua unicamente admissível 'carne halal': só para França, são entre 5,5 e 7 milhares de milhões de euros por ano em importações 'halal' !
[Le Figaro, 4-4-2016]

Pois eu tinha três sugestõezinhas para reduzir a imigração muçulmana e diminuir as comunidades islâmicas na Europa para dimensões aceitáveis.

    Um, proibia lenços islâmicos, chadors  e gurkas, a sua venda e a sua
    importação.
    Dois, proibia qualquer tipo de segregação ou discriminação, fosse onde fosse,
    entre homens e mulheres, e em particular nas mesquitas.
    Três, embargava totalmente a carne ´halal´ e proibia a sua venda. Não falta
    peixe para fundamentalistas.

E se quisesse ser MESMO mauzinho, ainda obrigava a que todos os WC públicos (incluindo hotéis) passasem a ser unisexo. E os vestiários das lojas.

Sempre foi assim: quem pede asilo em casa alheia é que tem que se habituar aos costumes da casa. E se é exigido lenço na cabeça para os voos Paris-Teerão, a Air France, que  ainda é parte da República Francesa, devia dizer: ah bon ? Pas de jupes, pas de vols, alors ! Et vos chadors précieux, mettez-les où mieux vous plaira. Y'a plein d'autres destinées de vol.


Isso sim, seria promover a honra da República, e não a submissão aos negócios.


terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Comidinha portuguesa, aarrgh, Giles Coren dixit


Arrisco o prestígio deste meu Livro com um post traidor à pátria, snob e xenófilo. Mas enfim, é um assunto rasteirinho, embora haja quem chame a isto 'cultura'.
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Eu gosto da nossa comidinha, entenda-se, em particular se feita cá em casa ;D. Mas há tanta vigarice nas tasquinhas de comida caseira, nas tabernas de petiscos, nas lojas de sabores da aldeia e outras tretas, que bem entendo o desgosto enjoado de Giles Coren ao rever para o Times um restaurante português que abriu em Londres, no renovado mercado de Spitalfields, sob o nome "Taberna do Mercado"; bastamente elogiado, claro, pelos que lá procuram chouriço e sardinha em lata com vinho tinto, ou migas de bacalhau.

A grande maioria da produção nacional de enchidos é uma valente porcaria, que só faz mal e tem excesso de tempero para esconder a pobreza de sabor. Quando é esturricado na brasa, faz o dobro do mal e sabe a chiclé ... esturricado.


Outra gabarolice pacóvia é o "cozido à portuguesa" - sabe bem uma vez por ano, se a matéria prima for toda de primeira qualidade; mas de culinária aquilo tem nada, zero - é só meter tudo a cozer em água. É a coisa mais bruta e primitiva que se pode cozinhar; tira a fome, claro, até de mais, mas se isso é "cuisine" vou ali e já venho.

Está na moda usar conservas enlatadas como requintado pitéu - basta acompanhar de verduras ou fruta que componham um prato bonito. Outra aldrabice. As conservas de peixe são muito saudáveis, têm Omega 3 e tudo, mas de sabor estamos conversados, é sucedâneo industrial onde o gosto do peixinho fresco foi completamente destruído - sabe tudo sempre ao mesmo, a conserva, inundado de azeite fracote. Ora bolas. Menus assim dão cabo da imagem da nossa gastronomia.


E os rissóis ? De marisco ou de carne, na maioria dos casos também oleosos e recheados de uma mistela não identificável, uma pasta de corantes, gordura, farinha e temperos com aroma de qualquer coisa. Execrável - excepto se feitos em casa.

No Times de 4 de Julho, Giles Coren indignou-se justamente com estes petiscos que lhe foram servidos. Porque nos faz bem ouvir o que outros pensam sobre nós, o que lhes desagrada em nós, sem estarmos sempre a olhar para o umbigo, aaah! como somos criativos, afáveis e... cultos ( - os chocalhos ! -).

Excertos:

We began with a prawn rissole «snack» that was two small, hard slippers containing a foul brown fishy effluvium. Like sewage leaking from an ornamental clog.

Ah ah, "foul brown fishy effluvium" é muito bem dito ! So much para o rissol.

This was followed by «chouriço vinho tinto«, which is fried Portuguese chorizo deglazed with red wine. Now, I don’t know what Portuguese chorizo is meant to be like. But if it’s meant to be tougher than the Spanish stuff, cooked pretty much to black, chewy as a fingernail and without much flavour, then this was bang on the money.

So much para o chouriço assado também, pastilha elástica insípida e esturricada. Como conheço bem o estilo. Abunda no circuito low-cost food.

Next up, «tinned fish». The result: vileness unbound. Tiny scallops had given up all the sweetness and bounce of their raw state without taking on the exotic golden frazzle they get when cooked, resulting in chewy snot gobbets in a tin.


'Tranches de borracha ranhosa' ! :D :D , essa também está muito boa, sr. Coren. É isso mesmo. Looks disgusting.

«Bisaro pork tartare, cozido broth, cabbage» was a dismal mess of ground flesh in salty water.»

Outro menu-da-treta que também abunda em tasquinhas e bistrôs, o porco bísaro. Aaargh. Só o molho dá vómitos.

Depois serviram a Coren uma sanduíche soberba, parece que será o melhor da casa, ah ah. E finalmente

For pudding they brought out the famous «pão de ló», which is a sort of uncooked soufflé in greaseproof paper in a baking tin. It’s like a delicious sweet orange soup with partly baked bits around the edges that fall into the wetness like dumplings.

Ora o dito pão de ló, se for de Ovar e bem feito, é mesmo muito bom. Ou era coisa importada, de prazo talvez já passado, ou era (mal) feito localmente. Não me faltam experiências dessas, de sobremesas que são especialidades caseiras e vai-se a ver...

Não fui nem irei ao português de Spitalfields, mas o testemunho do sr. Coren parece-me totalmente credível. Não se inventam por malvadez detalhes tão condizentes com o que é frequente encontrar aqui por perto.

Dear Sir, aquilo que lhe foi servido não é boa comida portuguesa.



sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Lamento, mas não gosto de Boulez


Tenho para mim que os séculos XVIII-XIX , estendendo-se ao final do XVII e ao início do XX, foram os anos de ouro da Música. Uns 99% do que mais gosto estão nesse intervalo de tempo. Obras geniais de compositores que dedicavam a sua vida quase exclusivamente a compôr, obra após obra, por vezes às centenas, e tinham um saber e um toque 'divino' que lhes permitia alcançar um nível de criação que não voltou a estar presente até hoje, ao contrário do que sucede por exemplo na pintura.

Sucederam-se no séc. XX técnicos politizados que queriam à força renovar, fazer história, rejeitando as formas tradicionais; fabricavam coisas geralmente feias e estéreis, que ilustravam o desencanto, o desespero e o horror de um período de guerras e genocídios, alternando com a vida cinzenta do meio industrial mais inumano. A atonalidade como sistema nunca deu ao mundo nada de génio. A electrónica pura e dura ainda menos. A pintura conseguiu dar continuidade ao génio em novas abordagens visuais; a música não.

Curiosamente, foi da juventude rebelde com conhecimentos mínimos de música, baseada em tradições de folclore ou música popular urbana, que surgiu uma lufada fresca de criatividade: foram os 'anos de ouro' 60 e 70 no Reino Unido e nos Estados Unidos. Melodias, arranjos, ritmos, formas, instrumentos, estruturas, tudo surpreendeu pela novidade e por autêntico vigor criativo, por vezes prolífico. Mas, claro, o tal "toque divino" continuou ausente.

Por tudo isto sinto-me compelido a fazer uma espécie de disclaimer, uma declaração de rejeição que marque a minha antipatia por uma música dita "erudita" onde não encontro nem chama de génio, nem sensibilidade ao belo, nem nada que se aproxime de uma superior alma criadora transcendente do comum humano. Música que infelizmente teima em contaminar a programação das salas de concerto, numa mania educativa que é um apologia voluntarista de valorizar o presente ao mesmo nível do passado, como se a equivalência de épocas fosse obrigatória. Já se chegou ao ponto de intercalar peças clássicas com peças modernaças, numa falta de respeito pelos compositores, pela autenticidade e pelo público. A Casa da Música optou com muita pena minha pelo protagonismo da música "contemporânea", ah ah - disfarça muito bem as más interpretações, e é bem mais fácil fazer passar músicos de qualidade medíocre.

Tanto mais que compositores há que, usando a tonalidade com incursões dissonantes, conseguem com algum talento continuar a criar música sábia, bela e envolvente, que é como se sabe o caso de Gorecki, Arvo Pärt, Philip Glass.

Os MAUS:
Schonberg, Berg, Bartók, Ligeti, Messiaen, Boulez, Berio, Nono, Xenakis, Cage, Stockhausen, Nunes, Reich.
Não gosto nada de Boulez compositor. Como maestro, esteve bem em Mahler e Wagner.

Aqui fica a chiadeira desagradável e desafinada de Pli selon Pli, tida como obra prima de Boulez.
Anti-homenagem ! Buuu !




quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A guerra lá adiante e a paz por aqui. Ou não.


Tenho-me mantido em negação, julgando que na Europa vivemos uma paz imperfeita (- Ucrânia) mas sólida desde os conflitos balcânicos. E é parcialmente verdade, aliás a maior parte do mundo está mesmo em paz e com mais tendência para democracia que para ditadura - agora foi a vez da Birmânia, salvé !

Mas quando três dos maiores exércitos mundiais estão envolvidos numa operação bélica conjunta (mais ou menos) contra uma guerrilha islâmica radical, isso é uma guerra e das grandes, não uma cruzada cristã mas uma enorme operação militar das democracias. Com recurso a tudo menos a um exército no terreno. Há do lado ocidental meio milhar de vítimas, pelo menos, do outro lado não se sabe. As bombas caem já há muitos meses, arrasadoras, na Síria e no Iraque, com o Irão ali ao lado a assistir felizmente sereno - veremos... - e mais preocupado com o Yemen, que é outro assunto trágico. Mulheres (e crianças) fazem-se explodir com uma inpossível espontaneidade, só para levarem com elas alguns 'infiéis', e sem mesmo poder contar com 17 rapagões no paraíso. É tudo tão, tão estranho, inumano, demencial. É guerra na sua modalidade pós-moderna, não mais entre impérios, não mais por conquista e dominação, mas sim por valores de civilização e controle dos recursos petrolíferos, por esta ordem.

A nossa paz aqui defende-se fazendo guerra lá. Mas a guerra entra cá pela porta das trazeiras, manhosa, insidiosa, entra cá derrotada e inútil mas com ódio ressabiado. Vivemos em Guerra-e-Paz, e assim permaneceremos muitos anos, tudo indica. Dependemos sobretudo, quem diria, da Rússia, o mais instável dos 'aliados', e para muitos europeus um perigoso inimigo.

Não tenho saudades de período histórico nenhum que me pareça melhor que o actual - e sobretudo não do horroroso século XX, que só para o fim abrandou a selvajaria, culminando na queda do império de Moscovo. Mas foram apenas dez anitos de (quase) paz e algum bem-estar, os melhores que tivemos, que me lembre, mas oh tão breves.

Certeza, parece, só de que no ocidente da Europa temos o mais forte foco civilizacional do mundo, que se prolonga para além do Atlântico, o único modelo que compensa imitar. É um alívio, egoísta, e um privilégio. Atrai vagas de refugiados e imigrantes e suscita invejas raivosas.

À beira disto, que problema é se teremos governo de gestão ou de invenção, se a presidência é desta ou daquela personalidade nula, se as comadres em acordo se vão zangar mais cedo ou mais tarde ? Quero lá saber.


quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Voto branco? voto preto? não, voto azul e verde.


Aprendi que azul e verde ligam mal, são uma combinação de mau gosto. Discordo. Estou, como de costume, indeciso, polticamente paralisado - não sei a favor de quem hei-de desenhar uma cruz. Já pensei branco, até se vai formar um Partido do Voto Branco, que anda a recolher assinaturas para poder reclamar lugares vazios na Assembleia para os votos em branco. É justo. Mas depois pareceu-me demasiado conformista com o sistema, é um bocado como passar carta branca, sois todos iguais, é-me indiferente. E não é.

Pensei votar preto - borrar o boletim com tinta spray negra, apagar os partidos todos, para se poder começar de novo, como um quadro preto na sala de aulas pela primeira hora da manhã, limpinho-preto. Mas podem pensar que é pelo Obama. E não é.

Não voto vermelho, claro, qualquer que seja o matiz. Nem laranja, nem azul, nem rosa. Nem verde-eco. Puxa, então? Então, optei pelo azul-e-verde. Primeiro, não é cor de nenhuma força concorrente (fico à espera...). Segundo, azul pelo mar, verde pela vegetação, é a imagem do planeta Terra para quem o vê do espaço cósmico.

Vou pintar o voto de azul e verde. Há várias sugestões:





ou mesmo


Na verdade, não corremos perigo nenhum de ditadura, os partidos que podem ganhar são ambos pró-europeus - e é o que mais me interessa. Quanto mais Europa, menos nação. São as nacionalidades que dão cabo da vida na Terra, mais ainda que as religiões. Os partidos mais nacionalistas (ou 'patrióticos', dizem alguns), à esquerda e à direita, têm a minha profunda repulsa. A minha nação, supostamente esta, dá-me cabo da vida. A leste e a oeste, só interesses nacionais prevalecem e fazem a vida planetária um inferno.

É uma utopia, bem sei, mas quero que isso acabe. Quero Europa, quero outras vastas regiões, federações, onde pouco interessa onde se nasceu, onde as pessoas valem por serem pessoas.

Voto verde e azul.


sexta-feira, 29 de maio de 2015

Ainda sobre fealdade na arte


E também a propósito, ainda, das más encenações de Ópera.

Não é só nas encenações que se faz falsa Arte, lixo que se quer fazer passar por Arte. A mercantilização, o valor monetário e financeiro da Arte, promovem esse lixo em Pintura, em Escultura, em Música, no Teatro e no Cinema ...

Se não vendessem gato por lebre, como conseguiriam valor de venda para gatafunhos, calhaus e molduras em branco ?

"Três painéis em branco", de Rauschenberg, que atingiu recentemente muitos milhões num leilão.

Pollock: valem fortunas coisas que não se distinguem de borradelas de criança.

Os critérios para mim são claros e transparentes:

- Se é feio, não é arte. "Feio" pode ser subjectivo, bem sei, neste critério pode haver divergências, mas não aceito os estetas da fealdade. Rejeito o que for monstruoso, disforme, deselegante, vil, ordinário, ofensivo, kitsch, enfadonho; mas não forçosamente o que for rude ou provocatório, desde que lá consiga encontrar beleza e génio criativo.

- Se "até eu era capaz de fazer isto", não é arte. Simplório, primário, cansativo, totalmente desestruturado, não é arte. Vão assim para o caixote os painéis brancos, as borradelas, os 4' 33'' de silêncio de Cage, os filmes de écran preto...

'Quadrado preto', de Malevich - nada a ver com Mondrian, pois não há nada para ver.

Há tempos uma jornalista de TV deliciava-se divertida porque na feira ARCO de Madrid o público comentava elogiosamente, e até com discurso erudito, uma suposta obra de arte que afinal eram garatujas e borrifos de criança.  Conclui ela: Arte não é nada de transcendente ou excepcional ou genial, não passa de uma convenção de élites, uma vez que não se consegue distinguir de uma borradela qualquer.

Ora é precisamente o contrário, mas a jornalista boçal não podia entender certamente: nem a borradela, nem o resto da tralha que estava pelas paredes da feira, são Arte. É tudo lixo. A Arte, quando existe, distingue-se logo, impõe-se, é avassaladora de beleza, de elegância, de equilíbrio, na alegria ou na tristeza; quase sempre surpreendente, nunca é aborrecida nem repelente, nunca vulgar nem infantil, nunca se encaixa em conversa monetária de investidor nem na vulgata de jornalista. Nunca é balão para o parolo olhar.

O calhau de 340 toneladas que Michael Heizer foi buscar com uma escavadora - só lhe deu o trabalho de transportar o mais pesado pedregulho de sempre (Guinness ?). Durou um ano e custou 10 milhões. Um disparate.


A diferença, por exemplo, entre a Música da 'Iphigénie en Tauride' de Gluck e a horrenda encenação de que aqui dei conta é que esta, qualquer um a fazia, na sua vulgar fealdade; mas a primeira, a Música, exige saber muito, ser compositor - ter um talento ao alcance de poucos, de uma élite.

É por isso que as escolas, a Escola, na sua tendência que vem desde os finais do séc. XX para rejeitar o saber de élites, e o valor superior da História, já quase só forma para a vulgaridade. Nunca produzirá Renoirs, mas apenas pintores de feira. Já estamos a assistir ao resultado.



domingo, 24 de maio de 2015

Se a idiotice fosse música


Pelo menos, a idiotice reina na Ópera, ou melhor, nas encenações que estão na moda. E reina onde menos se esperaria - na Áustria, ó suprema blasfémia !, no festival de Salzburgo.

Não sei explicar, não se entende, mas o público austríaco e os frequentadores assíduos de outras partes do mundo que eram conhecidos como muito clássicos, bota-de-elástico, casaco-de-peles e smoking, e chegavam à  Grosses Festspielhaus de limusine com chauffeur - agora tornaram-se a coisa mais desbragada, gauchiste, marginal e ordinária que se possa imaginar. Apreciam estas encenações anacrónicas, sem História, e mesmo um tanto taradas. A exigência de autenticidade interpretativa na música barroca é virada do avesso - vale tudo, quanto mais escandaloso melhor. Vitória da estética para audiências da TV.

Isto a propósito da Ifigénia em Táurida, de Gluck, obra de 1779 sobre uma peça de Eurípedes, à volta de Agamemnon, Helena e a sua família após a guerra de Tróia, o mais clássico que possa haver (412 A.C.), uma história de sacrifícios, traições e salvações, a princesa Ifigénia no meio de uma complexa trama de interesses e conflitos; está em Salzburgo com este aspecto:



Com a Bartoli e tudo !

http://www.salzburgerfestspiele.at/language/en-us/das-programm/oper/oper-detail/programid/5142

Nem me venham dizer "Viste? não viste, não podes falar, se calhar até estava engraçado". Não vi, não gostei e não presta.

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Ninguém quer saber do Festival da Eurovisão, o das cançonetas. O ano passado, foi ganho por um pândego "drag queen" de barbas com uma barulho horrível de 3 minutos que designaram "winning song", enfim. Este ano, no meio de zapping, caí na transmissão por acaso (Portugal foi excluído, honra e glória a nós, ao menos por isto). Pois não é que oiço o final da 2ª de Mahler (a Ressurreição), a parte fortíssima nos tutti, órgão e côro, como "separador" entre canções e votação? Até estremeci de medo de que fosse uma música "concorrente". Claro que não foi tocada até ao fim: encadeou, num genial raccord, com uma batucada ruidosa qualquer, uns miúdos desenfreados com as baquetas às pancadas nos tambores de vários formatos. Lindo. Pós-moderno, relativista e intercultural.

A Áustria está maluca? Ou vou eu dar brevemente em maluco ?



sábado, 14 de março de 2015

Também decreto sanções a dois russos: Anna e Valery.


Pois é, por muito bons músicos que sejam Valery Gergiev e Anna Netrebko, têm mostrado uma sabujice rasteira  para com Putin e o seu regime. Pensei que ia ser capaz de resistir, colocando a música acima "dessas coisas"; mas chega um momento em que dá vómitos.


Tem sido sempre assim. E contudo Nova Iorque aplaude-os com entusiasmo.
Estou com o 'vadio' ucraniano que subiu ao palco do MET em protesto. Foi o melhor momento da noite.

Por muito que me custe, adeus, Gergiev, que bem diriges, e que falta de carácter. Adeus, Anna, até nem cantas mal, tenho discos teus, mas és tão fútil... e escolhes muito mal os amigos.

E viva a Ucrânia, livre e europeia !

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Já agora, não resisto a colocar aqui a interpretação musical do ano. Agradeço à banda militar egípcia ter envergonhado o ilustre visitante Vladimort com um genial hino à Rússia. Sublime sentido de humor ...



Se o exemplo se propagasse, talvez o homem não saísse mais de casa. Era bem feito.

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Não quero terminar com esta cacofonia. Posta a Netrebko de fora, quem é a melhor soprano actual ? A minha escolha é Diana Damrau, que me deslumbrou com a Raínha da Noite da Flauta Mágica; a voz é muito mais límpida, elástica e articulada que a da Netrebko, os agudos muito mais firmes e arrojados - só é menos encorpada, em registos mais baixos. Mas fosse lá a preferida de Putin fazer isto assim tão bem:

Que voz, Diana.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

P.S. - o 'Mr. Turner' de Mike Leigh é uma vigarice de mau gosto


Quase não há nada de verdadeiro na história de J.M.W. Turner contada no filme "Mr. Turner" de Mike Leigh. Quase todos os factos estão ou distorcidos, ou invertidos na ordem temporal, ou são simplesmente inventados, enquanto outros que seriam fundamentais são omissos - a formação académica na Royal Academy, onde entrou como prodígio com apenas 14 anos e gozava de grande estima, as viagens frequentes pela Europa, em particular as idas à Suíça, Roma, Veneza, França, onde era bem-vindo na corte; a leitura constante de poesia que lhe incutiu ideais platónicos; o contacto com as as ciências, com especial interesse pela mecânica hidráulica - alguns quadros são belos estudos da hidrodinâmica das ondas e das marés. Onde estão estes traços de carácter no filme ?

É quase repelente a forma como Mike Leigh faz da pessoa de Turner um boçal abrutalhado quando de facto ele era educado num dos melhores colégios londrinos, era divertido, afectuoso e informado - além da hidrodinâmica, também estudava meteorologia, por causa da formação e tipos de nuvens; estava a par, com grande curiosidadade, dos progressos da tecnologia (máquinas a vapor, fotografia); frequentava as sociedades científicas de Londres - e embora não se "cuidasse", como acontece com muitos artistas, nem por isso tinha má figura. Mas é nisto que o filme insiste: num estilo "grunho" totalmente inventado.

Turner não era elegante, nem pedante, nem frequentava a "sociedade"- preferia uma vida culta e viajada mas algo solitária. Era de facto misantropo mas não da forma simiesca que o filme mostra. E mesmo misantropo não deixava de ser requisitado pela elite social - já no final de vida, em 1840, em vez de estar decrépito e desmiolado como no filme, foi de viagem a França e recebido pelo Rei seu amigo Luís Filipe.


Um testemunho esclarecedor da sua amiga Clara Wells:
'Of all the light-hearted, merry creatures I ever knew, Turner was the most so; and the laughter and fun that abounded when he was an intimate in our cottage was inconceivable, particularly with the juvenile members of the family. I remember coming in one day after a walk, and when the servant opened the door the uproar was so great that I asked the servant what was the matter. 'Oh,only the young ladies (my young sisters) playing with the young gentleman (Turner), Ma'am.' When I went into the sitting room, he was seated on the ground, and the children were winding his ridiculously long cravat round his neck;he said, 'See here, Clara, what these children are about!'(*)

Que Mike Leigh tenha querido fazer um auto-retrato como artista malquisto, nada a reclamar, está no seu direito; que se tenha servido de uma figura histórica consagrada que pertence à herança cultural britânica e europeia fazendo o retrato de um labrego lascivo, grosseiro e intratável, isso sinto-o como insulto pessoal e uma falta de respeito. Abaixo. Bola preta.

Fiquemos antes com Joseph Mallard William Turner.

Dutch Boats in a Gale, 1801 - um dos tais estudos de dinâmica das ondas e marés.

Fishermen upon a Lee Shore, 1802 - talvez a "onda" mais fantástica de toda a Pintura.

Na fase final, Turner passou a dar mais importância aos efeitos de luz e côr do que ao realismo. A dinâmica passou a estar imbuída nas próprias pinceladas, mais depuradas, quase abstractas. É a fase mais "mística" das sua visão platónica do mundo.

Waves Breaking on a Lee Shore, 1840

Peace- Burial at Sea, 1842

Snow Storm - Steam Boat off of a Harbour's Mouth, 1842


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(*) De todas as criaturas felizes e bem dispostas que conheci, Turner era-o mais do que qualquer outro; e o riso e a alegria que abundavam quando vinha à intimidade da nossa cottage era inconcebível, sobretudo com os mais novitos da família. Lembro-me de um dia, ao regressar de uma passeata, quando o criado abriu a porta a barulheira era tanta que perguntei o que se passava. "Oh, só as meninas (as minhas irmãs) a brincar com o jovem senhor (Turner)". Quando entrei na sala de visitas, estava sentado no chão e as crianças enrolavam-lhe a comprida gravata à volta do pescoço. E disse-me, "Estás a ver, Clara, o que estas crianças me fazem !".