sexta-feira, 13 de janeiro de 2017
Que as imposturas de 2016 morram em 2017
Este título é copiado do editorial de Franz-Olivier Giesbert no Le Point de 29 de Dezembro.
Em vários pontos, Giesbert elenca exemplos de manipulação da opinião pública, cada vez mais assustadora. Ao contrário de muitos, eu não receio o que se veicula nas redes sociais, as patranhas que seja quem for aí pode colocar. Quem tiver dois dedos de testa não frequenta esses sítios, ou então percebe ou desconfia logo da vigarice, e se esta se propaga é desmentida a curto prazo.
O que me assusta mesmo são os media de grande alcance público, mesmo os prestigiados, em que se acredita porque quem escreve são jornalistas e jornalista é uma profissão digna de crédito. Ora bem: não é. É preciso, é urgente, desconfiar dos jornais e ainda mais da TV, seja pública ou privada, tablóide ou "séria". Sem precisar de muita perspicácia, dou conta com frequência de pequenas aldrabices ou trapalhadas - números que não dão certo com o que se diz, adjectivos que distorcem a verdade num sentido ou noutro, destaques disparatados, ênfase no acessório, e tanta coisa importante que não é noticiada. Os debates que costumam seguir-se são uma perfeita anedota. Nos três canais nacionais, há ainda outra pecha (menor) - o atropelo constante da gramática - ortografia e sintaxe - quer pelos pivots, quer pelos inúmeros e impreparados repórteres in loco.
O mais grave é o enviesamento, ou seja, a forma tendenciosa como a notícia é dada. Giesbert identifica sete, mas não sei se serão sequer as piores imposturas. Por exemplo, o conflito sírio completamente distorcido (nunca ouvi os pershmerga !); Obama, que não foi de todo o grande presidente que se propagandeia - vaidoso, passivo, inábil e contemporizador, um inútil bem-falante; Erdogan, que foi desde sempre (e não de agora) inimigo da Europa e carrasco da oposição; e em geral o Mundo, que não está nada a bater no fundo, como reza a imprensa miserabilista criadora de falsas aparências, mas pelo contrário - o "progresso" continua a fazer o seu caminho, por mais que o tentem desacreditar. A pobreza recua (em 1990 uma pessoa em cada duas vivia abaixo do limite de pobreza extrema; agora são 14%); o analfabetismo está em vias de extinção, a tirania já é um fenómeno local de pequenos países, a abundância de alimentos e água contraria as previsões de fome e penúria ... e a qualidade de vida urbana tem melhorado significativamente, basta lembrar como eram as grandes e médias cidades há um século, sujas, poluídas, escuras, perigosas (à noite sobretudo), cercadas de bairros miseráveis. Claro que há um século não havia cobertura diária e ao vivo dos assaltos e crimes.
Outra enorme impostura são as "médias" e projecções de base estatística. As "médias" são quase sempre mal noticiadas como se fossem fiéis evidências, outras vezes de forma disparatadas - "uma média entre 3 e 5 óbitos por semana"- ou grotescamente errada - "a maioria dos rendimentos estão abaixo da média". Por exemplo, dizer-se de uma país maior que Andorra que o crescimento é X e subiu 0,1 é uma inutilidade enganosa. Espanha ou França, para não ir mais longe, podem ter variações regionais de crescimento de -1 a 6%, por exemplo. Na Rússia, na China, as diferenças são ainda mais extremas. E que é 0,1 senão zero, para mais com o erro intrínseco da medida ? As sondagens, já se sabe, são encomendadas para dar o que o encomendante quer, dentro de um erro à volta de 5% pelo menos. Porque é que "órgãos de informação" alinham nessa fantochada ? As sondagens reflectem a opinião dos-que-respondem-a-sondagens, ou nem isso - muitos divertem-se a mentir.
Giesbert termina com uma adequada citação de Shakespeare, comparando o noticiário actual a uma "tale told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing."
Não sou tolo ao ponto de achar que tudo vai bem no melhor dos mundos. Há as incómodas assimetrias, que outra mentira (a multinacional Oxfam é uma fábrica de intrujice) nos faz acreditar estarem a aumentar - não estão; mas no mundo dos homens, esses que já se combatem e matam sem parar há mais de 1 milhão de anos, desde que se puseram a andar de pé, esse ser fracote e quase irrelevante, capaz de bondade e maldade mas sempre à procura de melhor, não se pode ter expectativas demasiado optimistas; há que reconhecer, isso sim, um lento, muito lento, progresso.
Seria uma ajuda se a impostura mediática recuasse em 2017.
------------------------
P.S. Não tenho ilusões: o 'Le Point' também faz parte dessa máquina de mentira mediática.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Seria bom, Mário, seria mesmo muito bom que pudéssemos acreditar no que os meios de comunicação nos dizem, mas não me parece que vá acontecer. Tenho cada vez menos opiniões sobre a actualidade porque não sinto bases sólidas em que me apoiar.
Em parte é por isso que praticamente abandonei o blogue.
Não abandone, Gi. Deixe lá as bases sólidas, mande a imprensa aos peixinhos e diga de sua justiça. Ou especule. Ou publique só fotos. Ou poemas.
Fico triste quando morre um blog companheiro.
Enviar um comentário