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domingo, 13 de outubro de 2019

Tempo para plantar lágrimas, por Elizabeth Bishop


Sestina, de Elizabeth Bishop, é um poema de mágoa e abandono e privação e tudo o que de mais triste pode acontecer na vida ( excepto, talvez, guerra), e Bishop di-lo de forma belíssima. O poema encontra-se facilmente com uma procura online, e como é um pouco longo dispenso-me de aqui publicar o original. Como é hábito, tentei à minha maneira traduzi-lo, perdendo ritmo e musicalidade, efeitos fonéticos e a elegância da língua inglesa - mas procurando transmitir o melhor possível aquilo que o poema exprime de situação, sentimentos, emoções. E mantendo a forma !

Porquê 'Sestina'?  A Sextina é uma forma poética em 6x6, em que a última palavra de cada verso é repetida na estrofe seguinte, conforme um esquema complexo atribuído a Arnaut Daniel, um trovador Provençal do século XII. A Sextina foi adoptada em Itália e praticada por poetas como Dante e Petrarca, e cá por Luís de Camões.

Bishop consegue escrever um poema comovente sem que nos demos conta dessa estrutura rígida, tanto mais que é autobiográfico. É o único que conheço que se constrói à volta de um almanaque.



Cai a chuva de Setembro sobre a casa.
Na luz trémula, a idosa avó
senta-se na cozinha com a criança
junto ao calor do pequeno fogão,
a ler as anedotas do almanaque,
rindo e falando para esconder as lágrimas.

Acha ela que essas equinociais lágrimas
e a chuva a bater no telhado da casa
foram ambas previstas no almanaque,
mas apenas as experimenta uma avó.
A chaleira de ferro canta sobre o fogão.
Ela corta algum pão e diz à criança,

Agora é hora do chá; mas a criança
está a ver a chaleira vertendo lágrimas
que dançam loucas sobre o escaldante fogão,
tal como a chuva dança ao cair sobre a casa.
Tratando de arrumar, a velha avó
Vai pendurar o sábio almanaque

na sua corda. Como um pássaro, o almanaque
pende meio aberto sobra a criança,
pende por cima da velhinha avó
e a sua chávena de chá com escuras lágrimas.
Estremece e diz que lhe parece a casa
fria, e leva mais madeira para o fogão.

Assim tinha de ser, diz o pequeno fogão.
Eu cá bem sei, diz o almanaque.
Com lápis a criança desenha uma sólida casa
E um caminho ondulante. Depois a criança
faz um homem com botões como lágrimas
E mostra-o com vaidade à velha avó.

Mas secretamente, enquanto a avó
Se ocupa a tratar do fogão,
As luazitas caem como lágrimas
De entre as páginas abertas do almanaque
Para o canteiro florido que a criança
Com esmero colocara à frente da casa.

Tempo para plantar lágrimas, diz o almanaque.
avó velhinha canta para o fabuloso fogão
e a criança desenha mais uma insondável casa.

                                                  Elizabeth Bishop, 1965


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Esquema da Sextina:
1. ABCDEF
2. FAEBDC
3. CFDABE
4. ECBFAD
5. DEACFB
6. BDFECA
7. (envoi) 3 versos, incluindo as 6 palavras (3 terminais) -
    - neste poema: lágrimas. almanaque, avó, fogão, criança, casa
.
O intrincado padrão matemático da Sextina


quarta-feira, 17 de julho de 2019

Fui à beira do mar, ver o que lá havia...





Fui à beira do mar
Ver o que lá havia
Ouvi uma voz cantar
Que ao longe me dizia:

Ó cantador alegre
Que é da tua alegria
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria
... 

Uma das canções mais bonitas e evocativas de José Afonso.
Se ainda há muito para andar, a noite, contudo, está mais morna ou mais abafada do que fria, e nem por isso a alegria regressa. Antes pelo contrário. Os melhores tempos passaram, e já não há cantadores alegres.


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Dúvidas cartesianas: 'Acaso sueño haber soñado', etc


De Jorge Luis Borges. 'La cifra', 1981

Descartes

Soy el único hombre en la tierra y acaso no haya tierra ni hombre
Acaso un dios me engaña.
Acaso un dios me ha condenado al tiempo, esa larga ilusión.
Sueño la luna y sueño mis ojos que perciben la luna.
He soñado la tarde y la mañana del primer día.
He soñado a Cartago y a las legiones que desolaron Cartago.
He soñado a Lucano.
He soñado la colina del Gólgota y las cruces de Roma.
He soñado la geometría.
He soñado el punto, la línea, el plano y el volumen.
He soñado el amarillo, el azul y el rojo.
He soñado mi enfermiza niñez.
He soñado los mapas y los reinos y aquel duelo al alba.
He soñado el inconcebible dolor.
He soñado mi espada.
He soñado a Elisabeth de Bohemia.
He soñado la duda y la certidumbre.
He soñado el día de ayer.
Quizá no tuve ayer, quizá no he nacido.
Acaso sueño haber soñado.
Siento un poco de frío, un poco de miedo.
Sobre el Danubio está la noche.
Seguiré soñando a Descartes y a la fe de sus padres.




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Sinto um pouco de frio, um pouco de medo.
Sobre o Danúbio cai a noite.



quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Siorapaluk


Siorapaluk = "Pequenos areais", nome em língua inuit desta povoação que, tanto quanto sei, é a povoação permanente mais setentrional do planeta, no noroeste da Gronelândia.

Siorapaluk situa-se na costa do Robertson Fjord, apenas a 1362 km do Pólo Norte.

Coordenadas   77°47′ N, 70°38′ W
População    ~ 70.
 

O casario reflectido nas águas calmas do fiorde, que banha a praia de areia.


Siorapaluk é o limite norte da comodidade : a última electricidade, o último saneamento, loja, correio, TV, net - é o último reduto de civilização.


A escola  e a igreja, agora museu

As casas são anualmente renovadas e pintadas, de cores vivas - azul,vermelho. Por estes lados, a casa faz parte da pele, é um ninho de sobrevivência.

 A loja e posto de correios, os derradeiros quando se sobe para Norte.

A igreja ainda tem torre sineira separada, como era costume no norte da Europa.

A escola, recente

Vista da escola para o mar num dia de sol.

"Inuit" designa a população original do ártico; partindo da Ásia central para leste, viajaram até ao extremo oriente da Rússia, depois atravessaram para o Alasca e ao Canadá, chegando à Gronelândia  há 4500 anos.


Nesta região, estudada por Knud Rasmussen nas suas expedições, muitos dos habitantes são descendentes directos da última migração Inuit do Canadá, no início do século XX.

São essencialmente caçadores - pássaros, raposas, lebres, focas e morsas - que se dedicam à pesca no curto intervalo de degelo do mar. Mas com as mudanças de clima os animais procuram outras paragens e a subsistência passa a depender do sistema - o navio, a loja, o dinheiro.

O veículo diário de trabalho preferido nestas paragens ainda é o trenó.


O cão, aqui mais que noutro lado o maior amigo.

As temperaturas variam, em média,  de - 20ºC no inverno a alguns graus acima do zero no Verão, com extremos registados de -60º, + 18ºC. Neste momento oscilam entre -4 e - 8º.

No meio do Verão, os dias têm 24h de sol, mas nem por isso aquecem como se poderia esperar. Mas é verdade que as temperaturas têm tendência a subir um pouco ultimamente.


Altos montes de arenito avermelhado ou púrpura (devido à presença de ferro) rodeiam a aldeia, caindo sobre uma língua de areia que corre junto ao mar.

Ao longe há um glaciar, no fundo do Robertson Fiord:

Regresso a casa


Não sei por quanto tempo, mas sentia-me bem num lugar assim. Faltam as árvores, só as árvores...

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Apesar de ser Portugal


Nem chuva, nem vento, nem calor, nem frio. O mar, um lago ondulado. Perfeito.
Há robalo e sargo.

Areia, pedra, água, madeira. Nativos ausentes.

Ah, esplanadas vazias, café escaldado com marulhar em vez de bruáuá.

Quanto a recursos, são abundantes, até podemos exportar:
(um destes é para mim)

E, para acabar em beleza, peixe espada grelhado com legumes. Viva o 10 de Junho, está-se bem neste país, apesar de ser Portugal.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Adagios para a chuva: Max Bruch


Um dos maiores compositores de sempre para violino, Max Bruch expira romantismo por todos os poros. Consegue do violino o máximo de lirismo e de pathos, que os nazis detestavam, e por isso (e por ser suspeito de judeu) o baniram. Tanto mais razões porque eu o considero um dos melhores. E então em fim-de-semana chuvoso...

Dois exemplos muito belos (já nem cito o concerto nº1, por demais conhecido), com linhas melódicas fabulosas. Dirige um dos maiores bruchianos, Kurt Masur.

Romance Opus 42


Adagio appassionato Op.57


O adagio do concerto nº1, :) vá lá, aqui

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Magnum Mysterium

Em tempo de Páscoa, mistério não falta - pelo contrário, este mundo é cada vez mais misterioso.



Morten Lauridsen, 1994

(e isso dói, a um aficcionado da Razão)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

De rosto escondido entre uma multidão de estrelas, por Yeats


WHEN YOU ARE OLD
by: William Butler Yeats (1865-1939)
      HEN you are old and grey and full of sleep,
      And nodding by the fire, take down this book,
      And slowly read, and dream of the soft look
      Your eyes had once, and of their shadows deep;

      How many loved your moments of glad grace,
      And loved your beauty with love false or true,
      But one man loved the pilgrim soul in you,
      And loved the sorrows of your changing face;

      And bending down beside the glowing bars,
      Murmur, a little sadly, how Love fled

      And paced upon the mountains overhead
      And hid his face amid a crowd of stars.
"When You Are Old" from The Rose.
W.B. Yeats. 1893.