sexta-feira, 29 de março de 2013

Lacrimosa pascal

Lacrimosa Dies Illa, do Requiem de Verdi


Anna Tomowa-Sintow, Agnes Baltsa, José Carreras, José Van Dam;
Wiener Philharmoniker, Herbert von Karajan

quinta-feira, 28 de março de 2013

A voz de Miah Person


Per pietà, 2º acto do Cosi fan tutte, de Mozart.
Miah Persson (Fiordiligi)
Adam Fischer(dir.), Wiener Philharmoniker


A soprano sueca no auge (Salzburg, 2009).

quarta-feira, 27 de março de 2013

A 'C' de Bizet

Uma magnífica gravação de uma sinfonia relativamente pouco conhecida mas tão bem escrita como as melhores, cheia de imaginação, surpresas e grandes dinâmicas. Quatro andamentos irresistíveis.

Sinfonia em Do, Georges Bizet
Paavo Järvi, à frente da Orchestre de Paris:

Aqui na até há pouco melhor gravação: Anton Nanut, com a Radio Sinfonia Ljubljana:

segunda-feira, 25 de março de 2013

Ler e Reler: Os Infinitos de John Banville

Há muito que aqui não falava de livros, mais por falta de entusiasmo com leituras recentes. Mas a releitura em tradução portuguesa dos Infinitos de John Banville trouxe-me de volta esse entusiasmo: é a obra maior das que li nos últimos anos, melhor que O Sentido do Fim de Julian Barnes, a única que se lhe compara: inventiva, inteligente, culta, surpreendente, inesquecível.

Banville traz os deuses antigos, greco-romanos, de volta à companhia dos homens, interferindo na sua vida, comentando a humanidade, eles próprios humanos de vícios e paixões e saudosos de mortalidade. Hermes, em particular, está a acompanhar de perto a vida numa casa de campo inglesa onde um grande cientista, físico de partículas e do espaço-tempo, está em coma depois de um ataque cardíaco. As personagens que borboleteiam à volta do doente, familiares e visitas, parecem fantoches de teatro nas mãos de Hermes e de Zeus, o Pai deles deuses, velho lúbrico e sem escrúpulos.

As pequenas "liberdades" dos humanos, que julgam escapar aos deuses, são a virtude maior nesta história, e aquilo em que as pessoas se tornam afinal iguais às divindades: apanhar o destino de surpresa, fintá-lo. Mas é pura ilusão, afinal...

A narrativa tem vários primeiras pessoas: ora é Hermes que descreve os humanos, e sobretudo os seus pensamentos,  ou age entre eles, ora é o quase-morto Adam que revisita o passado ou descreve com mordacidade o que se passa com as pessoas à sua volta. A capacidade de Banville para descrições de cenários e de cenas mais ou mesnos patuscas, mas sempre com uma nuance melancólica, é uma descoberta permanente.

E o tempo, a noção de tempo, as várias sensações de tempo, as ilusões e os paradoxos, são tema recorrente.

Excelente tradução (de Tânia Ganho), e edição (2011) em bom português com as letras todas :) detecta, perspectiva, directa...

Excertos:

- o tempo -

Time, her father was saying, looking upwards and scratching his chin through his beard, time has tiny flaws in it, tiny slippages, that in the very beginning hindered the flow of formlessness and created form. In the same way, he said, that your nails catch on something made of silk, with little hooks you did not know were there until they snagged.... Flaws in the matrix, temporal discrepancies. So at the start, when there was still nothing, the world was, you could say, hindered into existence.

O tempo, estava o pai a dizer, olhando para cima e coçando o queixo atraves da barba, o tempo tem minúsculas falhas, minúsculas derrapagens que no principio travaram o fluxo de informidade e criaram forma. Da mesma maneira, disse ele, que as tuas unhas ficam presas num tecido de seda, com ganchinhos que tu náo sabias que existiam até eles prenderem os fios. "Entendes?", perguntou. Falhas na matriz, discrepâncias temporais. Por isso, no começo, quando ainda não havia nada, o mundo foi por assim dizer forçado a existir.

- os deuses -

When on a summer’s day a sudden gale tears through the treetops, or when out of the blue a soft rain falls like the fall of grace upon a painted saint, there one of us is passing by; when the earth buckles and opens its maw to eat cities whole, when the sear rises up and swallows an entire archipelago with its palms and straw huts and a myriad ululating natives, be assured that one of our number is seriously annoyed.

Quando num dia de verão uma súbita rajada rasga as copas das árvores, ou quando inesperadamente cai do céu uma chuva suave como cai a graça sobre a imagem de um santo, é porque um de nós vai a passar; quando a terra cede e abre as suas mandíbulas para tragar cidades inteiras, quando o mar se ergue e engole todo um arquipélago com palmeiras, cabanas de palha e uma miríade de nativos ululantes, podem ter a certeza de que um de nós esta profundamenre irritado.

- o cão -

Rex the dog is a keen observer of the ways of the human beings. He has been attached to this family all his life, or for as long as he has known himself to be alive, the past for him being a doubtful, shapeless place, peopled with shadows and rustling with uncertain intimations, indistinct spectres.

Rex, o cão, é um observador atento do comportamento dos seres humanos. Está ligado a esta família desde que nasceu ou pelo menos desde que tem a noção de que está vivo, sendo o passado para ele um lugar duvidoso e sem forma, povoado de sombras e restolhando intimações incertas e espectros indistintos.

- eu e o outro -

Adam is cold, and the soles of his bare feet are sticking unpleasantly to the chill, tacky floorboards. He is not yet fully awake but in a state between sleep and waking in which everything appears unreally real. When he turns from the window he sees the early light falling in unaccustomed corners, at odd angles, and a bookshelf edge is sharp as the blade of a guillotine. From the depths of the room the convex glass cover of the clock on the mantelpiece, reflecting the window's light, regards him with a monocular, blank glare. He thinks again of the child on the train and is struck as so often by the mystery of otherness. How can he be a self and others others since the others too are selves, to themselves? He knows, of course, that it is no mystery but a matter merely of perspective. The eye, he tells himself, the eye makes the horizon. It is a thing he has often heard his father say, cribbed from someone else, he supposes. The child on the train was a sort of horizon to him and he a sort of horizon to the child only because each considered himself to be at the centre of something — to be, indeed, that centre itself — and that is the simple solution to the so-called mystery. And yet.

Adam tem frio e as plantas dos pés descalços colam-se-lhe desagradavelmente às traves geladas e pegajosas do soalho. Ainda está meio a dormir, encontra-se algures entre o sono e a vigília, num estado em que tudo parece irrealmente real. Quando vira costas à janela, vê a primeira luz do dia recair em inabituais recantos, em estranhos ângulos, e a borda de uma estante torna-se afiada como a lâmina de uma guilhotina. Das profundezas do quarto, a tampa de vidro convexo do relógio pousado em cima da lareira, reflectindo a luz da janela, fita-o com um olhar monocular e vazio. Adam pensa novamente na criança do comboio e, como lhe acontece com tanta frequência, fica desconcertado com o mistério da alteridade.  Como é que ele pode ser uma entidade e os outros, outros, sendo os outros também eles entidades de si próprios ? Claro está que sabe que não há mistério algum, trata-se simplesmente de uma questão de perspectiva. O olho, diz ele para si mesmo, é o olho que cria o horizonte. Esta é uma frase que ouviu o pai dizer muitas vezes, supõe que plagiando alguém. A criança do comboio constituiu uma espécie de horizonte para Adam, e ele uma espécie de horizonte para a criança, apenas porque cada um deles achou que estava no centro de qualquer coisa - achou, aliás, que era o próprio centro - e é simplesmente essa a solução do dito mistério. E no entanto...

sexta-feira, 22 de março de 2013

Viva Verdi, viva Jurowski

Grande noite de música, ouvir Michail Jurowski a conduzir o Requiem de Verdi com impecável mestria: orquestra e coro da CM imaculadamente coerentes, sonoridade quente mas precisa, tudo uma perfeição, ou quase - a soprano Evelina Dobraceva ia estragando o concerto. Felizmente, a mezzo Ekatarina Semenchuk e o tenor Michael Spyres contrastaram com belas e expressivas vozes.

Verdi celebrado com nobreza.
Jurowski, Orquestra, Coro - ★ 


quarta-feira, 20 de março de 2013

O velho e o novo: chegou a Primavera




Que seja bem-vinda.

Fim de semana promissor na CM

Aproxima-se um ponto alto da programação da C.M. para 2013, senão "o" ponto alto: o Requiem de Verdi dirigido por Jurowsky.

Mas também logo dois dias depois há o Stabat Mater de Vivaldi e o Salve Regina de Hasse. Se os músicos estiverem à altura, será um fim de semana em grande.

6ªfeira 22:
Michail Jurowsky, direcção
Karina Flores, soprano
Ekatarina Semenchuk, meio-soprano
Michael Spyres, tenor
Christophoros Stamboglis, baixo

Giuseppe Verdi, Missa de Requiem 
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Domingo 24

Riccardo Minasi, violino e direcção
Franco Fagioli, contratenor
OBCM

Veracini, Abertura em Sol menor nº 6
Vivaldi, Stabat Mater 
Angelo Ragazzi, Sonata para cordas op.1 nº 4
Vivaldi, Concerto para violino RV 277, "Il Favorito"
Albinoni, Concerto para dois oboés op.9 nº 6
Hasse, Salve Regina para contralto e cordas
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Aqui fica o fenomenal Dies Irae, do Requiem 
Dirige Semyon Bychkov
(excerto)

terça-feira, 19 de março de 2013

As coisas não são o que se diz

Depois da União Europeia, através do Eurogrupo, ter tomado a brilhante iniciativa suicida de confisco bancário no Chipre que vai direitinha ao fim do euro e se calhar da U.E., pelo exemplo que dá e por minar a confiança no sistema, convém também não esquecer que os ditos países emergentes não são o que se diz.

A economia chinesa, por exemplo, está a um passo de uma explosão de dimensões inauditas, donde pode sair um "primavera árabe" arrasadora. A BBC já o denunciou há tempos:



Parece mesmo que, afinal, são mais uma vez os ultra-liberais Estados Unidos quem vai sair por cima, e se assim for o dólar será forte como nunca. Mais uma vez se comprovará a vitalidade do capitalismo minimamente regulado.

Ainda bem. Porque a "visão" que a Europa apresenta do seu futuro parece-se cada vez mais com a de uma espécie de jugoslávia titista, uma aglomeração forçada de estados que se odeiam, através do medo comum de horrores passados, mas uma aglomeração em auto-gestão socializante que tudo pode sacrificar ao interesse central do estado em nome do povo, ou da "comunidade", ou da estabilidade (Stabilizujte, Stabilizujte) que vai dar ao mesmo. Ou seja, uma visão de esquerda imposta por gente de direita. Que engraçado.

Ninguém diz ao que vem. Qualquer coisa se prepara que não é bem o que se diz.

domingo, 17 de março de 2013

A União Europeia com tiques de ditadura estalinista 'das bananas'

Esta sim, a maior machadada de sempre na minha simpatia e apoio ao projecto europeu.

Não se faz: entrar por um país membro adentro, não com tanques mas com ordem de confisco às contas bancárias dos cidadãos, e à boa maneira socialista soviética, esbulhar a classe média (oh, burgueses !) das suas poupanças.

Como não são os 'pobres' mas os 'ricos' que assim pagam a crise, não se vê por aí grande movimento solidário ou de protesto. Cá, a notícia vem sempre depois do Papa e dos futebóis - afinal é apenas o Chipre.

Pois este sim, é o momento de ter medo, raiva e revolta: anuncia-se o tipo de tirania que pode estar à espreita, e não é neo-liberal, é de raiz colectivista. O Estado está falido, vai-se ao bolso dos endinheirados: é 'os ricos que paguem a crise' a ser levado à prática pelo poder central europeu. Podia ser num regime militar sul-americano, mas não: é aqui.

Mil vezes antes a estratégia do FMI, que nos empobrece também, sim, mas com algum sentido de justiça e equidade. Porque sabe o valor do dinheiro, não lhe toca senão com luvas. Pode penalizar ganhos futuros, mas a propriedade de cada um é intocável. Ao ponto de dar as tais garantias sobre depósitos, que a UE tanto apregoa mas foi a primeira a atropelar.

É a primeira vez que me sinto um inimigo, e um fraco e vulnerável inimigo, para quem manda na Europa.

Tristeza, enorme.

terça-feira, 12 de março de 2013

Javali acossado por dois cães, na exposição madrilena sobre Pompéia



Bem sei que Madrid é todo um mundo de Arte, mas não pensei ir lá encontrar agora, em Março, três exposições internacionais de primeira grandeza, para além das colecções permanentes locais.

Esta sobre Pompéia estava no Canal Art Centre, numa antiga estação de bombagem de água em tijolo cujo interior é um vasto hall sustentado por arcos. Cenário muito bem aproveitado para criar ambiente propício.

O material da exposição é sobretuo constituído por peças originais do Museu Arqueológico Nacional de Nápoles (MANN); há algumas réplicas, e vídeos.

O que mais me deslumbrou foi um conjunto escultórico em bronze, representando um javali acossado por dois cães. Era decoração de um tanque redondo - talvez fonte, talvez piscina - no peristilo central de uma das maiores casas que ainda restam, a Casa do Citarista, chamada assim pela estátua de Apolo tocando cítara.

O conjunto tem uma dinâmica e uma força expressiva admiráveis e a qualidade da escultura é espantosa, sobretudo a textura da pele e a crina do javali, que devem ter sido de difícil execução.



Estas são as peças originais - no local está uma réplica, já muito oxidada pelo tempo.


Também em bronze, o referido Apolo Citarista (Apollo Citharoedus) foi encontrado no peristilo central, o mais rico da casa, com fonte e jardim :


Nos frescos, tive a sorte de poder admirar pausadamente o famoso retrato da poetisa Safo de Lesbos, com o cálamo entre os lábios


Não é consensual que se trate realmente de Safo, mas é belíssimo, único.


Ainda da Casa do Citarista, um grande fresco de que aqui publico as figuras centrais:

Trata-se do fresco original do Julgamento de Páris, uma cena mitológica que decorava uma parede do 'triclinium' anexo ao jardim.

A exposição documenta abundantemente a catástrofe que se abateu sobre os pompeianos, com figuras calcinadas, vídeos simulando o desatre, e até um pão esturricado... Gostei mais desta magnífica representação do terramoto que antecedeu a lava:

O templo de Júpiter e duas estátuas equestres a ser derrubadas pelos abalos.
Painel em baixo-relevo, MANN

Até 5 de Maio.

Mulheres a ver em Madrid

Fizeram boa companhia a Joyce DiDonato.

Ghirlandaio, Thyssen

Renoir, Mapfre

Cézanne, Mapfre

Hopper, Thyssen

segunda-feira, 11 de março de 2013

Keiser, Lasciami piangere

Não resisto. O melhor de um recital superlativo:


Encore:

Lasciami piangere 

e poi morir

Cantou em Madrid uma Princesa de Espanha.

terça-feira, 5 de março de 2013

Chove, em Madrid



Tudo parece correr mal nesta ida a Madrid. Ainda nem sei se consigo ir de avião (falta-me o B.I., há uma greve...) ou se terei de ir de carro, 600 km à chuva, arriscando uma valente multa.

Joyce, a quanto obrigas, nem te passa.

Se lá chegar, duas exposições me esperam: uma sobre Pompeia - Catástrofe bajo el Vesubio, no Canal Art Centre - e outra sobre a pintura impressionista ao ar livre, no Thyssen - Monet, Sisley, Renoir, Cézanne, Corot, Turner, Constable, Rousseau, Courbet, Van Gogh...

Boa semana.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Onde Pus a Esperança


Onde pus a esperança, as rosas
Murcharam logo.
Na casa, onde fui habitar,
O jardim, que eu amei por ser
Ali o melhor lugar,
E por quem essa casa amei -
Decerto o achei,
E, quando o tive, sem razão p'ra o ter

Onde pus a afeição, secou
A fonte logo.
Da floresta, que fui buscar
Por essa fonte ali tecer
Seu canto de rezar -
Quando na sombra penetrei,
Só o lugar achei
Da fonte seca, inútil de se ter.

P'ra quê, pois, afeição, 'sprança,
Se tê-las sabe a não as ter?
Que as uso, a causa para as usar,
Se tê-las sabe a não as ter?
Crer ou amar -
Até à raiz, do peito onde alberguei
Tais sonhos e os gozei,
O vento arranque e leve onde quiser
E eu os não possa achar!


Fernando Pessoa

sexta-feira, 1 de março de 2013