domingo, 11 de fevereiro de 2024

Dia de Inverno à beira-mar, prosa de Walt Whitman, para variar

Adorei este texto. 

A Winter Day on the Sea-Beach

One bright December mid-day lately I spent down on the New Jersey sea-shore, reaching it by a little more than an hour’s railroad trip over the old Camden and Atlantic (*). I had started betimes, fortified by nice strong coffee and a good breakfast (cook’d by the hands I love, my dear sister Lou’s—how much better it makes the victuals taste, and then assimilate, strengthen you, perhaps make the whole day comfortable afterwards.) Five or six miles at the last, our track enter’d a broad region of salt grass meadows, intersected by lagoons, and cut up everywhere by watery runs. The sedgy perfume, delightful to my nostrils, reminded me of “the mash” and south bay of my native island. I could have journey’d contentedly till night through these flat and odorous sea-prairies. From half-past 11 till 2 I was nearly all the time along the beach, or in sight of the ocean, listening to its hoarse murmur, and inhaling the bracing and welcome breezes. First, a rapid five-mile drive over the hard sand—our carriage wheels hardly made dents in it. Then after dinner (as there were nearly two hours to spare) I walk’d off in another direction, (hardly met or saw a person,) and taking possession of what appear’d to have been the reception-room of an old bathhouse range, had a broad expanse of view all to myself—quaint, refreshing, unimpeded—a dry area of sedge and Indian grass immediately before and around me—space, simple, unornamented space. Distant vessels, and the far-off, just visible trailing smoke of an inward bound steamer; more plainly, ships, brigs, schooners, in sight, most of them with every sail set to the firm and steady wind.

The attractions, fascinations there are in sea and shore! How one dwells on their simplicity, even vacuity! What is it in us, arous’d by those indirections and directions? That spread of waves and gray-white beach, salt, monotonous, senseless—such an entire absence of art, books, talk, elegance—so indescribably comforting, even this winter day—grim, yet so delicate-looking, so spiritual—striking emotional, impalpable depths, subtler than all the poems, paintings, music, I have ever read, seen, heard. (Yet let me be fair, perhaps it is because I 

                                                                                                             Walt Whitman


--------------------------------------------------------------------

E em minha tradução,

Um dia de Inverno à beira-mar

Um luminoso meio-dia de Dezembro passsei recentemente na orla marítima de Nova Jersey, demorando pouco mais de uma hora de viagem de combóio na antiga Camden and Atlantic. Comecei cedo, revigorado com um bom café forte e um bom pequeno almoço (preparado pelas mãos favoritas, as da minha irmã querida Lou - basta isso para dar muito mais gosto ao que se come, e depois se assimila, fortalece, e em seguida nos torna talvez o dia inteiro confortável.) 

Passadas cinco ou seis milhas, a linha de combóio entrava numa vasta região de prados de capim salgado, semeados de lagoas e cortados por toda a parte por correntes aquáticas. O aroma do ervaçal húmido, agradável para minhas narinas, recordou-me o malte da baía sul da minha ilha natal. Por mim podia ter continuado a viagem assim contente até cair a noite, por essas pradarias marítimas planas e perfumadas. Das onze e meia às duas, segui quase todo o tempo ao longo da praia, ou a ver o oceano, ouvindo o seu rouco murmurar e inalando as brisas revigorantes e bem-vindas. Primeiro, uma rápida corrida de oito quilómetros sobre a areia dura – as rodas da nossa carruagem quase nem deixavam marcas nela. Depois, a seguir ao jantar (pois tinha quase duas horas de folga), segui noutra direcção (não me lembro de ter encontrado uma pessoa que fosse) e tomei posse do que parecia ter sido a sala de recepção de um antigo balneário; tive uma ampla extensão de panorama só para mim - pitoresca, refrescante, desimpedida - uma área seca de juncos e capim alto em frente e ao meu redor - espaço, espaço simples e sem ornamentação. Navios distantes e o rasto de fumo ao longe,  apenas visível, de um vapor que se dirigia para a costa; mais claramente, veleiros, brigues, escunas, à vista, a maioria deles com todas as velas levantadas ao vento firme e constante. 

As atracções, os fascínios que existem no mar e na costa! Como nos detemos na sua simplicidade, até mesmo na sua vacuidade! Que temos nós, que é despertado por essas imprecisões e direcções? Aquela dispersão de ondas e praia branco-cinza, salgada, monótona, sem sentido - uma total ausência de arte, livros, conversas, elegância - tão indescritivelmente reconfortante, mesmo neste dia de inverno - sombrio, mas de aparência tão delicada, tão espiritual - prodigiosas, dramáticas, impalpáveis  profundezas, mais subtis do que todos os poemas, pinturas, músicas que já li, vi, ouvi. (Mas em boa verdade, talvez seja por isso mesmo !)

------------------------------------ 
(*) Linha férrea da Pensilvânia que ligava Filadélfia à costa , com troços sobre a areia de que ainda há vestígios.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

O maravilhoso Millesgården de Estocolmo, museu imperdivel



Ah, que saudades!, estivemos há 16 anos anos em Estocolmo, num bonito mês de Julho; apesar de um ventinho bem frio, subir ao jardim-museu Millesgården foi uma das revelações da cidade que é sem dúvida uma das mais belas capitais da Europa: construída sobre várias ilhas, rodeada de águas do Lago Mälaren já misturada com água salgada do fiorde Saltsjön do Mar Báltico, Estocolmo oferece um deslumbrante percurso marginal, por exemplo a vista única de Mariaberget, a rua alta da ilha grande Södermalm.


O Jardim-Museu Millesgården de esculturas fica fora do centro, numa outra ilha a nordeste de Gamla Stan, a ilha Lindigö. Fomos de autocarro e a viagem foi bem longa, depois tivemos de fazer mais um quilómetro a pé. Se soubesse tinha chamado um táxi.


O Museu Millesgärden é a moradia de Carl Milles e a sua companheira Olga; Carl foi um escultor sueco de início do século XX, aluno de Rodin, que trabalhou grande parte da vida nos Estados Unidos, e Olga uma pintora austríaca formada em Paris. O casal tinha escolhido para morar, no regresso à Europa, este morro junto ao canal Lilla Värtan, com vista de céu e de mar a Nordeste de Estocolmo; Carl estudara Astronomia, e gostava de colocar as esculturas num alto pedestal para que a silhueta parecesse habitar o céu. 

Homem e Pégaso.

A casa foi construída por partes em diferente épocas; o pátio superior, junto à casa, foi o primeiro, ainda em 1908. Durante a década de 1950, na altura do regresso do casal à Europa, o jardim foi muito ampliado em pátios desnivelados, tentando recriar o modelo da piazza toscana com fontes onde canta a água - o casal passava muitas vezes o Inverno em Itália.


Loggia, murais, fonte - Itália em Estocolmo.


Terraço superior, o mais italiano

Mulheres dançando, 1917


Carl Milles vira Isadora Duncan em Paris num dueto bailado que inspirou esta escultura.



O Terraço intermédio e "Olgas lilla Österrike" , a pequena Áustria de Olga.

 
A Fonte de Aganippe (1955)


A náiade Aganippe.

Aganippe era um ribeiro que nascia da montanha de Helicon, por obra da náiade do mesmo nome, e era a fonte sagrada das musas, pois conferia inspiração poética a quem bebia as suas águas. Cada uma das três musas representa uma arte ou uma ciência - neste caso escultura, pintura e música. Carl representa as musas em forma masculina.




Este terraço foi uma prenda de Carl para Olga. Nele se encontra outra pequena escultura de menina a esquiar no gelo, Skridskoprinsessan, inspirada pela patinagem de Inverno no Rockefeller Center.



Este terraço termina com a estátua O Cantor ao Sol, de 1926, sobranceira às águas do Lilla Vartän, um dos canais do fiorde de Estocolmo.



No terraço inferior abundam esculturas mitológicas, desde as antigas Grécia e Roma até ao cristianismo, umas em altos pedestais, outros enquadradas por um tanque de água. 



Uma das mais apreciadas é Homem e Pégaso de 1949, que se vê como voando contra o azul do céu.



Também a famosa Mão Divina de 1950 é valorizada vista em contraluz celeste no alto do pedestal:




É uma sensação estranha, única, que convida a ficar por ali durante horas até fechar.

A terminar, o conjunto mais famoso , os belíssimos Anjos Músicos.



 





Nalguns casos, as esculturas são réplicas de originais que se encontram nos Estados Unidos, na Suécia ou na Bélgica.

É no Olgas Terrass que Carl mandou construir uma capela à maneira austríaca, a Skogskapellet, onde estão agora ambos sepultados.


Um dos três lindíssimos museus ao ar livre que visitei - os outros são o Louisiana  a Norte de Copenhaga e o Kulturen em Lund.