quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Casa da Música - Programa 2021

 

Sem saber ainda quantos concertos terão de ser cancelados :(( foi finalmente divulgada a programação da Casa para 2021. Pensei até que não haveria programação fixa, mas afinal há assinaturas e tudo.

Dentro do anedótico, o país da dedicação anual é desta vez a Itália, sem que se perceba bem porquê; só se foi pretexto para inserir uns tantos concertos com Berio e Nono, de resto o ciclo de Sinfonias em 2021 está dedicado a Sibelius, nos antípodas mais nórdicos da Europa, e Mozart domina a programação. Sempre há algum Corelli e algum Paganini, mas coisa pouca. 

Foi portanto rápido e fácil fazer a selecção do que valerá a pena, na minha humilde opinião, claro. A orquestra é sempre a da Casa, o côro também.

[CANCELADOS]
Mozart com Fabio Biondi (direcção e violino), 17/01
 - Sinfonias nº 10, 11 e 13, e outras obras. Promete.

Mozart, agora com direcção de Christian Zacharias, 29/01
- Sinfonia Linz, nº 36

Beethoven, música de bailado Prometeu, 12/03
- em versão de concerto

Bach e Vivaldi com Andreas Scholl, 31/03
- Cantatas de Bach, concerto para violoncelo e Stabat Mater de Vivaldi, certamente um dos mais promissores concertos; Filipe Quaresma no violoncelo.

Sibelius, dir. Stefan Blunier, 10/4
- Sinfonia nº3

Canções Nórdicas, dir. côro Sofi Jannin, 9/5
- Outro programa nos antípodas de Itália, mas que pode ser uma boa surpresa. A capella, tradicionais, Sibelius, Rautavaara...

Mozart de novo, com Christian Zacharias, 21/05
- Concerto para piano nº 12, um dos mais belos, imperdível.

Sibelius, dir. Arvo Volmer, com Viviane Hagner (vl), 18/06
- Concerto para violino e Sinfonia nº5 , outro dos pontos altos da programação.

Grieg e Sibelius, dir. Joseh Swensen, 24/09
- Noite nórdica: Peer Gynt, En Saga, Sinfonia nº 6

Concerto Barroco com Pieter Wispelwey (vc), 05/11
- Vivaldi, Corelli, Geminiani, finalmente um aroma de Itália, e ainda Handel e Haydn; Wispelwey é um excelente violoncelista. Uma festa em Novembro, já com todos vacinados e sem máscara...

Ha ainda uns rotineiros Requiem de Mozart, Exultate Jubilate, Oratória de Natal de Bach, uma 'Gala de Ópera' com probabilidades de desastre, sem nada que recomende peças já ouvidas em melhores dias.

Deixo uma canção nórdica, na versão de Alfvén :

domingo, 27 de dezembro de 2020

A Glasgow School of Art, visitada em 1993


Tivemos a sorte de entrar na Glasgow School of Art antes, muito antes, do grande incêndio de 2018. Vi-a como uma Casa-Museu da arquitectura, lá dentro encontrei um labirinto de corredores e escadarias que surpreendia a cada esquina sob invulgar iluminação.


Fundada em 1845 como escola de Design, a GSA foi crescendo até se tornar uma das principais escolas de Belas Artes, Design e Arquitectura do Reino Unido. Tendo de início ocupado diferentes edificios, a Escola foi definitivamente instalada em 1909 na casa projectada para esse fim por Charles Rennie Mackintosh, arquitecto e artista que no século XX iniciou uma tendência Arte Nova influenciada pelo nascente 'japonismo' - o porto de Glasgow era uma via aberta à entrada de arte japonesa. 

Influência japonesa na entrada da GSA. Por cima da entrada, o escritório da Reitoria. Uma Geometria de simbolismo abstracto.

Como se fosse poesia a três dimensões. A única escola de Artes no mundo onde o edifício está à altura do tema.

Os famosos e únicos janelões da fachada oeste.


Os travões de janela ilustram as fases do florescimento, desde o botão nascente até à flor, alusivas ao processo criativo em Artes.

O prédio de Mackintosh em Renfrew Street é também a sua obra-prima e tornou-se um ícone da era pós-vitoriana, em especial a Biblioteca, rodeada de um balcão superior decorado e iluminada por um aglomerado central de candeeiros eléctricos suspensos.


Está quase completamente apainelada em madeira escura, e toda a decoração e mobiliário são de Mackintosh.

 


A parte do edifício dedicada à apendizagem das artes é mais restrita a visitas; são muitos estúdios, grandes e pequenos, muito ou pouco iluminados, e pelo que me apercebi bastante sóbrios e pintados de branco. Mas há detalhes como este vitral na janela do Studio 45:

 

No topo do edifício, ao longo da fachada, corre uma galeria vidrada conhecida entre os alunos por "hen run", invenção de Mackintosh: um pavilhão envidraçado, uma solução complexa mas engenhosa que remata o edifício de maneira mais informal.


Agora restaurada do incêndio, a Hen Run é uma passagem panorâmica vidrada sobre o telhado do edifício.



A casa que visitei em 1993 nunca mais voltará, com a sua patine e autenticidade. Tive mesmo sorte.

Mais:
https://www.mackintosh-architecture.gla.ac.uk/catalogue/browse/display/?rs=133&xml=des


quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Mark Edwards, arte do distanciamento


Cada vez mais é raro surgirem obras de Arte que me agradem. Há sempre duas possibilidades - não há artistas de jeito, ou sou eu que estou desabilitado para os apreciar. Esta segunda é bem mais provável.


Seja como for, gosto deste Mark Edwards ; não é capricho meu, ele está bastante bem cotado nos meios britânicos, as galerias expõem-no  e as revistas publicam-no, como esta Art North. E uma das razões porque gosto das obras dele, estranhamente, é por retratarem solidão, isolamento, silêncio - tudo aquilo de que nos queixamos e detestamos quando somos obrigados "por decreto" como é o caso agora.

Acontece que esta não é uma solidão em reclusão, mas sim ao ar livre na Natureza. E aí, francamente, acho que há outra palavra para silêncio e isolamento: poesia, neste caso poesia visual.

Waiting for the key

Mark Edwards vive e trabalha nas Terras Altas da Escócia. Foi nos passeios pelos bosques nevados que se inspirou para esta série 'The White Wood', de 2008. Diz ele:

"Um dia (...) deparei com uma foto de 1950 numa revista, onde um homem estava reflectido numa janela de uma movimentada rua de Nova Iorque vestido com sobretudo e chapéu de coco, e então eu coloquei-o num bosque. Imediatamente surgiu uma tensão: que faz ele ali ?"

O actual e crescente interesse por Edwards reconhece a sua habilidade em criar estudos contemplativos de personagens, repetindo motivos capturados no intemporal fascínio da paisagem do Bosque Branco.

The Four Observers

É monotemático ? Depende da perspectiva. Modigliani ou Morandi ou Mondrian eram monotemáticos ? Tem os seus 'ritornellos': neve, árvores, frio, silêncio, homens de chapéu e sobretudo negro. De resto, cada quadro retrata uma situação diferente.

Stopping to look

Crow men

Watching the shadows

A todos, desejo uma quadra festiva quentinha e... saudável.


domingo, 20 de dezembro de 2020

Haydn, sinfonia 'Palyndrome', por Bruno Weil


Cada vez admiro mais a obra musical de Haydn, que foi muitas vezes mais longe do que Mozart - se exceptuarmos a Ópera. Sinfonias e concertos de Haydn são em muitos casos mais inovadores e complexos, enquanto as de Mozart são mais inspiradas.

Esta de que falo hoje, a número 47, é mais interessante do que a Relógio, a Surpresa ou a Militar, já fatigantes. A Sinfonia nº 47 de Haydn levou baptismo de Palíndrome, que designa palavras como ana, ovo, radar, osso, reviver ou luz azul, ou madam (inglês), palavras ou frases que se mantêm quando se inverte a ordem das letras.

No caso da nº 47, Haydn usou várias vezes o "contraponto invertido", acompanhando uma sequência de notas com a sequência simétrica uma oitava acima (ou abaixo) noutros instrumentos. No  "Minuetto al Roverso", o de maior impacto, fez o mesmo mas sequencialmente: a segunda parte é a primeira de trás para a frente, como reflectida no espelho.  

Al roverso symfonie 47 Haydn.png

O efeito é engraçado. Ouçamos, por Bruno Weil e a Tafelmusik,
o Menuetto alla rovescio é aos 15:54


Todos os detalhes da escrita musical são invertidos, não só a altura ou duração das notas: também as pausas, as articulações, as acentuações e os contraste dinâmicos, tudo está calculado para ser ouvido em perfeita simetria; e o mais engraçado é que a estrututa harmónica invertida não só 'funciona' mas é mesmo realçada pelo processo de inversão. Há ainda outro nível de simetria menos óbvio, na ordem dos andamentos (minuettos e trios), que em 'da capo' são repetidos por ordem inversa.

Mas é claro que a sinfonia merece ser ouvida no todo; o adagio (aos 8:08) é particularmente bonito. Esta sinfonia de 1772 era particularmente admirada por Mozart, que se disse por ela influenciado.

Bom domingo, e que isto tenha ajudado a passar dez minutinhos.


quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Jäätee, a estrada de gelo para Hiiumaa + texto de Nancy Campbell


Já aqui referi o livro Fifty Words for Snow de Nancy Campbell. É dele que agora publico um dos textos, que traduzi, sob o título Jäätee, que significa 'estrada de gelo' em estoniano. Será este o meu post de Natal.


Historicamente a Estónia, depois da era Viking,  e desde o início da Liga Hanseática, esteve ocupada pela Dinamarca, Suécia, Polónia, Alemanha e finalmente Rússia; todo este tempo ameaçada, dividida, combatendo sempre pela independência, que só teve no intervalo entre 1918 e 1940 e agora desde 1988, até custa a acreditar que tenha conseguido manter a sua própria língua e identidade nacional. E um elevado nível de cultura musical !

A Estónia é agora um dos pequenos países da União Europeia, com uma forte identidade Báltica; é prejudicada pela geografia do seu parco terrritório, em parte constituído por ilhas - mais de 800. Se juntarmos 1500 lagos, que terra firme sobra? Por outro lado, são ilhas e lagos, com as florestas que os rodeiam, que constituem a natureza mais preciosa do país. Hiiumaa e Saaremaa (desta já aqui falei) são as duas maiores ilhas, e é indispensável que estejam interligadas entre si e com o continente. No Inverno, esta zona do Báltico congela numa larga placa, cuja espessura costuma permitir o trânsito de veículos; é este percurso sobre o gelo que recebeu o nome de Jäätee - a língua estoniana é parente próximo do finlandês.




Traduzo então Nancy Campbell:

"No Inverno, surgem estradas sobre a superfície gelada dos mares, lagos e rios da Estónia. Nestas rodovias, não há nada senão brancura até ao longínquo horizonte, talvez uma faixa escura de coníferas no espelho retrovisor, e um silêncio absoluto. Isto contribui para uma bizarra experiência de condução na estrada que se prolonga por 26 km desde o porto de Rohukula no continente através do Mar Báltico até à ilha de Hiiumaa. 



Nesta que é a mais longa Jäätee da Europa há algumas marcações para cumprir. Um carro tem de seguir a faixa de gelo marcada por veículos anteriores, passando um eventual sinal de trânsito, ou guiar-se por grandes ramos de zimbro, 'plantados' de pé como se fossem árvores a crescer da neve por magia, que indicam os limites seguros da estrada. 



Durante a viagem, que pode levar pelo menos uma hora, os viajantes disfrutam uma visão cinemática a desenrolar-se no pára-brisas, e podem ter a sensação que estão a atravessar a fronteira do mundo.  Recomenda-se uma boa banda sonora.


É tanto um alívio como uma contrariedade que a linha de costa de Hiiumaa apareça, uma ténue sombra ao longe. O contemplativo céu e a prateada finura da Jäätee são em breve substituídos por asfalto coberto de sal e rotundas sob geada granulada, e toda a infraestrutura atrapalhada de portagens, barracões, lampiões e postes telegráficos.



As estradas de gelo só abrem durante as horas de luz do dia, e mesmo então os flocos de neve podem prejudicar a visibilidade. Esta estrada é um atalho, em linha recta, mas nunca deve ser percorrida à pressa nem a vaguear em sonho. As velocidades devem manter-se entre 25 e 40 km/h - o limite inferior é importante. Não é permitido parar. É uma precaução contra variações súbitas no ritmo de andamento, que podem originar uma onda sobre o gelo; se essa onda se for acumulando, pode ter força para quebrar a placa. ( ...)"

                                                          Nancy Campbell, Fifty Words for Snow
                                                          [tradução minha]



--------------------------------------------
Ilha plana, Hiiumaa nada tem de notável a não ser talvez um conjunto de antigos moínhos de vento como já não se vêem noutras paragens.




Na principal povoação Kärdla há um museu !

À entrada, o antigo posto dos bombeiros, agora Turismo.

Rua no Inverno

Pikk Maja, a Casa Longa, um museu dedicado à ilha.

E finalmente um sítio quentinho! A cafetaria do museu. Sem máscara, bons tempos, ainda nos vamos esquecer.


Que longo Inverno este. Que estejamos vacinados na Primavera, é o meu desejo para 2021.



sábado, 12 de dezembro de 2020

Prendas para a árvore, "lá fora um grande silêncio como um deus que dorme"


Leituras, música, e mais, para um Inverno pandémico. Natais há muitos, se neste vai faltar ambiente de festa teremos sempre os afectos, as conversas, decorações, e ofertas. Os deuses dormem, o Pai Natal hiberna.

LIVROS

Fifty words for snow, Nancy Campbell, 2020

Não é literatura, mas é um livro bonito, edição impecável, com textos informativos e às vezes evocativos sobre cinquenta palavras (em outras tantas línguas) relacionadas com neve. Umas vezes é sobre a própria palavra, outras vezes são descrições de vidas ou lugares em curtos textos. Scanjáš (sami), Sastrugi (russo), Unatsi (Cherokee), Kava (faroês), Jäätee (estoniano) ...


Poems to save the world with, Chris Riddell, 2020

No mesmo registo de livro-objecto que dá gosto folhear, é uma recolha de poemas que inclui muitas obras primas intemporais e ilustrações do autor. Stevenson, Dryden, Dickinson, Carroll, Yeats, Whitman... e alguns do próprio Riddell, um deles alusivo à pandemia, que começa assim

I sat beneath the May moon last night
and missed my life,
in silver and shadow with
a distant trundling of trains
going nowhere.


El Infinito en un junco, Irene Vallejo 

Por favor, não queiram a tradução portuguesa, feia, infectada de gralhas no pior do danado A.O. 90! Mau serviço da Bertrand. Ainda estou à espera da edição francesa, porque o meu castelhano é muito deficiente, fico muitas vezes emperrado em palavras ou expressões.

Coisas mais sérias:

A máquina pára e outros contos, E. M. Forster,  2020

Conto estranhamente premonitório, e outros apenas fantasiosos, publicados no início do século XX. Forster já antecipa o telemóvel e a ineternet (a 'Máquina'), a catástrofe climática, a vida virtual... Esta, para variar, é uma tradução decente em português correctamente ortografado (Antígona).

"... passaram-se uns bons quinze segundos até que a chapa redonda que ela tinha nas mãos começasse a brilhar. Uma ténue luz azul atravessou-a, escurecendo até se tornar roxa, e agora ela conseguia ver a imagem do filho, que vivia do outro lado da Terra, e ele conseguia vê-la a ela.
...
- Mas eu estou a ver-te! - exclamou ela. - Que mais queres tu?
- Quero vê-la sem ser através da Máquina."

"I want to see you not through the Machine", escreve Forster ! em 1909 !

Destacado e nítido, antologia de Fernando Pessoa, por Miguel Almeida

Mais uma, mas talvez a melhor ! Excelentes as escolhas, algumas que nunca antes lera, assim é um gosto a nossa língua e um pensamento rebelde no melhor sentido. Parabéns, Miguel Almeida e Manufactura.

Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas-noites.
E a minha voz contente dá as boas-noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, sem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito,
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.


MÚSICA CLÁSSICA

Como cada vez há menos edições novas em CD, a escolha é limitada. Este ano fiquei rendido a Francesco Piemontesi e à sua gravação dos Concertos para Piano de Mozart, com a Scottish Chamber Orchestra e Andrew Manze:

O que piano e orquestra produzem é uma revelação, quase como se ouvisse estes concertos pela primeira vez.

Ode for St Cecilia Day, Handel, pelos Dunedin Consort


Desta famosa Ode de Handel com poema de Dryden já existem muito excelentes gravações. Esta de 2018 vale sobretudo pela invenção instrumental dos Dunedin Consort, e pela incomparável Carolyn Sampson: 'What passion cannot Music raise and quell' é arrepiante.

Mas se querem um grande clássico, tenho estado a ouvir a pianista Maria Tipo, uma das que mais admiro, em várias obras de Bach, Beethoven, Mozart e Scarlatti. As gravações são ADD, dos anos 80 e 90.

Fica aqui, em registo ao vivo , o Gesangvoll da sonata nº30 op. 109:

OUTRAS MÚSICAS:

Aqui não tenho dúvidas em recomendar 'Shiver', o novo Jónsi , leader dos Sigur Rós a solo. Estranhas atmosferas, uma cosmologia sonora delirante, entre o sonho e o pesadelo. Um cheirinho:


Exhale, do álbum Shiver


OUTRAS COISAS

Oxímetro de dedo


Um pequeno aparelho electrónico que mede a percentagem de oxigénio no sangue (saturação). Nunca deve estar abaixo de 90%, a sua medida pode ajudar a detectar precocemente algum problema nos pulmões - o que é útil nesta pandemia. O modelo Oxybion, 'made in France', é o que tenho em casa (não tenho parte dos lucros, não).

---------------------------------
Uma boa quadra, com momentos quentinhos e doces!