Mostrar mensagens com a etiqueta em pandemia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta em pandemia. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Solstício de Verão das janelas de minha casa


Para morador urbano, não estou muito mal servido de janelas, é verdade. Note-se que as fotos foram tiradas com o vidro fechado.

Choupos à frente...

Amoreiras, um salgueiro chorão e pinheiros atrás, o mar ao fundo...

Varandita a poente...

E o solstício a jorrar ao fim da tarde da minha janela sobre o mundo, e sobre a música...

He visto desde mi ventana
la fiesta del poniente en los cerros lejanos.
A veces como una moneda
se encendía un pedazo de sol entre mis manos.
                                                                              Pablo Neruda

Preferia as Shetland ou a Toscana? Sem dúvida. Mas devo contentar-me com a sorte que tenho, e que devo tanto...



domingo, 20 de junho de 2021

Viviane Hagner e Arvo Volmer trouxeram o melhor de Sibelius à Casa da Música


Para Arvo Volmer é um regresso: já em 2018 tinha estado na CdM com a 5ª de Sibelius, como dei conta num post aqui. Disse na altura que tinha sido o melhor concerto do ano na Casa; desta vez vai pelo mesmo caminho, até agora não houve nada a este nível. Volmer é especialista em Sibelius e Tuni, um compositor estoniano que está a procurar promover.

Também Viviane Hagner voltou à Casa, agora com o empolgante concerto para violino de Sibelius. A violinista ficou conhecida pelas gravações de conceros de Vieuxtemps, que são virtuosísticos quanto baste. 

Tanto quanto apurei, dedica mais tempo ao ensino que a concertos, mas na CdM exibiu à fartura as qualidades técnicas - não se poupou em passagens difíceis e foi sempre intensamente emotiva em pianíssimos ou em mudanças de ritmo ou de tensão. O 2º andamento foi um momento comovente de expressivo lirismo, muitíssimo bonito.

Nunca tinha ouvido este concerto tão bem interpretado, só por isso valeu a pena. Perante a aclamação da assistência, Viviane tocou como encore uma obra de ... Tárrega! Transcrita de guitarra para violino, claro. Bem difícil.

Depois veio a 5ª de Sibelius, uma obra genial, uma de duas ou três entre as 8 que Sibelius escreveu. Nunca me canso de a ouvir, de tal modo a orquestração é rica e variada, usando todos os naipes e secções, alternando ritmos - é também bastante visual se atentarmos à espacialidade orquestral no seu todo. Volmer deve tê-la dirigido em palco já centenas de vezes, fez com que a Orquestra da CdM se elevasse ao seu melhor, muito bem coordenada e quase deslumbrante; apenas me pareceu que poderia ter sido um pouco mais incisivo, dinâmico, aqui e ali, havendo momentos em que a música soava como estando em piloto automático (sem prejuízo da execução técnica).

18 de Junho
Arvo Volmer direcção
Viviane Hagner violin
Sibelius
- Concerto para violino e orquestra
- Sinfonia n.º 5

Não terminar sem música ! Sarah Chang no Adagio do Concerto.

domingo, 9 de maio de 2021

Para que é que 'isto' serve ? (inquérito sem cruzinhas, mas com poesia)

Dou cada vez mais comigo a falar e a escrever como estivesse sozinho aqui, como se mais ninguém viesse ler. Ora ainda não chegamos a esse ponto; o registo de visitas nos posts mais recentes é

30-46-27-42-37-52-44-40-31-39-44-43-38-33-34-44-33-34-36-38-35-52-69-39-37-47-41-49-26-35-28-31-27-43-28-31-32-37-40-36-29-36-28-25-40-29-36-36-30-33-40-32-33-34-32-26-32-66-23-57-25-37-41-31

Se não me engano, os valores médio e mediano andam pelo 36. Não existe quelquer lógica na diferença de popularidade, a não ser algum nome sonante no título. Alice Mary Smith, compositora, teve o valor máximo nesta amostra. O total diário de visualizações em todos os posts está abaixo de 100 (cerca de 70), com picos máximos na casa dos 130.

[ E agora que toda a gente farta de números da pandemia já deve ter deixado de me ler, perdi também 90% desses poucos]

Mas o que quero constatar é que ainda não falo para as paredes, ou neste caso, para o écran, sem olhinhos do lado de lá a retribuir. São pouco mais de 30 pares de olhinhos, mas ainda fazem toda a diferença. E se estou grato a esses habitués, ainda mais feliz me fazem os outros extra 30 pares de olhinhos, possivelmente estrangeiros, que aqui caem talvez por mero acaso. O meu alvo são as 40 visualizações, é o número que me deixa feliz; no mundo globalizado com 4,7 milhares de milhões de potenciais navegantes, isso perfaz 0,000 000 85% de share, número que me reduz a uma confortável e bem-aventurosa irrelevância. 

Mas não me reduz a falar para as paredes. Apenas a conversar, olhos nos olhos, com pessoas que gostaria de conhecer.

Vem aí, a seguir, mais outra improvável viagem de exploração ao Ártico, caros amigos. Mas entretanto podem pedir: livros, poesia, cidades, museus, viagens, arquitectura, história, e qualquer tipo de coisas inúteis. Às ordens.

E para encerrar, um tesouro; escrevia Emily Dickinson :

    My friend must be a Bird— 
    Because it flies! 
    Mortal, my friend must be, 
    Because it dies!
    Barbs has it, like a Bee! 
    Ah, curious friend! 
    Thou puzzlest me!
 

                                  O meu amigo só pode ser uma Ave -
                                  Pois ele voa !
                                  Mortal, o meu amigo tem de ser
                                  Pois ele morre!
                                  Tem ferrão, como a Abelha!
                                  Ah, bizarro amigo!
                                  desorientais-me ! 


                                   

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Não, não é ainda medo. É o derramar da mediocridade. [Rafael Guillén]


Rafael Guillén é um poeta difícil de encontrar. Neste poema, parece que fala por mim, ou eu por ele. Tão actual que até dói.

Y la mediocridad, como una lava
caliente, derramada
sobre el trigo, y la voz, y las ideas.


       Medo, não é. Talvez uma bruma alta,
       a possibilidade do medo, o muro
       que pode desabar, porque é certo
       que por detrás está o mar.

       Medo, não é. O medo tem um rosto,
       é exterior, concreto,
       como um fuzil, um aloquete,
       como um menino que sofre,
       como o negrura escondida
       em todas as bocas dos homens.
       Medo, não. Talvez só o estigma
       dos filhos do medo.

       É uma apertada rua, interminável
       com todas as janelas às escuras.
       É um cordel de mãos viscosas,
       amáveis, sim, não amigas.
       É um pesadelo
       de horripilantes e corteses ritos.

       Medo, não é. O medo é uma alta portada.
       Estou a falar aqui de um labirinto
       de portas entreabertas, com supostas
       razões para ser, para não ser,
       para classificar a desventura
       ou a ventura, o pão, ou um olhar
       -- ternura e medo e frio -- pelos filhos
       que crescem. E o silêncio.
       E as cidades cintilantes, vazias.
       E a mediocridade, como uma lava
       quente, derramada
       sobre o trigo, e a voz, e as ideias.

       Não é medo, não.
       O medo a sério ainda não chegou.
       Mas há-de vir.
       É a consciência dúbia
       de que a paz também é movimento.
       E digo isto em voz alta e receoso.

       E não é medo, não. É a certeza
       de que estou a jogar, numa só carta,
       o pouco que pude empilhar,
       talhe a talhe, para os meus companheiros homens.


                                                             Rafael Guillén (Granada, 1933 - )


Nota: de momento é o que tenho a dizer para o 25 de Abril

domingo, 11 de abril de 2021

Muro da Memória Covid, Londres

 Este memorial não foi erigido e inaugurado com pompa por nenhuma instituição ou ministério. Foi surgindo da mão das pessoas, sob a trágica inspiração de uma avalanche colectiva de mortes. Vamos a caminho dos três milhões, desde a 2ª Grande Guerra nada se lhe compara. 

Se há Arte Popular, é isto: belo e feito pelo povo de Londres. É uma parede ao longo do passeio fluvial do Tamisa, na margem oposta ao Parlamento. 







Sombras, que vão lembrar sempre o que foram os miseráveis anos 20 do século.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Anselm Kiefer expõe quadros tremendos na Gagosian - Le Bourget


Já referi Kiefer como um dos maiores pintores destas últimas décadas. Vi-o em Zurique, em Basileia e em Viena; agora, em plena pandemia, expõe até fim de Março nos antigos hangares do aeroporto Le Bourget de Paris, desde 2012 convertidos pour Jean Nouvel em galeria de arte Gagosian.

Anselm Kiefer inspirou-se desta vez no Campo do Pano de Ouro (Camp du Drap d'Or), local do encontro de reis em Junho de 1520: Henrique VIII da Inglaterra e  Francisco I da França reuniram na costa francesa, um pouco a sul de Calais, com o objectivo de estreitar os laços de amizade, em consequência do tratado anglo-francês antes assinado. A guerra voltaria ... no ano seguinte.

Esse encontro foi celebrado num quadro do séc. XVI (~1545), poucos anos depois:


Afirma Kiefer que o título não explica a exposição, é antes uma 'alusão'. A História é um dos materiais que usa, como o gesso na escultura ou a cor na pintura. Assim como usa mitos e metáforas dos Evangelhos.

Por outro lado, em cada quadro há referências literárias. A poesia de Paul Célan está presente, há muito que é recorrente em Kiefer.

          Des coeurs et des esprits
          Naissent les épis de la nuit,
          et un mot, prononcé par des faux,
          les incline vers la vie.


                    From Hearts and Brains
                    The Stalks of Night are Sprouting,
                    And one Word, spoken by Scythes,
                    Inclines them to Life.

[Pavot et Mémoire]

Nas fotos não se nota, mas os monumentais quadros adquirem uma terceira dimensão, pois sobre a pintura são colados outros elementos como palha, madeira, metal, areia, cinzas e lamas, chumbo, cimento, vidro e raízes de plantas, que determinam um "relevo quase visceral." E que representam ? Campos de ouro sob céu negro ou campos de destruição sob céu de ouro, uma dualidade que podemos interpretar como "a destruição da vida humana" a par, ou alternando, com a "persistência do seu lado divino". 

[baseado nas notas da Galeria]

Abre com The Field of the Cloth of Gold  /  Camp du Drap de l'Or


Segue From Hearts and Brains the Stalks of Night are Sprouting


One word Spoken by Scythes


E vêm as sete pragas do Antigo Testamento, despejadas sobre os homens pecadores :

The Seven Bowls of Wrath / Les Sept Coupes de la Colère


Os hangares do Bourget oferecem a espacialidade adequada, até mesmo pelas restrições de ajuntamentos.


Tremendo. De certa maneira vivemos uma praga dessas, entre céu de ouro e humanidade devastada.



domingo, 7 de fevereiro de 2021

Oração pela Serenidade, de Brian Bilston


Não será um dos seus melhores poemas, mas é de uma simplicidade bem actual.

                                      Serenity Prayer

                                      Send me a slow news day,
                                      a quiet, subdued day,
                                      in which nothing much happens of note,
                                      just the passing of time,
                                      the consumption of wine,
                                      and a re-run of Murder, She Wrote.

                                      Grant me a no news day,
                                      a spare-me-your-views day,
                                      in which nothing much happens at all –
                                      a few hours together,
                                      some regional weather,
                                      a day we can barely recall.

Alexa, What Is There to Know About Love



          Oração pela Serenidade

          Enviem-me um dia lento de notícias
          um dia tranquilo, pachorrento,
          em que nada de especial aconteça,
          só o tempo que passa,
          vinho consumido em taça
          e uma repetição de Crime, disse Ela.

          Concedam-me um dia sem notícias,
          um dia poupa-me-os-teus-pontos-de-vista,
          em que nada acontece em nenhum lugar -
          umas horitas juntos, enfim,
          o tempo local do boletim,
          um dia que seja difícil recordar.

 

domingo, 31 de janeiro de 2021

Escolhas de Tracy Chevalier em confinamento - '#lockdown art'.


A escritora Tracy Chevalier (Girl with a Pearl Earring, The Lady and the Unicorn, Burning Bright, A Single Thread) tem publicado no Twitter uma série de posts com as obras de arte que a ajudam a aguentar este período de restrições, que titulou #Lockdown Art. É como se visitássemos demoradament um museu, ao ritmo de uma obra por semana, ou de 15 em 15 dias... e todas escolhidas a dedo. Tracy não será perita em Arte, mas como estudiosa que muitas vezes cita objectos artísticos nas suas novelas, merece-me atenção.

Já nem vou colar aqui 'Rapariga do Brinco de Pérola'; Chevalier vai no entanto buscar outro Vermeer para a sua lista de preferidas:

Menina lendo uma carta à janela, Vermeer

Sim, em confinamento devíamos escrever e receber cartas... regressar à preferência pelo Serviço Postal ! Mas ainda a propósito deste quadro, a escritora publica também a 'versão' fotográfica moderma de Tom Hunter, notável:

Woman Reading a Possession Order, Tom Hunter, 1998

Influências de Vermeer também nesta obra do dinamarquês Vilhelm Hammershøi, o ´poeta do silêncio' :

Interior com Ida numa cadeira branca, 1900

Um dos melhores livros de Tracy foi escrito à volta da manufactura da tapeçaria flamenga "La Dame a la Licorne": 

À mon seul désir, Flandres, ca. 1500. (Jean d'Ypres ?)

Também favorito, este Murillo ilustra uma forma triste de estar à janela, Mujeres en la ventana:


Outra Femme a la fenêtre, desta vez de Degas, igualmente sublime; tal como Tracy, muitas pessoas se terão sentido assim.


Genial, esta obra de Kandinsky, um homem só frente à cidade:

Pintura com casas (Bild mit Hausern), Kandinsky

E a terminar hoje, com algum humor, esta gravura de 1793 de William Blake que Tracy escolhe também como favorita, I want ! I want !

Fugir para a Lua ! :) Sim !

A lista prolonga-se, um ou outro não me agrada por aí além; mas talvez a ela volte se surgirem mais maravilhas.

------------------------------------
Sei de uma pessoa em Portugal que faz Arte do confinamento. Publica no blog Silvertree, vão lá ver, tem fotografias lindíssimas, algumas com texto - e a autora escreve tão bem como fotografa. Não diverte, mas expõe-se e comove.


sábado, 12 de dezembro de 2020

Prendas para a árvore, "lá fora um grande silêncio como um deus que dorme"


Leituras, música, e mais, para um Inverno pandémico. Natais há muitos, se neste vai faltar ambiente de festa teremos sempre os afectos, as conversas, decorações, e ofertas. Os deuses dormem, o Pai Natal hiberna.

LIVROS

Fifty words for snow, Nancy Campbell, 2020

Não é literatura, mas é um livro bonito, edição impecável, com textos informativos e às vezes evocativos sobre cinquenta palavras (em outras tantas línguas) relacionadas com neve. Umas vezes é sobre a própria palavra, outras vezes são descrições de vidas ou lugares em curtos textos. Scanjáš (sami), Sastrugi (russo), Unatsi (Cherokee), Kava (faroês), Jäätee (estoniano) ...


Poems to save the world with, Chris Riddell, 2020

No mesmo registo de livro-objecto que dá gosto folhear, é uma recolha de poemas que inclui muitas obras primas intemporais e ilustrações do autor. Stevenson, Dryden, Dickinson, Carroll, Yeats, Whitman... e alguns do próprio Riddell, um deles alusivo à pandemia, que começa assim

I sat beneath the May moon last night
and missed my life,
in silver and shadow with
a distant trundling of trains
going nowhere.


El Infinito en un junco, Irene Vallejo 

Por favor, não queiram a tradução portuguesa, feia, infectada de gralhas no pior do danado A.O. 90! Mau serviço da Bertrand. Ainda estou à espera da edição francesa, porque o meu castelhano é muito deficiente, fico muitas vezes emperrado em palavras ou expressões.

Coisas mais sérias:

A máquina pára e outros contos, E. M. Forster,  2020

Conto estranhamente premonitório, e outros apenas fantasiosos, publicados no início do século XX. Forster já antecipa o telemóvel e a ineternet (a 'Máquina'), a catástrofe climática, a vida virtual... Esta, para variar, é uma tradução decente em português correctamente ortografado (Antígona).

"... passaram-se uns bons quinze segundos até que a chapa redonda que ela tinha nas mãos começasse a brilhar. Uma ténue luz azul atravessou-a, escurecendo até se tornar roxa, e agora ela conseguia ver a imagem do filho, que vivia do outro lado da Terra, e ele conseguia vê-la a ela.
...
- Mas eu estou a ver-te! - exclamou ela. - Que mais queres tu?
- Quero vê-la sem ser através da Máquina."

"I want to see you not through the Machine", escreve Forster ! em 1909 !

Destacado e nítido, antologia de Fernando Pessoa, por Miguel Almeida

Mais uma, mas talvez a melhor ! Excelentes as escolhas, algumas que nunca antes lera, assim é um gosto a nossa língua e um pensamento rebelde no melhor sentido. Parabéns, Miguel Almeida e Manufactura.

Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas-noites.
E a minha voz contente dá as boas-noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, sem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito,
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.


MÚSICA CLÁSSICA

Como cada vez há menos edições novas em CD, a escolha é limitada. Este ano fiquei rendido a Francesco Piemontesi e à sua gravação dos Concertos para Piano de Mozart, com a Scottish Chamber Orchestra e Andrew Manze:

O que piano e orquestra produzem é uma revelação, quase como se ouvisse estes concertos pela primeira vez.

Ode for St Cecilia Day, Handel, pelos Dunedin Consort


Desta famosa Ode de Handel com poema de Dryden já existem muito excelentes gravações. Esta de 2018 vale sobretudo pela invenção instrumental dos Dunedin Consort, e pela incomparável Carolyn Sampson: 'What passion cannot Music raise and quell' é arrepiante.

Mas se querem um grande clássico, tenho estado a ouvir a pianista Maria Tipo, uma das que mais admiro, em várias obras de Bach, Beethoven, Mozart e Scarlatti. As gravações são ADD, dos anos 80 e 90.

Fica aqui, em registo ao vivo , o Gesangvoll da sonata nº30 op. 109:

OUTRAS MÚSICAS:

Aqui não tenho dúvidas em recomendar 'Shiver', o novo Jónsi , leader dos Sigur Rós a solo. Estranhas atmosferas, uma cosmologia sonora delirante, entre o sonho e o pesadelo. Um cheirinho:


Exhale, do álbum Shiver


OUTRAS COISAS

Oxímetro de dedo


Um pequeno aparelho electrónico que mede a percentagem de oxigénio no sangue (saturação). Nunca deve estar abaixo de 90%, a sua medida pode ajudar a detectar precocemente algum problema nos pulmões - o que é útil nesta pandemia. O modelo Oxybion, 'made in France', é o que tenho em casa (não tenho parte dos lucros, não).

---------------------------------
Uma boa quadra, com momentos quentinhos e doces!

 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

'Limiar' , a pandemia lida num poema de R. S. Thomas

 
Parece escrito intencionalmente sobre o Covid (apesar da alusão feita a uma 'bactéria'). Publicado em 1983, é um dos grande poemas de Thomas sobre a procura de um Deus que não encontra; agora, a leitura revela uma  impressionante actualidade, sobretudo o verso final, "hoping for the reciprocal touch".
 
    Elevo-me dos pensamentos
    cavernosos para a escuridão pior
    lá fora, onde coisas acontecem e
    não há Deus nenhum nelas.

    Tenho ouvido a quieta, pequena voz
    que era a das bactérias
    a demolir o meu cosmos. Eu
    demorei tempo demais 
 
    neste limiar, mas onde hei-de ir ?
    Olhar para tras é perder o ânimo
    que eu ia levantando em direcção à
    luz. Olhar para a frente? Ah,

    que equilíbrio é preciso ter
    nas bordas de um tal abismo.
    Estou só, na superficie
    de um planeta em rotação. Que

    fazer, senão, como o Adão
    de Michelangelo, estender a mão
    pelo espaço desconhecido,
    à espera do toque recíproco?
 
 
------------------------------------------

Threshold, by R.S. Thomas

      I emerge from the mind’s
      cave into the worse darkness
      outside, where things pass and
      the Lord is in none of them.

      I have heard the still, small voice
      and it was that of the bacteria
      demolishing my cosmos. I
      have lingered too long on

      this threshold, but where can I go?
      To look back is to lose the soul
      I was leading upwards towards
      the light. To look forward? Ah,

      what balance is needed at
      the edges of such an abyss.
      I am alone on the surface
      of a turning planet. What

      to do but, like Michelangelo’s
      Adam, put my hand
      out into unknown space,
      hoping for the reciprocating touch?

                                                        Ronald Stuart Thomas, 1983

                                                        [Poeta do País de Gales, um dos maiore do séc XX]


terça-feira, 14 de julho de 2020

A Estranha Nuvem Negra / The weird black Cloud



Um destes últimos fins de tarde de Julho, surgiu no horizonte (visto da minha varanda) uma estranha nuvem, que começou com uma forma de monstro marinho a levantar-se da linha do mar, com se emanasse das águas, invadindo aos poucos a tonalidade mais clara do céu como um borrão de tinta suja.


Parecia mau presságio, como uma pandemia a expandir-se, ou como um turbilhão de ódio a alastrar pelo mundo, ou como um desastre nuclear.


Subitamente o vento passou a soprar de sul, cada vez mais forte, e a nuvem estranha foi sofrendo uma deformação para norte.



Espectáculo raro, belo à sua maneira. O mar também escureceu e ariscou, ajudando ao clima de arrepio.



Felizmente esticou-se de mais; é bem feito, acabou dispersa num fiozinho estreito e inofensivo.

Por esta vez, venceu a luz e o azul, que se ia tornando alaranjado, cada vez mais rubro. E o dia acabou em cores quentes, como se em festa. Por esta vez.



These are the clouds about the fallen sun,
The majesty that shuts his burning eye:
The weak lay hand on what the strong has done,
Till that be tumbled that was lifted high
And discord follow upon unison,
And all things at one common level lie.

                                                              W. B. Yeats, 1916


          Estas são nuvens sobre o sol em queda,
          a majestade que fecha o olho ardente:
          os fracos que pousam mão sobre o mais forte
          até tombar de onde se elevou, desamparado,
          e a discórdia se abater sobre o consenso,
          e tudo estar caído ao nivel mais vulgar.