Rafael Guillén é um poeta difícil de encontrar. Neste poema, parece que fala por mim, ou eu por ele. Tão actual que até dói.
Medo, não é. Talvez uma bruma alta,
a possibilidade do medo, o muro
que pode desabar, porque é certo
que por detrás está o mar.
Medo, não é. O medo tem um rosto,
é exterior, concreto,
como um fuzil, um aloquete,
como um menino que sofre,
como o negrura escondida
em todas as bocas dos homens.
Medo, não. Talvez só o estigma
dos filhos do medo.
É uma apertada rua, interminável
com todas as janelas às escuras.
É um cordel de mãos viscosas,
amáveis, sim, não amigas.
É um pesadelo
de horripilantes e corteses ritos.
Medo, não é. O medo é uma alta portada.
Estou a falar aqui de um labirinto
de portas entreabertas, com supostas
razões para ser, para não ser,
para classificar a desventura
ou a ventura, o pão, ou um olhar
-- ternura e medo e frio -- pelos filhos
que crescem. E o silêncio.
E as cidades cintilantes, vazias.
E a mediocridade, como uma lava
quente, derramada
sobre o trigo, e a voz, e as ideias.
Não é medo, não.
O medo a sério ainda não chegou.
Mas há-de vir.
É a consciência dúbia
de que a paz também é movimento.
E digo isto em voz alta e receoso.
E não é medo, não. É a certeza
de que estou a jogar, numa só carta,
o pouco que pude empilhar,
talhe a talhe, para os meus companheiros homens.
Rafael Guillén (Granada, 1933 - )
Nota: de momento é o que tenho a dizer para o 25 de Abril
1 comentário:
É oficial, Mário: é o meu "curador" favorito de poesia, muito à frente de qualquer outro concorrente. E que poema. Obrigado.
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