quinta-feira, 15 de abril de 2021

Só agora fui tocado pelas 4 de Schumann, gratias Simon Rattle e Thomas Dausgaard

  Andei sempre renitente às sinfonias de Schumann, chatas e empasteladas, reverberantes nos metais e repetitivas. Suspeitei que andassem muito mal tocadas, e não é que andavam mesmo? O primeiro indício foi com Harnoncourt, que mostrou que se podia fazer diferente. Mas não foi tão longe quanto era preciso, só melhorou os tempi e cortou seco os ligati beneficiando as dinâmicas, mas o Schumann dele acaba por cansar também. Faltou tocar como quem gosta mesmo da obra, com entusiasmo. 

Entusiasmo surgiu com o segundo toque, de David Zinmann, com a Orquestra Zurique que tão bem se tinha saído com Beethoven. Zinmann livrou as sinfonias de gorduras excessivas, extirpou a chatice e o empastelamento, e comecei a descobrir a riqueza da orquestração, ouvi a gravação várias vezes; todavia Zinmann imprimiu algum excesso de secura, e eu continuava desconsolado - é tudo? Não se pode fazer ainda melhor por Schumann?

Ouvir a gravação de 2015 de Simon Rattle à frente da Filarmónica de Berlim é uma revelação !  Schumann renasce pujante de vida, é um milagre, digo eu, sr Rattle, santo milagreiro.

E consegue sistematicamente, em todas as 4 sinfonias, operar uma transformação radical, dos tempi, dos contrapontos, dos ritmos sobretudo, do equilíbrio cordas / metais, o homem é um génio para ver o que ninguém via. Conseguiu uma referência interpretativa intemporal. Bravo.

E como é sabido não se 'colou' à Filarmónica de Berlim , aceitou mesmo um modesto regresso a Londres ! Está de entrada no painel dos deuses da Música, este Simão.

Thomas Dausgaard é um caso muito diferente: um maestro dinamarquês (n.1963), país que tem crescido ultimamente muito para a música. Dausgaard fez carreira sobretudo na Orq. de Câmara Sueca e na excelente Orq. Nacional da Dinamarca; é com esta colecção das sinfonias de Schumann em 2008 (ando sempre atrasado) que se revelou como grande dirigente na escola de rigor histórico. 


Vai sem dúvida mais longe que Zinmann, as opções agógicas com que trabalha as sinfonias, sejam ou nao autênticas, tornam a audição um prazer intenso que se agarra com sofreguidão. O vigor e a precisão combinam com a luminosa exposição de detalhes nunca ouvidos, salientados por contraste com a 'massa' orquestral que também não é pastosa mas vibrante, exuberante. Logo aos primeiros acordes, o entusiasmo é finalmente completo !



Parece um catraio a brincar com a orquestra, mas um catraio muito sabedor, que estudou muito a fundo a lição e resolveu fazer um brilharete: se a lição lhe foi apresentada enfadonha, ele vai dar-lhe a volta e mostrar os segredos e maravilhas que ela afinal encerra. E conseguiu !  É o meu maestro fétiche para os proximos tempos. 


Balanço: Simon Rattle mais sério e clássico com a Berlim, Dausgaard atrevido e inovador com a Danish.

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