domingo, 25 de junho de 2023

Seyðisfjörður, na Islândia, ártico, remoto, frio e pitoresco


A descobrir a costa leste da Islândia.


Seyðisfjörður ou Seydisfjoerdur é uma cidade e município na região dos Fiordes Orientais da Islândia, no ponto mais interor do fiorde. É quase uma povoação do Ártico, pois fica só 60 km a sul do Círculo Polar; o mais longo dia solar (e a mais longa noite) dura 21 horas.


É uma típica povoação islandesa, com um porto bem abrigado ao fundo do fiorde, rodeada de montanhas e cascatas; tem ligações marítimas às Faroé, à Noruega e à Dinamarca.

Localizada sobre a praia onde termina o fiorde, é um cantinho pristino na fabulosa paisagem e um porto privilegiado.

Seyðisfjörður

Coordenadas: 65°15′ N, 14°0′ W, apenas 1 grau a sul do Círculo Polar.
População:  ~ 800 habitantes.


Foi fundada em 1848 por pescadores da Noruega nas terras baixas do fiorde, onde existiam quintas agrícolas desde há séclos. Alguns edifícios de madeira datam ainda da fundação.

Seyðisfjörður é conhecida pelo casario e arruamentos do séc XIX.

Existem na cidade uma biblioteca, um hospital, posto de correios, duas escolas, um centro e galeria de artes visuais, um museu de Técnica e Património Local, algumas lojas, as duas únicas salas de cinema na costa leste da Islândia, uma piscina e pequenos hotéis. Não é assim tão irrelevante, portanto, é mesmo estratégica do ponto de vista administrativo e de serviços.

Bláa Kirkjan, a Igreja azul, é o marco central, ao fundo da rua Norðurgata.


Acredita-se na região que a Igreja original é do século XIII , dedicada a Sª Maria, mas foi várias vezes deslocada, chegando a Seyðisfjörður em 1921; pouco restará do original, talvez apenas as paredes de madeira.


Há uma temporada de concertos anualmente pelo Verão.
https://www.facebook.com/blaakirkjan



À medida que as visitas turísticas vão substituindo a actividade pesqueira, têm surjido vários pequenos hotéis e lojas.



A grande casa azul, antiga Farmácia, é agora um pequeno hotel.

O antigo posto dos Correios é também hotel.

Casa do século XIX, norueguesa.

Azul e vermelho são as cores dominantes; esta é talvez a mais requintada das vermelhas: a Escola de Música !

São as casas da época norueguesa, em madeira, que fazem o carácter especial da cidade.

Kaffi Lára, à entrada da Norðurgata.



O porto ainda está activo com algums barcos de pesca, mas actualmente é sobretudo marina e cais de navios.



Há anos que o ferry MS Norröna da Smyril Line mantém uma ligação diária à Dinamarca e às Faroé.

O Centro Cultural Skaftfell

Pois é, Seyðisfjörður tem uma galeria de arte :


Instalado numa casa Norueguesa de 1907, o Skaftfell é um centro de artes visuais , ponto de encontro e convívio e espaço de exposições, com um programa de residências artísticas.




Quanto ao Museu do Património Técnico e Local, foi grandemente destruído por uma derrocada da montanha situada por trás, e ainda está em restauro. Continha muito material de tecnologia 'vintage'.

Discos para estereoscópio View Master (anos 70).

Mata-borrão em madeira.

Carrinho nórdico.

A cascata Gufufoss


A 3.5 km para sudoeste de Seyðisfjörður fica esta cascata , uma das mais espectaculares da costa leste.

Gufufoss, 19 m de altura


E outras há, como a Neðri Úðafoss ...

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O primeiro cabo telegráfico a ligar a Islândia à Europa começa desde 1906 em Seyðisfjörður, e teve grande importância estratégica na primeira metade do século.
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domingo, 18 de junho de 2023

Viagens... balanço.


Estive a contar as nossas saídas de viagem em férias e cheguei ao seguinte resultado:

15 idas ao Reino Unido, icluindo 4 à Escócia
10 idas a França
8 à Itália
7 à Suíça
4 à Alemanha 
3 à Áustria
3 à Suécia
3 à Bélgica
2 à Croácia

Já são cinquenta e cinco; mas com 1 só visita há ainda a Noruega, a Rep. Checa, a Grécia, a Holanda e os E.U. (Nova Iorque). Sessenta. Não se pode dizer que não arejámos lá por fora.

Hopperstad, o mais a Norte que fomos:
Tvindefossen, perto de Hopperstad

Acrópole de Lindos (Rodes), o mais a Leste:

Nova Iorque, a mais ocidental:

Vista de South Seaport

Île de Sein, a mais remota:


Fora deste campeonato fomos pelo menos 30 vezes a Espanha ! Trinta! Das quais, onze à Galiza, o mais próximo e simpático estrangeiro que temos. A capital  mais visitada é Londres, seguida de Madrid, Zurique e Glasgow.





O pior deste cômputo é a imensidade gigantesca de sítios e cidades que mereciam a viagem mas a vida não permitiu; e isto só na Europa, já nem falo do mundo que optei por ignorar.

Symonds Yat, uma paisagem que ficou comigo para sempre.


domingo, 11 de junho de 2023

Sob o reino dos ventos a bordo de um veleiro à mercê dos mares - lendo Joseph Conrad


'Acabei' de ler O Espelho do Mar.

Conrad é um mestre da descrição de navios, do mar e da navegação. Neste livro invulgar de 1906, uma espécie de autobiografia enquanto homem do mar, são várias as páginas de antologia em que relata apaixonadamente episódios que viveu quando servia em navios veleiros, ainda jovem. O amor ao seu navio, seja  grande ou pequeno, o casco de madeira ou de ferro, fácil ou difícil de manobrar, é uma das marcas mais fortes do livro; estar no convés sob os mastros e o velame, navegando em bonança ou tempestade, preenche completamente as aspirações do genuíno marinheiro.


Sobre a malvadez dos mares:

"O oceano tem o temperamento sem escrúpulos de um autocrata selvagem estragado por muita adulação. Não consegue tolerar a mais leve tentativa de desafio, e tem permanecido inimigo inconciliável de navios e de homens, desde que navios e homens tiveram a inédita ousadia de juntos irem flutuar em frente da sua carantonha.  Desde esse dia ele desatou a engolir frotas e homens sem que o seu ressentimento seja saciado pelo número de vítimas - por tantos navios naufragados e vidas afogadas.  Hoje, como sempre, está pronto para seduzir e atraiçoar, esmagar e afundar o incorrigível optimismo dos homens que, apoiados na lealdade dos navios, estão a tentar arrancar dele a fortuna da sua casa, o domínio do seu mundo, ou apenas uma colheita de alimento para a sua fome. Se nem sempre está com o cálido feitio de esmagar, está sempre furtivamente pronto para um afogamento. A mais admirável maravilha das profundezas é a sua  insondável crueldade."

Neste outro trecho, Conrad refere-se aos ventos do quadrante Oeste dominantes na costa ocidental britânica.

"Anunciada pela crescente ferocidade das rajadas, por vezes pelo tímido clarão de um relâmpago como se fosse o sinal de uma tocha acesa acenada de longe por trás das nuvens, a reviravolta do vento chega por fim, o momento crucial em que a violência velada e sombria da ventania de Sudoeste dá lugar à ardente, cintilante, cortante, penetrante cólera do Rei do Noroeste.

Assiste-se a outra fase da sua paixão, uma fúria decorada com estrelas, porventura exibindo o crescente da Lua na sua fronte, sacudindo os restantes vestígios do retorcido manto de nuvens em rajadas de negro, com saraiva e flocos de neve caindo como chuveiros de cristal e pérolas, ressaltando das vergas, tamborilando nas velas, percutindo as capas de oleado, branqueado os conveses dos navios que regressam a casa. Débeis e pálidos clarões de relâmpagos faíscam sob as luzes das estrelas, por cima do topo dos mastros. Um golpe gelado de vento vem zumbir entre o cordame retesado, fazendo estremecer o navio até mesmo à própria quilha, fazendo os homens no seu convés tiritar de frio nas roupas encharcadas até à medula dos ossos. Antes que uma borrasca mais venha voando e se despeje sobre a amurada leste, a crista de outra já espreita acima do horizonte a oeste, correndo rápida, informe, como um saco preto de água gélida pronto a rebentar sobre a vossa preocupada cabeça. O humor do regente do oceano mudou. Cada rajada do estado nublado que parecia aquecida pelo calor de um coração flamejante de cólera cedeu à contraparte dos sopros frios que parecem expelidos de um peito feito de gelo com um súbito sentimento de repulsa. Em vez de cegar os olhos e esmagar a alma com uma terrível ostentação de núvens e neblinas e marés e chuva, o Rei do Ocidente dirige o seu poder humilhante para vos metralhar as costas com agulhas de gelo, fazer os vossos olhos exaustos lacrimejar de sofrimento, e a vossa carcassa exangue estremecer desditosamente."

E a terminar um dos capítulos:


"E contemplei o verdadeiro mar - o mar que brinca com os homens até ficarem com o coração despedaçado, e corrói navios corruptos até os destroçar. Nada pode apiedar o soturno azedume do seu coração. (...) A promessa que mantém perpetuamente é grandiosa; mas o único segredo em sua posse é a força, a força - a invejosa, incansável força de um homem que guarda um cobiçado tesouro dentro dos seus portões."

É uma escrita intensa, arrebatada, retrato de uma época passada em que os homens se aventuravam ingenua e fragilmente através dos oceanos, e que se lê com um prazer incomparável. Actualmente sabemos que, bem pior que os mares e as tempestades, o inimigo do homem é ele próprio, a sua natureza.


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imagens ©New York Times

sábado, 3 de junho de 2023

O vidro rubro de ouro dos alquimistas


A Alquimia foi uma proto-Química empírica, que descobriu imensas técnicas e efeitos espantosos na base da tentativa-e-erro, embora houvesse já algum saber, acumulado desde os Egípcios. Na procura da Pedra Filosofal e da transmutação de outros metais em ouro, os alquimistas estudaram as substâncias e as suas propriedades e descobriram técnicas que prenunciavam os actuais laboratórios. O fósforo (Ph), por exemplo, foi descoberto por um alquimista de Hamburgo em 1669.

Vem isto a propósito de uma badalada aquisição recente do Rijskmuseum de Amsterdam: uma esplendorosa taça em vidro rubi de ouro, "cranberry glass" (vidro groselha) para os ingleses.


O precioso goblet esculpido em vidro rubi do século XVII está atribuído ao alquimista germânico Johann Kunckel (c. 1637–1703).

O vidro foi esculpido com cenas de 'putti' a brincar numa vinha.

O vidro rubi é um vidro de cor vermelha fabricado pela adição de cloreto de ouro ao vidro fundido. É por vezes adicionado cloreto de estanho ou cobre. O rubi dourado é feito à mão, e não em escala industrial, devido ao alto custo do ouro e à delicadeza do processo de mistura.

A origem do rubi dourado não é clara, pode ter sido já fabricado na Assíria; o objeto mais antigo identificado é a taça Romana "Licurgo" que data do século IV, e cuja côr depende da posição relativamente à luz - o vermelho só ressalta quando a taça está em contra-luz.

A Taça 'Licurgo' do British Museum, do século IV. Foram detectadas partículas metálicas ínfimas no vidro, sendo 31% de ouro.

Os Árabes também conheciam a técnica do vidro rubi, mas nenhuma descrição escrita chegou até hoje; a mais antiga receita é portanto a do alquimista alemão Kunckel.

Johann Kunckel (c. 1630-1703) era um vidreiro, boticário e alquimista na corte de Holstein. Aos trinta anos, foram-lhe confiadas pelo príncipe Johann Georg II da Saxónia as chaves de uma biblioteca de alquimia em Dresden, para que se dedicasse a descobrir o segredo de fabricar ouro. Em vez disso, descobriu uma maneira de fabricar vidro rubi com uma nova receita, dispersando partículas metálicas de ouro no vidro em fusão. "Não podia ser mais lindo”, escreve Kunckel. No século XVII, foi um fascínio pelo vidro brilhante côr de sangue.

Viajou até Murano, onde desenvolveu maior conhecimento sobre a arte do vidro. A partir de 1679, em Berlim, foi nomeado pelo Eleitor Friedrich Wilhelm director da fábrica de vidro de Brandenburgo, num laboratório secreto na ilha Pfaueninsel ('Ilha dos Pavões'), onde viria a escrever a sua obra mais famosa, “Ars Vitraria Experiment". Nesse livro, Kunckel sintetiza tudo o que se conhecia na altura na Europa sobre técnicas vidreiras, o estado da arte high-tech do século XVII.

A PfauenInsel , no rio Havel perto de Potsdam, onde Kunckel trabalhou em segredo. Vê-se o castelo das 'escapadas' de Frederico Guilherme II.

Depois da morte do Margrave de Brandenburgo, Kunckel caiu em desgraça: foi acusado de peculato e a fábrica de vidro na PfauenInsel foi incendiada, dela nada resta. Cheio de dívidas e malquisto, vendeu tudo em 1693 e foi para a Suécia, onde o rei Carlos XI o recebeu com honras e laudas, o agraciou com título de nobreza e lhe deu um cargo académico importante.

Durante décadas o vidro rubi caiu no esquecimento. Seria no século XIX, no Reino Unido durante a era Victoriana, renascido como cranberry, que voltaria a ter maior produção e procura.

George Fox, Cranberry Glass Jug, 1874.

Colecção do Landesmuseum Württemberg

Saber mais / links:
Kunckel
Landesmuseum-stuttgart