sábado, 3 de junho de 2023

O vidro rubro de ouro dos alquimistas


A Alquimia foi uma proto-Química empírica, que descobriu imensas técnicas e efeitos espantosos na base da tentativa-e-erro, embora houvesse já algum saber, acumulado desde os Egípcios. Na procura da Pedra Filosofal e da transmutação de outros metais em ouro, os alquimistas estudaram as substâncias e as suas propriedades e descobriram técnicas que prenunciavam os actuais laboratórios. O fósforo (Ph), por exemplo, foi descoberto por um alquimista de Hamburgo em 1669.

Vem isto a propósito de uma badalada aquisição recente do Rijskmuseum de Amsterdam: uma esplendorosa taça em vidro rubi de ouro, "cranberry glass" (vidro groselha) para os ingleses.


O precioso goblet esculpido em vidro rubi do século XVII está atribuído ao alquimista germânico Johann Kunckel (c. 1637–1703).

O vidro foi esculpido com cenas de 'putti' a brincar numa vinha.

O vidro rubi é um vidro de cor vermelha fabricado pela adição de cloreto de ouro ao vidro fundido. É por vezes adicionado cloreto de estanho ou cobre. O rubi dourado é feito à mão, e não em escala industrial, devido ao alto custo do ouro e à delicadeza do processo de mistura.

A origem do rubi dourado não é clara, pode ter sido já fabricado na Assíria; o objeto mais antigo identificado é a taça Romana "Licurgo" que data do século IV, e cuja côr depende da posição relativamente à luz - o vermelho só ressalta quando a taça está em contra-luz.

A Taça 'Licurgo' do British Museum, do século IV. Foram detectadas partículas metálicas ínfimas no vidro, sendo 31% de ouro.

Os Árabes também conheciam a técnica do vidro rubi, mas nenhuma descrição escrita chegou até hoje; a mais antiga receita é portanto a do alquimista alemão Kunckel.

Johann Kunckel (c. 1630-1703) era um vidreiro, boticário e alquimista na corte de Holstein. Aos trinta anos, foram-lhe confiadas pelo príncipe Johann Georg II da Saxónia as chaves de uma biblioteca de alquimia em Dresden, para que se dedicasse a descobrir o segredo de fabricar ouro. Em vez disso, descobriu uma maneira de fabricar vidro rubi com uma nova receita, dispersando partículas metálicas de ouro no vidro em fusão. "Não podia ser mais lindo”, escreve Kunckel. No século XVII, foi um fascínio pelo vidro brilhante côr de sangue.

Viajou até Murano, onde desenvolveu maior conhecimento sobre a arte do vidro. A partir de 1679, em Berlim, foi nomeado pelo Eleitor Friedrich Wilhelm director da fábrica de vidro de Brandenburgo, num laboratório secreto na ilha Pfaueninsel ('Ilha dos Pavões'), onde viria a escrever a sua obra mais famosa, “Ars Vitraria Experiment". Nesse livro, Kunckel sintetiza tudo o que se conhecia na altura na Europa sobre técnicas vidreiras, o estado da arte high-tech do século XVII.

A PfauenInsel , no rio Havel perto de Potsdam, onde Kunckel trabalhou em segredo. Vê-se o castelo das 'escapadas' de Frederico Guilherme II.

Depois da morte do Margrave de Brandenburgo, Kunckel caiu em desgraça: foi acusado de peculato e a fábrica de vidro na PfauenInsel foi incendiada, dela nada resta. Cheio de dívidas e malquisto, vendeu tudo em 1693 e foi para a Suécia, onde o rei Carlos XI o recebeu com honras e laudas, o agraciou com título de nobreza e lhe deu um cargo académico importante.

Durante décadas o vidro rubi caiu no esquecimento. Seria no século XIX, no Reino Unido durante a era Victoriana, renascido como cranberry, que voltaria a ter maior produção e procura.

George Fox, Cranberry Glass Jug, 1874.

Colecção do Landesmuseum Württemberg

Saber mais / links:
Kunckel
Landesmuseum-stuttgart


Sem comentários: