sábado, 12 de dezembro de 2020

Prendas para a árvore, "lá fora um grande silêncio como um deus que dorme"


Leituras, música, e mais, para um Inverno pandémico. Natais há muitos, se neste vai faltar ambiente de festa teremos sempre os afectos, as conversas, decorações, e ofertas. Os deuses dormem, o Pai Natal hiberna.

LIVROS

Fifty words for snow, Nancy Campbell, 2020

Não é literatura, mas é um livro bonito, edição impecável, com textos informativos e às vezes evocativos sobre cinquenta palavras (em outras tantas línguas) relacionadas com neve. Umas vezes é sobre a própria palavra, outras vezes são descrições de vidas ou lugares em curtos textos. Scanjáš (sami), Sastrugi (russo), Unatsi (Cherokee), Kava (faroês), Jäätee (estoniano) ...


Poems to save the world with, Chris Riddell, 2020

No mesmo registo de livro-objecto que dá gosto folhear, é uma recolha de poemas que inclui muitas obras primas intemporais e ilustrações do autor. Stevenson, Dryden, Dickinson, Carroll, Yeats, Whitman... e alguns do próprio Riddell, um deles alusivo à pandemia, que começa assim

I sat beneath the May moon last night
and missed my life,
in silver and shadow with
a distant trundling of trains
going nowhere.


El Infinito en un junco, Irene Vallejo 

Por favor, não queiram a tradução portuguesa, feia, infectada de gralhas no pior do danado A.O. 90! Mau serviço da Bertrand. Ainda estou à espera da edição francesa, porque o meu castelhano é muito deficiente, fico muitas vezes emperrado em palavras ou expressões.

Coisas mais sérias:

A máquina pára e outros contos, E. M. Forster,  2020

Conto estranhamente premonitório, e outros apenas fantasiosos, publicados no início do século XX. Forster já antecipa o telemóvel e a ineternet (a 'Máquina'), a catástrofe climática, a vida virtual... Esta, para variar, é uma tradução decente em português correctamente ortografado (Antígona).

"... passaram-se uns bons quinze segundos até que a chapa redonda que ela tinha nas mãos começasse a brilhar. Uma ténue luz azul atravessou-a, escurecendo até se tornar roxa, e agora ela conseguia ver a imagem do filho, que vivia do outro lado da Terra, e ele conseguia vê-la a ela.
...
- Mas eu estou a ver-te! - exclamou ela. - Que mais queres tu?
- Quero vê-la sem ser através da Máquina."

"I want to see you not through the Machine", escreve Forster ! em 1909 !

Destacado e nítido, antologia de Fernando Pessoa, por Miguel Almeida

Mais uma, mas talvez a melhor ! Excelentes as escolhas, algumas que nunca antes lera, assim é um gosto a nossa língua e um pensamento rebelde no melhor sentido. Parabéns, Miguel Almeida e Manufactura.

Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas-noites.
E a minha voz contente dá as boas-noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, sem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito,
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.


MÚSICA CLÁSSICA

Como cada vez há menos edições novas em CD, a escolha é limitada. Este ano fiquei rendido a Francesco Piemontesi e à sua gravação dos Concertos para Piano de Mozart, com a Scottish Chamber Orchestra e Andrew Manze:

O que piano e orquestra produzem é uma revelação, quase como se ouvisse estes concertos pela primeira vez.

Ode for St Cecilia Day, Handel, pelos Dunedin Consort


Desta famosa Ode de Handel com poema de Dryden já existem muito excelentes gravações. Esta de 2018 vale sobretudo pela invenção instrumental dos Dunedin Consort, e pela incomparável Carolyn Sampson: 'What passion cannot Music raise and quell' é arrepiante.

Mas se querem um grande clássico, tenho estado a ouvir a pianista Maria Tipo, uma das que mais admiro, em várias obras de Bach, Beethoven, Mozart e Scarlatti. As gravações são ADD, dos anos 80 e 90.

Fica aqui, em registo ao vivo , o Gesangvoll da sonata nº30 op. 109:

OUTRAS MÚSICAS:

Aqui não tenho dúvidas em recomendar 'Shiver', o novo Jónsi , leader dos Sigur Rós a solo. Estranhas atmosferas, uma cosmologia sonora delirante, entre o sonho e o pesadelo. Um cheirinho:


Exhale, do álbum Shiver


OUTRAS COISAS

Oxímetro de dedo


Um pequeno aparelho electrónico que mede a percentagem de oxigénio no sangue (saturação). Nunca deve estar abaixo de 90%, a sua medida pode ajudar a detectar precocemente algum problema nos pulmões - o que é útil nesta pandemia. O modelo Oxybion, 'made in France', é o que tenho em casa (não tenho parte dos lucros, não).

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Uma boa quadra, com momentos quentinhos e doces!

 

1 comentário:

SilverTree disse...

Apesar de já ter passado o Natal, que belas sugestões. Eu gosto muito das ilustrações do Chris Riddell, e ando de olho nesse livro. Também já me recomendaram o "El Infinito en un junco"; agradeço a dica de evitar a tradução portuguesa, embora eu desconfie tanto, por princípio, das traduções portuguesas e da falta de brio das edições, que raramente compro traduções portuguesas se puder ler no original.
Quanto a contos, ando a ler "As Novas Mil e Uma Noites" do Stevenson. Contos de detectives e de mistérios, clássicos, e uma delícia.