Sestina, de Elizabeth Bishop, é um poema de mágoa e abandono e privação e tudo o que de mais triste pode acontecer na vida ( excepto, talvez, guerra), e Bishop di-lo de forma belíssima. O poema encontra-se facilmente com uma procura online, e como é um pouco longo dispenso-me de aqui publicar o original. Como é hábito, tentei à minha maneira traduzi-lo, perdendo ritmo e musicalidade, efeitos fonéticos e a elegância da língua inglesa - mas procurando transmitir o melhor possível aquilo que o poema exprime de situação, sentimentos, emoções. E mantendo a forma !
Porquê 'Sestina'? A Sextina é uma forma poética em 6x6, em que a última palavra de cada verso é repetida na estrofe seguinte, conforme um esquema complexo atribuído a Arnaut Daniel, um trovador Provençal do século XII. A Sextina foi adoptada em Itália e praticada por poetas como Dante e Petrarca, e cá por Luís de Camões.
Bishop consegue escrever um poema comovente sem que nos demos conta dessa estrutura rígida, tanto mais que é autobiográfico. É o único que conheço que se constrói à volta de um almanaque.
Cai a chuva de Setembro sobre a casa.
Na luz trémula, a idosa avó
senta-se na cozinha com a criança
junto ao calor do pequeno fogão,
a ler as anedotas do almanaque,
rindo e falando para esconder as lágrimas.
Acha ela que essas equinociais lágrimas
e a chuva a bater no telhado da casa
foram ambas previstas no almanaque,
mas apenas as experimenta uma avó.
A chaleira de ferro canta sobre o fogão.
Ela corta algum pão e diz à criança,
Agora é hora do chá; mas a criança
está a ver a chaleira vertendo lágrimas
que dançam loucas sobre o escaldante fogão,
tal como a chuva dança ao cair sobre a casa.
Tratando de arrumar, a velha avó
Vai pendurar o sábio almanaque
na sua corda. Como um pássaro, o almanaque
pende meio aberto sobra a criança,
pende por cima da velhinha avó
e a sua chávena de chá com escuras lágrimas.
Estremece e diz que lhe parece a casa
fria, e leva mais madeira para o fogão.
Assim tinha de ser, diz o pequeno fogão.
Eu cá bem sei, diz o almanaque.
Com lápis a criança desenha uma sólida casa
E um caminho ondulante. Depois a criança
faz um homem com botões como lágrimas
E mostra-o com vaidade à velha avó.
Mas secretamente, enquanto a avó
Se ocupa a tratar do fogão,
As luazitas caem como lágrimas
De entre as páginas abertas do almanaque
Para o canteiro florido que a criança
Com esmero colocara à frente da casa.
Tempo para plantar lágrimas, diz o almanaque.
A avó velhinha canta para o fabuloso fogão
e a criança desenha mais uma insondável casa.
Elizabeth Bishop, 1965
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Esquema da Sextina:
1. ABCDEF
2. FAEBDC
3. CFDABE
4. ECBFAD
5. DEACFB
6. BDFECA
7. (envoi) 3 versos, incluindo as 6 palavras (3 terminais) -
- neste poema: lágrimas. almanaque, avó, fogão, criança, casa
.
O intrincado padrão matemático da Sextina
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