quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Schicksalslied, a Canção do Destino de Brahms


Há os génios, ponto, e há os génios que amamos. J'aime bien Brahms, desde a 1ª sinfonia aos concertos de piano, passando pelos Intermezzi ... e chegamos à música coral.

Ao que venho hoje, é à canção coral Schicksalslied (Canção do Destino), de 1871. O texto de Hölderlin, da novela Hyperion, foi inspirado pela resistência e luta pela independência do povo Grego depois de três séculos e meio de submissão ao poder Otomano; Hyperion é o herói grego, que neste texto poético reflecte sobre a indiferença dos antigos deuses da Grécia ao sofrimento dos humanos de 'hoje'. Na Alemanha e Áustria havia uma grande corrente de simpatia pelo povo grego, alimentada pelo desamor aos turcos e pela descoberta das riquezas históricas.

O poema começa nas alturas cósmicas, com um hino às divindades gregas, à sua gloriosamente feliz estadia nos campos Elísios. Mas o pior vem depois, quando passa aos nossos males terrenos: nós hoje sofremos, caímos, cegamos, ano após ano, como água que se precipita fraga após fraga, nas profundezas do Desconhecido.

O texto original é fácil de encontrar; uma tradução inglesa decente:

   You wander gladly in light,
   on soft grounds, blessed Spirits!

   Shimmering celestial airs
   touch you gently,
   like fingers playing art
   on sacred strings.

   Free from fate, like a sleeping
   infant, breathe the heavenly;
   Kept chaste
   in modest blossoms,
   flowering for ever
   their eternal soul,
   and their blissful eyes
   gazing in quiet,
   eternal shine.

   But to us is given
   no haven to rest;
   faltering, falling,
   the suffering mankind
   is blinding from one
   hour to the other,
   like water from cliff
   to cliff rushing down,
   years-long, into the unknown.


A música lembra trechos do seu Requiem, e outros da Missa Solene de Beethoven. Mas tem um enorme poder de síntese, num discurso de intenso dramatismo; Brahms não escreveu Ópera, mas este cântico tem estrutura e drama quanto baste; faz uma narrativa universal em quinze minutos. Genial é a coda final, repetindo o tema de abertura só com a orquestra, sem texto, no que é um dos mais belos e intrigantes finais da História da Música.  Não pode ser um final feliz, evidentemente, mas ainda assim é de uma serenidade ... divina. É Brahms, lá alto nos Elísios. E será uma das mais sublimes obras "curtas" de todos os tempos.

Tendo a escolher como melhor gravação esta de Herreweghe com o Collegium Vocale de Ghent: precisão e limpidez, e alguma leveza, sem deixar de ser intensa. Quase perfeita.




Mas Herbert Blomstedt está também no topo da lista: lentíssimo (17 minutos), majestoso, muito meditativo, uma abordagem com 'gravitas' mais alemã, uma grande orquestra (San Francisco). Igualmente admirável, não podia ser mais diferente.




Mais vivo e urgente, Kurt Masur dirige a NYPO quase como se fosse Bernstein. Há desequilíbrios na gravação de 1996, mas pesada não é, parece que estamos a ouvir Mahler. Uma audição alternativa.

E uma boa gravação recente é a de Ticciati com a Sinfónica de Bamberg (digital, 2010).


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