segunda-feira, 7 de outubro de 2019
Khatia Buniatishvili, Porto - Casa da Música, Sonatas de Beethoven assim-assim
A pianista Khatia Buniatishvilli deve ter a maior corte de admiradores e fan club Facebook de sempre na música clássica. Nem a Callas, nem a Joyce, nem a Netrebko. A verdade é que ela cultivou o estrelato, a sua imagem tanto quanto os seus talentos, tirando proveito da bela figura e de roupagens vistosas tanto quanto do virtuososmo pianístico.
Resultado: é chamada para quase todas as salas, festivais e comemorações. Ainda há pouco esteve ao vivo em Paris frente à Notre Dame num concerto de homenagem. Acham Ronaldo popular e um chamariz de povinho? Nem imaginam como é Khatia na natal Geórgia ! Dedicam-lhe um culto de diva, um culto frenético de multidão (sobretudo jovens), quase como eram os Beatles na era da beatlemania.
Claro que Khatia é uma grande pianista, e eu aguardava com expectativa a oportunidade de a ouvir ao vivo. Vamos à música que ela produziu na Casa, com sala esgotada.
O programa compunha-se de quatro sonatas de Beethoven:
- nº 17, op.31 nº 2, “A tempestade”
- nº 14, op.27 nº 2, “Ao luar”
- nº8, op.13, “Patética”
- nº23, op.57, “Appassionata”
A Khatia não lhe falta técnica, agilidade, força expressiva. O que lhe falta, e nota-se muito, é saber deixar respirar a música, deixar respirar a escrita do compositor. É geralmente excessiva nos contraste dinâmicos - pianíssimos quase inaudíveis, fortes tão bruscos e violentos que as notas se atropelam e deixa de se ouvir o dedilhado ou o contraponto. Os tempos também são algo frenéticos, ora como se houvesse pressa e urgência - não há sobretudo pausas onde são necessárias para dar fôlego, ênfase, pathos - ora exagerando no sentido contrário nos movimentos lentos, com um vagar lânguido que faz perder toda a expressão mesmo que as teclas apenas afloradas possam criar algum ambiente de contricção interior. No conjunto, o que sobressai é alguma rudez e impolidez, no mínimo. A nº14 "Ao Luar" foi um desconsolo.
Mas pode parecer que foi um concerto falhado. Não, houve bons momentos; gostei muito por exemplo da nº 23 "Appassionata" - belíssimo andante - em que a georgiana construiu uma filigrana delicada e intensa. Haverá ainda alguma imaturidade, mas Khatia está na casa dos 30, pode vir a ser bem melhor pianista, assim a aspereza actual seja amaciada com sensibilidade.
Por enquanto, assim-assim.
Deixo uma grande (outonal!) interpretação do genial Andante da nº 23: Evgeny Kissin
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1 comentário:
Crítica notável! Não sou um conhecedor do piano, mas já li comentários consonantes com esta sua descrição, embora não tão acutilantes.
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