quinta-feira, 3 de outubro de 2019

O império Viking de Knud II (Cnut the Great)


Ora vá, sabiam que houve um império Viking a norte da Europa? Sim, a Inglaterra teve um rei Viking, Knud II da Dinamarca, de família nobre; já era cristão, e governou um breve império de quase duas décadas, incluindo a Dinamarca, Inglaterra e Noruega. Foi o Império do Mar do Norte, quando a era Viking já declinava.
O Império do Mar do Norte de Knud II (1016-1035).

Na Europa do século XI (alta Idade Média) havia ocupação árabe na Península, o Sacro Império germânico ao centro, e o Bizantino a nascente. A norte, fora o apogeu Viking -  Leif Ericson era o primeiro europeu a chegar à America, a conversão ao cristianismo gerava um enorme poder da Igreja, construíam-se templos românicos. Grandes fomes alastravam ciclicamente - 1005,1016,1030; e no litoral as incursões (raids) de Vikings famintos eram frequentes. De resto, é uma época mal documentada, de que pouco se sabe.


Neste contexto, um nobre guerreiro Viking escandinavo, Knud Sweynsson,  organizava um assalto naval em larga escala e invadia Inglaterra, onde reinava a dinastia de Wessex - na altura era Edmundo II. Uma frota de 200 barcos, com 10 000 homens, desembarcou na costa do Essex e foi conquistando tudo (Norwich, Cambridge) a caminho de Londres, até vencer o confronto com o exército saxão na batalha de Assandun em finais de 1016.

Edmundo II (Ironside) derrubado por Knud II.

Em sinal de paz e para consolidar a conquista, Knud casa-se com a viúva do anterior rei, Emma Æthelred de Wessex, também ela devota cristã.  E o Reino de Dinamarca passou a mandar em Inglaterra e na Noruega, que fora entretanto conquistada com uma frota de cinquenta navios lançada de Inglaterra. A Escócia seria submetida no ano seguinte.

Emma Wessex e Knut II, manuscrito de Winchester (1031).

 Knud II - Cnut the Great - foi coroado Rei da Inglaterra ainda em 1016, e Rei da Noruega em 1028. Intitulava-se "rei de toda a Inglaterra e Dinamarca e dos Noruegueses e alguns Suecos" (os suecos da região de Lund, submetida à Dinamarca). Seria o mais poderoso soberano da era Viking da Escandinávia.

Knud desenvolveu a economia do Mar do Norte mantendo os Vikings sob controle, acabando com os seus raids através do pagamento da ‘Danegeld’, um suborno financiado por impostos... Rudyard Kipling dedicou-lhe um revoltado poema:

We never pay any-one Dane-geld,
   No matter how trifling the cost;
For the end of that game is oppression and shame,
   And the nation that plays it is lost!

Em Väsby, Suécia, há uma pedra rúnica do séc. XI que refere o recebimento do generoso Danegeld do rei Knud.

Assim o rei Viking conseguiu um vasto Império, estabeleceu a capital em Winchester e cultivou devoção às igrejas de Canterbury e Ely. Inglaterra tornou-se o maior centro de comércio do norte da Europa, gozando de um período de paz interna, à custa de um bom relacionamento com a Igreja Cristã e os Mosteiros; também contribuiu o cruel despotismo contra opositores políticos, com várias matanças no currículo de Knud II. Uma reforma do território começou a criar o que viriam a ser os condados (counties). O dominio dinamarquês iria prolongar-se, cada vez mais debilitado, até 1042, com o seu filho Hardeknud (ou Canuto III) , que já não reinava no território norueguês.

O rei Knud num antigo manuscrito de Winchester.

Curiosamente para um rei benquisto da Igreja, Knud II era bígamo ! Primeiro casara em 1013 com Elfgifu de Northampton, depois em 1017 com Emma de Æthelred (tinha ele 24 e ela 33 anos) para garantir continuidade política. Em resultado, durante o reino houve imensas intrigas nas cortes, com ambas as esposas exigindo poder para os respectivos filhos.

Emma de Æthelred com os seus dois filhos.

Parece que havia na altura uma excepção às regras católicas de casamento: era permitido voltar a casar se o primeiro casamento tivesse sido realizado numa cerimónia pagã , o "handfasting" ; tinha sido esse o caso com Ælfgifu.

Knud II é hoje considerado um ' bom rei' pelos ingleses, que aliás lhe prestaram homenagem à passagem de 1000 anos em 2016 (*). Depois dele seguir-se-ia, em 1066, a invasão normanda, para muitos anglo-saxões mais odiada...
Knud II adoptou a bandeira Viking do corvo para o seu Império.

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A lenda de 'Knut e a maré ':

Canute assentou o trono na orla do mar quando a maré subia, e deu-lhe ordem de parar antes que lhe molhasse os pés e as vestes. Mas, continuando a subir como de costume, a maré cobriu-lhe os pés e as pernas sem respeito pela sua dignidade. O rei recuou, declarando: 'Que os homens saibam quão vazio e inútil é o poder dos reis, pois não há nenhum que mereça esse nome, a não ser Ele a quem céus terras e mares obedecem por leis eternas." Depois tirou a coroa e colocou-a sobre um crucifixo, e nunca mais a usou.

'King Canute' é um dos reis sepultados em Winchester.
Mais: http://www.cnutconquest.com/

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Mais uma das muitas variações do tema Europa. Este episódio breve do Danegeld parece quase um embrião da Hansa... mas Noruega, Dinamarca e Inglaterra prezaram sempre demasiado a sua independência, como está à vista; e se viesse a reaparecer uma União do Mar do Norte ?

(*) Alguém imagina Portugal a prestar homenagem a Filipe II ? Veremos em 2081...

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