sábado, 28 de setembro de 2019

Firoz Koh, Arkiotis, Li-Jien, Triganocerta, e mais
por John Stathatos (*****)


Fascinante, este sim.


Livro de ficção fotográfica, ficção fantástica como as Cidades de Calvino ou a Tlön de Borges, "the book of lost cities" (2005)  é uma obra do grego John Stathatos. Nele surgem nomes como Bucephala, a capital fundada por Alexandre a caminho da Índia; Firoz Koh, capital do reino de Guhr; Tigranocerta, residência do rei Tigranes (séc. I) da Arménia; Li-Jien, colónia romana nos confins da estepe chinesa. E mais: Arkiotis, Azzanathkona, Daedala... só os nomes são todo um programa ! A maioria, femininos, certo? E a maioria do médio oriente, também. Mistério e lenda, devaneio e História.

Ruínas de Tigranocerta, Turquia oriental (?)

Como sempre, a sabedoria da marotice está em usar e citar dados verdadeiros (historica e geograficamente) e com eles narrar uma hábil fantasia; neste caso, apoiada em fotografias.

Começo por Li-Jien ou LI-Chi-En, actualmente Liqian; foi uma cidade na província de Gansu, China central, a sul da Mongólia, onde a lenda conta que se fundou uma colónia romana; os habitantes têm de facto traços aparentemente europeus (caucasianos).


Desde a formação romana em quadrado / tartaruga até ao uso do tempero Garum, muitos relatos dão origem a essa especulação. Mas não parece haver fundamento para a sua origem romana; e o que restava foi destruído por tibetanos em 746.

Li-Chien tira proveito da lenda, fabricada ou não, para promover a sua imagem de "China romana".

Bucephala seria uma cidade fundada por Alexandre no que é hoje o Paquistão, durante a sua longa epopeia até à Índia; fundou-a em honra ao seu cavalo havia pouco abatido na batalha pela posse de Pauravas. Posteriormente o nome mudou para Jhelum.

Monumento a Alexandre em Jhelum.

Ainda se encontram em Jhelum vários túmulos da era Alexandrina.

Arkiotis

A sul do Irão, mesmo a norte do estreito de Ormuz, onde agora se joga um xadrez difícil entre paz e guerra, Arkiotis terá sido a capital do reino de Harmozia (Ormozia), no início da nossa era. Quase nada sobra:

"À parte alguns nomes incertos, pouca coisa sobreviveu ao reino de Ormuz e à sua capital: alguns selos de pedra pórfira, moedas com uma plétora de símbolos (águia Ptolomaica, palmeira ardente, cabeça de javali, relâmpago alado*), uma série de pesos em marfim para especiarias, a estranha espada de Ormuz descrita por Macrobius, (...) e, sobretudo, a famosa estátua de bronze da Arkiote Tyche que o Departamento de Arqueologia da Pérsia tinha desenterrado em 1977, e que foi derretida completamente três anos depois às ordens do Ayatollah Khorasani."

Bonita ficção, Borges iria gostar.

Firoz Koh (Firuzkuh), Afeganistão


Capital perdida do reino de Ghor, governado pela dinastia Górida, uma das grandes cidades do seu tempo (séc. XII). Os Góridas eram originários da Turquia; depois de conquistarem o território à Índia, fundaram aqui um reino e esta grande cidade, que acabou destruída pelas tropas do filho de Gengis Khan cerca de 1220. Nada resta, e não se conhece a exacta localização.

Mas neste caso há uma herança palpável: o afamado Minarete de Jam, na província de Ghor, será (alegadamente) a única recordação, talvez, de Firozkoh.

Minarete de Jam, de 1194, encontrado em 1957.

Feito de tijolos cozidos, está decorado com intrincados padrões de estuque e azulejo, em faixas alternadas de escrita e desenho geométrico. Classificado pela UNESCO.


Daedala ou Daidala (Δαίδαλα) era uma cidade grega no sul da Anatólia, nas antigas Lycia ou Caria, referida vagamente por Strabo. Só que afinal terá havido outra Daedala afegã, na altura pertencente ao rei Menander da Índia; era uma colónia de mercenários e esteve na base de um culto de síntese Greco-Budista. Ufff ! Às vezes não sabemos de Stathatos está a brincar conosco.


Na actual Muğla turca, Daedala está devidamente assinalada para turistas: só se vê um pórtico corroído, entalhado numa parede rochosa, e alguns degraus; perto há restos de uma cisterna. Neste caso a ficção de Stathatos não é coerente: a sua foto (um obelisco)  não tem nada a ver com esta alegada ruína.

Azzanathkona

Há perto de Palmira, nas margens do Eufrates, restos de um templo a Artemis Azzanathkona, uma deusa síria.
Apenas uma assombração no deserto Sírio.

Escreve Stathatos:
"A localização de Azzanathkona continua a ser um mistério. Correm rumores de uma expedição conjunta anglo-americana ter tropeçado nas ruínas quando uma estranha tempestade de areia deixou exposta uma mão-cheia de construções em pedra, em 1923, mas como a expedição estava de facto a fazer uma investigação secreta para o consórcio petrolífero Aramco, o relatório continua confidencial."

Ah, o apelo das ruínas míticas ! Já os victorianos se deixavam ir.

Mas que belo livrinho este.



the book of lost cities, John Stathatos
ex pose verlag, Berlim, 2005
https://www.expose-verlag.de/archiv/







2 comentários:

Belinha Fernandes disse...

Confesso que fiquei um pouco confusa com a proposta mas depois comecei a apreciar! Não é uma obra para todos, mas é muito intrigante! Encontrei isto:https://www.stathatos.net/visual-work/book-lost-cities

Mário R. Gonçalves disse...

Exactamente. Coisas confusas e intrigantes? That's me.