domingo, 1 de setembro de 2019

Nimrud, cidade utópica, e o palácio Assírio que também foi nosso berço.


- Tributo de História -


Nimrud era a maior cidade da Assíria, na Mesopotâmia, entre 1250 e 610 AC. Ficava perto do rio Tigre, em território que actualmente é do Iraque (a sul de Mosul, tristemente célebre).

As ruínas foram descobertas em plena era victoriana, em 1845, e as escavações prolongaram-se por vários anos. O nome Nimrud deverá ter sido atribuído já no século XVIII por semelhança com 'Nimrod', um herói e caçador lendário citado na Bíblia; mas provavelente trata-se da cidade referida em estelas cuneiformes como Kalhu.

Seja como for, o romantismo victoriano, deslumbrado e excitado,  mitificou a descoberta; as antiguidades e riquezas de Nimrud iam desembarcando uma após outra, e inspiraram por exemplo o nome Nimrod que Elgar atribuiu a uma das Variações Enigma de 1898. Sempre associei Nimrud ao Tlön, Uqbar, Orbius Tertius de Borges; o mesmo tipo de localidade, ficcional e onírica.
Nimrud
36° 06′ N, 43°20′ E
Fundada pelo rei assírio Shalmaneser I (1274–1245 AC), atingiu o seu esplendor durante o reinado de Assurnasirpal II (883–859 AC), tendo sido capital do seu Império; atingiu então uns 100 000 habitantes, era uma cidade rica de palácios, templos e jardins.

"Nimrud Restaurada", gravura fantasiada dos arqueólogos victorianos que a descobriram, Henry Layard e James Fergusson

Assurnasirpal II (Aššur-naṣir-pal) fez construir uma grande muralha à volta da cidade. Numa inscrição em pedra calcária constata: "Um palácio de madeiras de cedro, cipreste, zimbro, buxo, amoreira, pistachio e tamargueira, para minha moradia e meu senhorial e eterno lazer, fundei no seu interior. Animais da montanha e do mar, de branco calcário e alabastro, mandei esculpir e colocar sobre os portais." (...) "Prata, ouro, chumbo, cobre e ferro, riquezas e despojos das minhas conquistas, apliquei no interior". Megalómano, era. Pior era a barbaridade com que mandava torturar e executar cruelmente os prisioneiros de guerra.


O "Tesouro de Nimrud" é uma colecção de 613 peças de ouro, joalharia e pedras preciosas, que se salvou escondida no museu de Bagdad.


Nimrud continuaria como capital pelo menos até Sargão II (722–705 AC). Acabaria destruída em sucessivas invasões.

Estela com inscrições de Assurnasirpal II, no Templo de Ninurta, Nimrud (British Museum)

Assurnasirpal à caça, baixo relevo (detalhe).

As excavações revelaram notáveis baixos-relevos, marfins esculpidos e esculturas; uma estátua de Assurnasirpal II em excelemte estado, leões alados colossais, de cabeça humana que guardavam a entrada do palácio; um vasto número de estelas com inscrições e cilindros de argila usados como suporte de gravura. Foi possível localizar os palácios de sucessivos reis e alguns templos e muitas partes de fortificações.

Estátua de Assurnasirpal II, um dos tesouros do British Museum.

Génio protector alado, Séc IX AC, Louvre (detalhe)

Pormenor de outro baixo-relevo de Nimrud.

A "senhora do poço" também conhecida como 'Mona Lisa de Nimrud'.

Marfim esculpido de uma esfinge com cabeça humana, certamente de origem egípcia, encontrado no Palácio de Shalmaneser.

Cilindro de Esarhaddon com escrita cuneiforme, Museu do Iraque

Este detalhe de um grande painel de parede ficava sobre a entrada de um vasto salão junto ao trono de Shalmaneser III (filho de Assurnarsipal), no seu palácio. Representa dois touros empinados ao lado da árvore sagrada. Durante o saque do Museu de Bagdad escapou por milagre, e lá continua.

Os lamassu do British Museum pesam mais de 20 toneladas. O transporte demorou 18 meses, várias vezes à beira do desastre.

Imponente cavalo alado de cabeça humana (lamassu), British Museum.


Tudo estaria perdido se não se encontrasse a bom recato nos museus. Já nada resta no local, agora terreno árido.

Leão guardando entrada de palácio, ainda 'in situ'; destruído pelo ISIS de Mosul.

No British Museum está também o famoso Obelisco Negro de Shalmaneser III, que Fayard descobriu em 1846. Comemora, em 24 painéis em baixo-relevo, a vitória numa campanha bélica em 859–824 AC.
Obelisco Negro de Shalmaneser III , British Museum

Detalhe - Shalmaneser III recebe tributo de um Rei derrotado.

Nao terá sido tão espendorosa como Ninive ou a fabulosa Babilónia; mas, envolta em mistério, Nimrud ainda surpreende com tantos tesouros.

Há um projecto didáctico para museus que mostra em animação vídeo uma aproximação do aspecto que Nimrud podia ter; duvidoso mas ainda assim interessante:

Entradas de Palácio

Sala do Palácio
Ver aqui:  http://www.vizin.org/projects/nimrud/gallery.html

Termino com um excelente video documental que quase torna redundante tudo o que publiquei acima:



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Há um painel de alabastro com baixo-relevo no Museu Calouste Gulbenkian.

3 comentários:

Belinha Fernandes disse...

Há uns anos aqueles bandidos do "Estado Islâmico" causaram enorme devastação aqui! Virei logo para ler tudo com mais calma, agora não tenho tempo. Sobre os acessos às praias: há uns anos já, a cada vez que tinha de subir as escadas na praia da Rocha no regresso, já eu me queixava da dificuldade. Não é nada agradável. Uns anos depois tornaram as escadas mais suaves. Essa é outra praia de que muitos se queixam dos excessos turísticos e com razão. Como é que foi possível, ali e em todo o Algarve, permitirem aquela construção até à beirinha do mar quase? Mesmo assim, lá eu não sinto tanto a pressão do turismo talvez porque o areal é tão grande. Em São Martinho, como é um sítio mais pequenino, parece que a invasão é maior. Mas a baía é tão encantadora. Gosto muito daquela zona junto da duna e do rio a entrar no mar.Há coisas que me desagradam muito porque eu gosto do contacto com a natureza e estragam tudo com "animação de praia" forçada: sunsets nos bares que começam logo ás 4 da tarde e motos de água, por exemplo. Entendo a necessidade de diversão mas por vezes é demasiado. Mas ainda existem praias tranquilas. O problema é, por vezes, o acesso complicado...(Gosto muito de praia e da vida costeira!)

Mário R. Gonçalves disse...

Sobre praia (pobre Nimrud esquecida!) é assim: ou bem que se ouve o som do mar, as ondas a quebrar, o marulhar nas rochas; ou não presta. Gostava imenso da Praia Grande em Sintra; montaram lá uma barraca de bebidas e petiscos que pouco depois tinha animação e música amplificada tipo disco-batucada, nunca mais lá voltei. Está-se lindamente nas praias da Galiza, nada disto é permitido.

Belinha Fernandes disse...

Só agora pude vir ver tudo com calma. Na minha infância e adolescência era apaixonada por estas civilizações antigas e os meus pais deram-me uns livros de grande formato, bastante ilustrados, que folheava muitas vezes. Sempre alimentei ir ao Egipto e a esses lugares antigos. Mas do Egipto só vi o que os museus europeus guardam. Há uns anos esteve no Porto uma exposição (Tutankamon – Tesouros do Egipto) que recriava peças egípcias e levei lá o meu sobrinho. Creio que foram feitas tanto quanto possível usando técnicas artesanais similares às dos egípcios. Abriam com um documentário sobre Howard Carter e as escavações, muito interessante. Esses tempos de descoberta foram muito excitantes, mal consigo imaginar o deslumbramento dos arqueólogos. Infelizmente, muito património é pilhado e destruído por gente sem cérebro. Fiquei irada quando vi o que se passou aqui, e noutros lugares, fruto da intolerância e da estupidez humana. As obras que restam são notáveis.