terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Comidinha portuguesa, aarrgh, Giles Coren dixit


Arrisco o prestígio deste meu Livro com um post traidor à pátria, snob e xenófilo. Mas enfim, é um assunto rasteirinho, embora haja quem chame a isto 'cultura'.
---------------

Eu gosto da nossa comidinha, entenda-se, em particular se feita cá em casa ;D. Mas há tanta vigarice nas tasquinhas de comida caseira, nas tabernas de petiscos, nas lojas de sabores da aldeia e outras tretas, que bem entendo o desgosto enjoado de Giles Coren ao rever para o Times um restaurante português que abriu em Londres, no renovado mercado de Spitalfields, sob o nome "Taberna do Mercado"; bastamente elogiado, claro, pelos que lá procuram chouriço e sardinha em lata com vinho tinto, ou migas de bacalhau.

A grande maioria da produção nacional de enchidos é uma valente porcaria, que só faz mal e tem excesso de tempero para esconder a pobreza de sabor. Quando é esturricado na brasa, faz o dobro do mal e sabe a chiclé ... esturricado.


Outra gabarolice pacóvia é o "cozido à portuguesa" - sabe bem uma vez por ano, se a matéria prima for toda de primeira qualidade; mas de culinária aquilo tem nada, zero - é só meter tudo a cozer em água. É a coisa mais bruta e primitiva que se pode cozinhar; tira a fome, claro, até de mais, mas se isso é "cuisine" vou ali e já venho.

Está na moda usar conservas enlatadas como requintado pitéu - basta acompanhar de verduras ou fruta que componham um prato bonito. Outra aldrabice. As conservas de peixe são muito saudáveis, têm Omega 3 e tudo, mas de sabor estamos conversados, é sucedâneo industrial onde o gosto do peixinho fresco foi completamente destruído - sabe tudo sempre ao mesmo, a conserva, inundado de azeite fracote. Ora bolas. Menus assim dão cabo da imagem da nossa gastronomia.


E os rissóis ? De marisco ou de carne, na maioria dos casos também oleosos e recheados de uma mistela não identificável, uma pasta de corantes, gordura, farinha e temperos com aroma de qualquer coisa. Execrável - excepto se feitos em casa.

No Times de 4 de Julho, Giles Coren indignou-se justamente com estes petiscos que lhe foram servidos. Porque nos faz bem ouvir o que outros pensam sobre nós, o que lhes desagrada em nós, sem estarmos sempre a olhar para o umbigo, aaah! como somos criativos, afáveis e... cultos ( - os chocalhos ! -).

Excertos:

We began with a prawn rissole «snack» that was two small, hard slippers containing a foul brown fishy effluvium. Like sewage leaking from an ornamental clog.

Ah ah, "foul brown fishy effluvium" é muito bem dito ! So much para o rissol.

This was followed by «chouriço vinho tinto«, which is fried Portuguese chorizo deglazed with red wine. Now, I don’t know what Portuguese chorizo is meant to be like. But if it’s meant to be tougher than the Spanish stuff, cooked pretty much to black, chewy as a fingernail and without much flavour, then this was bang on the money.

So much para o chouriço assado também, pastilha elástica insípida e esturricada. Como conheço bem o estilo. Abunda no circuito low-cost food.

Next up, «tinned fish». The result: vileness unbound. Tiny scallops had given up all the sweetness and bounce of their raw state without taking on the exotic golden frazzle they get when cooked, resulting in chewy snot gobbets in a tin.


'Tranches de borracha ranhosa' ! :D :D , essa também está muito boa, sr. Coren. É isso mesmo. Looks disgusting.

«Bisaro pork tartare, cozido broth, cabbage» was a dismal mess of ground flesh in salty water.»

Outro menu-da-treta que também abunda em tasquinhas e bistrôs, o porco bísaro. Aaargh. Só o molho dá vómitos.

Depois serviram a Coren uma sanduíche soberba, parece que será o melhor da casa, ah ah. E finalmente

For pudding they brought out the famous «pão de ló», which is a sort of uncooked soufflé in greaseproof paper in a baking tin. It’s like a delicious sweet orange soup with partly baked bits around the edges that fall into the wetness like dumplings.

Ora o dito pão de ló, se for de Ovar e bem feito, é mesmo muito bom. Ou era coisa importada, de prazo talvez já passado, ou era (mal) feito localmente. Não me faltam experiências dessas, de sobremesas que são especialidades caseiras e vai-se a ver...

Não fui nem irei ao português de Spitalfields, mas o testemunho do sr. Coren parece-me totalmente credível. Não se inventam por malvadez detalhes tão condizentes com o que é frequente encontrar aqui por perto.

Dear Sir, aquilo que lhe foi servido não é boa comida portuguesa.



2 comentários:

Gi disse...

Ha ha, dear Mário, este seu post faz-me lembrar alguma coisa...

Mário R. Gonçalves disse...

26 de Julho de 2010, Gi, que saudades...
As coisas mudam tão pouco, não é ?