domingo, 11 de dezembro de 2016

Manon Lescaut na ROH Covent Garden: infelizmente muito execrável.


Aproveitei ir a Londres para ir à ROH Covent Garden assistir a uma récita de Manon Lescaut, a primeira ópera de Puccini, que nunca antes tinha visto. O intenso romantismo da ópera era também adequado à visita, e a direcção de Pappano uma mais-valia.


Algumas críticas davam um "razoável" (3 estrelas) a esta produção:
Não. É lixo.

Certamente poucos leitores estarão interessados no que eu possa dizer sobre a récita, o que se segue é quase só um desabafo, para que conste.

Nenhuma intenção de thought provoking, como eles dizem, justifica uma opção que destrói a obra. Não desconstrói , não: destrói, e tortura. Porque ópera é música com texto cantado num cenário, esse todo tem de ser coerente e compatível. Não faz sentido que as palavras que se cantam não tenham nada a ver, ou estejam em contradição mesmo como neste caso, com o vestuário e o espaço visual que está em redor. Que quando se diz 'alegria' se veja tristeza e depravação, que quando se fala de ver 'luz do sol' se esteja fechado em espaço obscuro, que quando se diz 'deserto' se vejam à volta construções e objectos, que do piloto de barco se faça um pivot de concurso TV. Mais do que provocador, é idiota, pura e simplesmente idiota.

Sondra Radvanovsky na luxuosa alcova, aqui com Aleksandrs Antonenko, que foi substituído à última hora por outro tenor que já esqueci.


Dizem: mas a soprano Sondra Radvanovsky cantou bem. Terá cantado afinada, terá uns agudos limpos, técnica bem oleada, timbre agradável. Mas não pode cantar como deve ser - com sentimento, com expressão - se o texto é desdito pelo contexto ! Não pode estar a 'sentir' as palavras como um bom actor. Nem sequer a Manon pode ser bela, pode ser desejada e amada, se o que transmite é fealdade num cenário de repulsa. Suponho que outra - Didonato, Fleming, Gheorghiu ou até Netrebko - não se sujeitaria a tão maus tratos.

Porque não é o Des Grieux tratado da mesma forma então - um jovem engatatão ordinário e mal educado, talvez a gingar uns hip-hops já agora ? Aaaah! Porque aqui há uma opção moral, um enviesamento: A Manon trata-se pejorativamente, é condenável, não ama; mas o estudante, esse é puro e inocente !

Que nojo, que desonestidade, que maniqueísmo de pacotilha. Mesmo não sendo a sua melhor obra, Puccini não merece isto, nem a sua linda Manon que ele justamente evita julgar! Uma encenação menos modernaça e mais romântica como o verismo exige poderia dar outra dimensão de beleza que valorizasse texto, canto e música, em vez de os aniquilar.
O que é aquilo ? Apocalipse pós-nuclear ? Não: o deserto onde Manon Lescaut morre à sede. Sondra tem de cantar rastejando no cimento. Que romântico.


Sai de lá fulo. Não se faz. Pós-cultos. Neo-provincianos.

Para desenjoar, numa produção digna, coerente e muuuito bem cantada por Kristine Opolais, a ária In Quelle Trine Morbide:



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Fanáticos da Ópera também fez a sua apreciação.


1 comentário:

Fanático_Um disse...

Obrigado pela referência Mário. Foi uma grande decepção, pouco habitual na ROH mas, mesmo esta, não está a salvo do famoso "Eurotrash" tão frequentemente utilizado para caracterizar as produções operáticas europeias. O pior é que, muitas vezes, é verdade!