Na primeira fase da minha vida, odiava a cidade. O Porto era cinzento, húmido, sujo, bêbados a praguejar pelas esquinas, medo de falar nos cafés, tascos mal cheirosos e sebentos. Havia mictórios, um nojo, muros e fachadas ao abandono a cair de podres, água fétida nas bermas e bueiros. E nos cinemas ou no Coliseu só raramente passava coisa que valesse a pena, tolerada pela censura.
Depois veio côr, mais sol, alguma pouca abertura ao mundo e à cultura (?), dinheiro europeu para restauros e obras, mais-valias urbanas. Alguma coisa melhorou. Os eléctricos ronceiros foram retirados do centro, a rua Sá da Bandeira ficou mais bonita, e a Júlio Dinis; o Rivoli e depois a Casa da Música mudaram o panorama da cultura, Serralves também ajudou, menos.
Passeios e árvores deram nova cara a algumas ruas do Porto desde 2001. Pouca dura.
Quando o Porto ficou mais bonito. Agora, a Galeria de Paris é infrenquentável.
Actualmente, e lamento muito, estamos a estragar tudo a alta velocidade. Voltou o mau gosto e a parolice, o descuido e a fealdade, as obras permanentes e eternas, tapumes com camadas de cartazes velhos, a sujidade e o ruído de gente variadamente embriagada. Tags e graffitis, garrafas partidas e embalagens pelos passeios desfeiam a baixa. A programação do Rivoli, Coliseu, Teatro S. João e Serralves é miserável, terceiro-mundista. Só se salva, meia dúzia de dias por ano, a Casa da Música.
Infante, Ribeira, Leões (que é do Chiadinho?) , Batalha, 31 de Janeiro, Clérigos - está tudo em degradação, o bom comércio a fechar, restando um Porto kitsch para turistas de mau gosto e portuenses portistas, feito de bares e lojas de artesanato quincalheiro, ou de "emblemáticos" tipo Disneyland: é uma dor de alma passar pela Lello ou no Majestic, no Piolho (tão sujo de tags), na Quinta do Paço, a ver entre mochilas e trolleys os azulejos em S. Bento ou tudo o que já não há no Bolhão. Cedofeita está semi-decadente, alternam lojas de cadeias plásticas globais, comedoiros plásticos rápidos, e fachadas entaipadas de comércio que fechou; renovadas, só as fachadas que dão alojamento turístico. Das tradicionais relojoarias, casas de miudezas, luvas e guarda-chuvas, chapelarias, queijarias e mercearias, quiosques e alfarrabistas - não sobra nada.
31 de Janeiro: o postal autêntico que devia promover a imagem da cidade.
Será este o 'emblemático' Porto antigo que ganha prémios?
Ou este? Noutro lado chamavam-lhe 'favela'. Na Europa, disto só no Porto, que eu saiba.
Também não há nenhuma zona residencial bonita; semearam a antiga periferia de super-mercados, semáforos, picos sinalizadores; há na mesma estacionamento abusivo e cada vez mais prédios de mau gosto, alguns com excesso de altura; e ruas com algum interesse de arquitectura urbana como Álvares Cabral foram reconvertidas num continuum de hostéis e apartamentos turísticos.
Na minha área de 'conforto', há a Livraria Bertrand, com cafetaria Arcádia, no feio C.C. 'Cidade do Porto'; a excelente pastelaria e salão de chá Petúlia, noutros tempos mal frequentada; o Orfeuzinho para ler o jornal com um café; o mercadinho ('mercearia fina') Casa São Miguel, um pomar grande com frescos de qualidade; o Bazar Paris logo no início da Avenida da Boavista.
O salão da Petúlia
Bar dos Artistas da CdM
Os sítios que me sobram são
- os Jardins: Parque da Cidade, Botânico, Palácio, Casa das Artes, Casa Tait...
- a Beira-mar, ou seja, a Foz e o Passeio Alegre / Cantareira
- a Casa da Música, oásis onde encontrar cosmopolitismo de qualidade (como na Gulbenkian de Lisboa)
- o centro moderno dentro e à volta do Bom Sucesso - feio mas com comércio de qualidade.
A Foz
O Molhe
O Passeio Alegre
Água e café...
Talvez no Chalé.
O Jardim Botânico:
Pronto, já esqueci que estou na Invicta. Óptimo.
Os jardins do Palácio
Sob as tílias, e lá ao fundo...
Os Jardins de Serralves
Difícil é já escapar da multidão. Há que escolher dia, hora, sítio...
A mais que centenária oliveira,
e o terreiro da Casa de Chá:
Desta 'arte contemporânea' é que eu gosto.
Finalmente, o Parque da Cidade, cada vez melhor:
O que eu gosto no Porto, não é do espaço urbano. São os parques e jardins, o rio e o mar. Só aí é que o Porto, na Primavera, é único.
[Excepto, como agora, quando uma multidão de selvagens intitulada "NOS Primavera Sound" invade os espaços verdes, sob a amplificação ribombante, expulsa os pássaros e não deixa ouvir o silêncio. Raio de conceito pós-moderno de Primavera.]
2 comentários:
Olá! Já vivi no Porto duas vezes e durante anos pensei que regressaria para ficar, mas agora já não tenho esperanças. Ainda que desfeiado, e concordo com a maior parte da sua apreciação, eu gosto tanto do Porto que não tem explicação. Das duas vezes que aí estive calcorreava a cidade a pé cada fim de semana. Uma vez fui do Castelo do Queijo aos Clérigos- ia morrendo. A cinco minutos dali pensava ter de chamar um taxi para me levar a casa- estava a viver junto da Capela das Almas! Mas lá consegui chegar ao destino. Visitei o máximo de monumentos que pude e mesmo assim poucos. E museus, parques, ruas e mias ruas, vi espectaculos a que dificilmente teria acesso aqui na zona centro. Isto foi em 2000, antes da Porto 2001.Estava tudo em obras, era o caos no centro! Fui para aí tirar um curso de Produção Cultural. Quando regressei para trabalhar, anos depois, já o Porto tinha mudado imenso. Voltei à minha vida de turista de fim de semana. Ainda se respirava bem, as ruas não estavam cheias como hoje. Hoje, quando lá vou não o reconheço. Os amigos que fiz entretanto vão -me fazendo o relato da mudança de tudo para pior. Há uns três fui aí mostrar o Porto ao meu sobrinho e suportei o martírio de ir à Lello, como se fosse uma turista. Ainda há pouco escrevi sobre essa experiência pois encontrei um artigo no The Guardian com uma descrição exacta do que tinha vivido. Que tristeza que foi observar aquilo em que se transformou a livraria.Mesmo assim, com tudo o que se estragou na cidade, e que eu nem sequer conheci, sempre que vou ao Porto é uma festa. Estranhamente, sou alfacinha e Lisboa nunca me conseguiu impressionar assim. Talvez porque cresci no norte, em Braga, e já em criança ia ao Porto com os meus pais e era um passeio de que gostava. Não sei.Também tive a sorte de fazer boas amizades na cidade.Dizem que sou a figueirense mais portuense que conhecem, ahahah! Mas eu não me sinto figueirense, nem alfacinha, nem portuense: como andei sempre a mudar de lugar, não sinto raizes de parte alguma. No entanto, não tenho dúvidas: o Porto é, para mim, uma cidade fascinante, e além disso, comunica-me uma energia criativa que não encontro noutro lugar...
Obrigado, gostei muito de ler. Também "não sinto raizes de parte alguma", mas sinto-me melhor em cidades pequenas e bem ordenadas como Guimarães ou Tomar. Gostava de perceber o que tem o Porto de estimulante para a criativdade, pode ser que visse a cidade de outro modo... tirando, como escrevi, a Foz e os Parques, o Porto parece-me uma amálgama caótica, suja e desconfortável, frequentada por selvagens ignorantes, o que estraga alguns sítios e edifícios bonitos semeados à toa. É uma cidade sem 'centro histórico', sem zona pedonal antiga, com um comércio entre o decrépito e o plástico de bugiganga e francesinha. Muitos sítios cheiram mal, outros são ruidosos, outros estão borrados de tags e palhaçadas até em paredes nobres. Os pisos são terríveis, magoam e fazem tropeçar. Enfim.
Se fosse uma metrópole de milhões de habitantes, era mais fácil compreender; mas à escala europeia é uma cidadezeca de 5ª ordem, que nem aos 300 000 chega. Compara com Bordéus, uma jóia de limpeza, elegância e ordenamento.
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