sábado, 1 de junho de 2019

Via Fillungo em Lucca, a rua onde mais gostei de passear a ver lojas.


Continuo aqui com memórias de viagens há muito passadas. Sabe-me bem reviver e actualizar.

Cidades pequenas são bem melhores para passear a "ver montras", como se fazia dantes no Porto, ao domingo. Lembro-me de uma rua maravilhosa em Cremona, já lá vão quase 30 anos, com lojas de música e de violinos alternando com lojas de alta costura e adereços em pele, um desfilar de vitrinas de regalar a vista; só o arranjo das montras era uma obra de arte. Em Quimper, na Bretanha, também vi uma bonita rua rua de floristas, crêperies, quosques de jornal, lojas artesanais de decoração e lojas de temas marinhos - modelos de barcos, conservas, instrumentos náuticos. Pelo contrário, Milão por exemplo é o horror dos horrores, como o centro de Paris ou de Londres. Outros são uma imagem de decadência ou mau gosto, como a Lisboa pombalina, as ruas espanholas ou as gregas.

Recordei há pouco uma rua (e uma cidade) onde me tinha dado especial prazer deambular loja após loja. Foi em Lucca, de tarde, tinha pouco tempo antes de o comércio fechar, a rua estava quase completamente à sombra (era estreita) mas o movimento das gentes locais, italianos a pé ou italianos de bicicleta, dava-lhe uma vitalidade intensa nessa luz estranha, algumas lojas já iluminadas. Pois a rua chamava-se Via Fillungo (não sei porquê), uma rua comprida e estreita, em parte recta e em parte curva, que ladeia a mais famosa Piazza dell'Anfiteatro, a praça de forma ovalada e tons pastel que é o postal mais conhecido de Lucca.

Como estou em fase de viajar menos e recordar mais, fui à procura de fotos (qualidade 2002, ainda não-digital). Este post é um passeio a ver montras, muitas montras, na Via Fillungo de Lucca. Mas não é um catálogo comercial!

Começo por fotos genéricas: conversa-se, passeia-se, mas niguém fala ao telemóvel. Que saudades. Que ambiente bonito.

Una tranquila mattinata...

Vicini chi parlano...

São 90 00 habitantes, a dimensão perfeita de uma boa cidade para se viver. Lucca é uma cidade menos valorizada que outras da Toscânia, mas é plana, pequena, um labirinto de ruas e praças sempre lavadas onde a modernidade quase nada estragou, onde as fachadas ocre com persianas verdes ou azuis são do mais autêntico italiano, muitas já com o reboco remendado, e os moradores parecem viver como sempre em quase familiar comunidade. Gosto, muito. Nem é preciso grandes obras de Arte da Renascença.

Vou iniciar na Porta dei Borghi ('dos Burgos'), a porta da antiga muralha do século XII que se ergueu em volta de um aglomerado de povoações:

Entrada para a Via Fillungo.


O Amorini ainda é fora de portas


Passámos; agora começam 700 metros de comércio!


Vamos percorrê-la 'ao contrário', dos números altos para os baixos, como eu fiz.
No 220, havia a Barberia Lucchese, se calhar já não existe.


Logo a seguir o Caffè Puccini  dá as boas vindas à italiana, com um belo espresso e música ambiente do compositor; talvez seja 'tourist trap', mas aceita-se para começar da melhor maneira.


Puccini nasceu em Lucca, tem estátua e Museu numa praça da cidade, a Corte San Lorenzo.
Demasiado curto, mas ali é difícil explicar "3/4" ou "comprido". 'Lungho' não funciona - é americano.

A antiga casa Francesco Lenci já mudou de ramo, mas mantém a insígnia sobre a porta:



No nº 188, logo na primeira esquina, fica Vinarkia, um Wine Bar bem conhecido com tapas à italiana:
A "Vinarkia della Pavona" abre ao fim da tarde; petiscos no pátio deve ser boa ideia.

No nº 174, a tentação foi de mais; uma daquelas lojas onde entro sempre e saio com alguma coisa. Chamava-se Citta' Del Sole:

Giocattoli !

Naquela altura ainda não havia cá nada de semelhante: brinquedos de toda a parte do mundo, objectos de fantasia juvenil mais ou menos exóticos.


E saí com um boomerang, mas atenção!, um autêntico, da Austrália, e muuuuito bonito. Ainda é objecto de culto:


Logo a seguir, cheirava a castanhas assadas! Quando estive em Lucca era Inverno, note-se, tinha ido passar o ano a Florença. Estava sol mas fresco.

Castagne arrosto.

No nº 164 está a Camiceria Cerri:



No 140, a Quintessence é uma boutique tipicamente italiana, que mantém acima da vitrina uma anterior grelha em ferro forjado.


A livraria Ubik não é nada de especial como loja, pertence a uma cadeia com edição própria; anunciava apresentação de livro com presença de autor, com agora aqui:

Via Fillungo, nº 137

Uma livraria onde não apetece entrar.

Chegamos a San Frediano:

A Piazza San Frediano é um daqueles lugares únicos de Itália, que nunca mais esquecem: uma praça 'torta', de tal modo que o belissimo mosaico da fachada da Basílica de S. Frediano (séc. XIII) mal se consegue ver da Via Fillungo; estando o mosaico iluminado pelo sol, é uma visão celestial.


Estas fotos não são minhas, claro.


Ao contrário, vista da Basílica, a Via Fillungo passa lá ao fundo; estamos no coração de Lucca: se nos desviássemos para o outro lado, entrávamos nell'Anfiteatro!


Mas não é para aí que vamos.
Na Fillungo, mesmo em frente de San Frediano, a vitrina da loja Zazzi reflecte a Piazza:

Zazzi , nº120, é uma manufactura local de lenços e adereços.


Dallamano

Uns metros mais, e aquilo que já tardava - a Gelateria Veneta.

É no 136.


Il Panda, calzature, é o nº 119; por esta altura a Via Fillungo começa uma pronunciada curva à esquerda, quando cruza a Via degli Angeli.


Chegamos à antiga Gioelleria Pellegrini, uma joalharia Art Deco, no 111.


Gioielleria Antica ditta De Pellegrini, Giuseppe


No nº 95, Gioielleria Carli, uma concorrente ainda mais antiga, elegante e romântica:


Fundada em 1655, reclama ser a mais antiga de Itália. Prestigiada em todo o mundo, tem peças únicas e valiosas.


Nas janelas de rua, exibe uma mistura de estilos - Império, neo-Clássico, Victoriano, Art Deco - que oferece um pouco de História para quem passa.


Entre os clientes famosos contam-se Luchino Visconti, Marcello Mastroianni, Giovanni Pascoli, e Giacomo Puccini, claro.


Há por aqui, na Fillungo, ruas e vielas laterais onde também se encontra pequeno comércio simpático.

A Profumeria Ristori, também uma montra com patine, é agora lugar de gulodices - confeitaria, gelataria e loja gourmet. No nº 83.

Essenza del gusto




Como é de esperar, casa cheia nas horas de ponta, fim da tarde.

Sem mesa, teve de ser ao balcão.

A próxima esquina, já depois da curva, é com a Via Sant'Andrea, onde podemos espreitar a ver ao longe a românica Torre Guinigi, encimada por um terraço com carvalhos:


Mais um dos postais obrigatórios de Lucca. Tal como em San Gimignano, só foi construída (no séc. XIV) para exibir 'status' de poder da família Guinigi, mercadores de seda.

Continuando: a nova Acqua dell'Elba, no nº 65, é uma perfumaria italiana luxuosa, bonita, presente em muitas cidades:



A decoração Arte Nova vem da anterior 'Profumeria Venus'.

O café mais antigo de Lucca era o histórico Caffè di Simo, no nº 58:

Infelizmente fechou em 2014.

Esta foto já tem valor histórico.

A rua está a acabar. Já se vê ao fundo a Via Roma.
Já havia Calzedonia. Agora há Geox, Sephora, Max Mara... vamos ignorar.

Nesta parte da Fillungo, avistam-se as horas desde cá de baixo, na sombra, para a Torre delle Ore, lá em cima ainda com luz do Sol !

Ainda vai para as 4, mas a luz ja está a acabar.

Desde 1918, a Cappelleria - Pelliceria Tenucci era uma casa requintada e vintage, no nº 54:


(agora é Timberland)

Mas a Camiceria Belmonte continua, desde 1938, no nº 37:


Caras, se não talvez me tivesse tentado.


A afamada Cioccolateria Cavalsani é o nº 8 :

Nessun commento.



Chegamos ao fim da rua; a Via Fillungo termina na Via Roma, onde há uma daquelas mercearias finas de aromas irresistíveis - queijos, enchidos e presuntos - Il Mercatino:


Deste comércio, muito tem estado a desaparecer, e continua; não sei como estará a rua agora. O que aqui deixo é basicamente o que ainda lembro; e na altura não vi igual - nem em Viena nem em Siena, nem Chester nem Gloucester, nem Salzburgo nem Estrasburgo. O mais parecido ainda era a rua de Cedofeita* no Porto.

Que tal, foi boa a passeata? Termino com um plano de Lucca, cidade intra-muros, onde marquei a traço vermelho a Via Fillungo, a Piazza del' Anfiteatro e a Igreja de S. Frediano.


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* Cedofeita já foi a minha rua favorita, mas está tão desertificada, de lojas fechadas e gente perdida por entre bad-foods e bad-sleeps...


4 comentários:

Fanático_Um disse...

Dá vontade de visitar...

Belinha Fernandes disse...

Obrigada pelo extremo cuidado com que legendou tudo! Também estive em Lucca, a terra de Puccini, agora não consigo saber a data, mas pode até ter sido em 2002, também, nunca após 2006, diria que entre 2000 e 2004. Só conseguiria saber indo buscar os meus álbuns de fotos, que imprimia com grande prazer, tudo datado, e revia vezes sem conta. Mas as suas são muito melhores!Adorei a cidade e pena foi não poder ficar mais tempo. Preferi-a a Pisa!As muralhas com verdinho em cima também me ficaram na memória. Podiam ser percorridas integralmente. E havia um pão doce, de forno, muito bom...E as pessoas andavam bem vestidas,muito linho, chapéus de palhinhas diversas, era Verão, e estava bastante calor...Ver as suas fotos fez-me recuar no tempo!

Mário R. Gonçalves disse...

Estive duas semanas a procurar informação para as legendas, Belinha Fernandes. Ainda bem que alguém aprecia. Também achei Pisa desinteressante, Lucca é muito mais autêntica e cheia de vida, como descreve. Pareceu-me gente feliz, os que andavam na rua. Eu estive lá depois da passagem de ano, deve ter sido dia 3 ou 4 de Janeiro, por aí. Mas o sol ajudou!
(os pães doces são os bucellati, não é ?)

Belinha Fernandes disse...

:) Gostava de dizer que sim, bucellati, mas não me recordo. Não imagina como a minha memória é péssima. No entanto há coisas- e algumas até nada relevantes - que ainda estão nítidas, outras já nem sei que as esqueci.Por isso fiquei tão entusiasmada ao ver as suas fotos. Não viajei muito, andei sempre pela Europa, o mais longe que fui foi Istambul, e, mesmo assim, se não fossem as fotos que fiz por vezes já nem sabia que tinha estado nesses lugares. Acho uma tristeza pois sempre achei que viajar era a melhor forma que tinha descoberto de gastar dinheiro! Isso e comer bem! Há semanas fui buscar as fotos que fiz de Notre Dame, por causa do incêndio, e fiquei com uma enorme tristeza pois era como se não tivesse lá estado nunca. Ali estava a prova mas tudo se tinha varrido da minha memória, ou quase tudo. Essa também foi a primeira viagem que fiz,e sozinha, portanto, longínqua é certo. Em comparação, a minha mãe, com 80 anos, lembra-se de quase toda a infância.Arrependo-me agora de não ter feito um diário de viagem...