segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Henningsvær, aldeia renascida das ilhas Lofoten


As Ilhas Lofoten, na costa atlântica central da Noruega, são notáveis por várias razões.

  - São dos poucos territórios europeus que mantêm a sua autenticidade natural, oferecendo paisagens fabulosas de montanhas e fiordes.

  - São povoadas de pitorescos portos pesqueiros tradicionais, que se dedicam sobretudo à pesca do bacalhau desde a era Viking.

  - É nas Lofoten que se situa o maior torvelinho marítimo da Europa. o Maëlstrom descrito por Allan Poe, no extremo poente da ilha ao largo da aldeia de Å.

  - São um possível limite norte do local referido por Plínio como 'Ultima Thule', na narrativa das viagens nórdicas de Pytheas. É a tese defendida por Nansen.

Mas é fácil encontrar mais coisas notáveis no arquipélago.

Reine e  Å no extremo, junto ao Maëlstrom; Henningsvær fica mais perto da costa.
 

Henningsvær, 68° 11' N, 14° 13' E
(mais de 180 km a norte do Círculo Polar)

Festvågtind (540 m), o rochedo com que a cadeia dos montes Vågakallen termina no mar, é o pano de fundo desta vista.

Henningsvær é uma vila pesqueira com pouco mais de 500 habitantes; a povoação está dispersa por vários ilhéus à volta da ilha maior Austvågøya, no arquipélago das Lofoten. Está ligada ao resto do território pelas Pontes de Henningsvær.

Vista do alto do rochedo Festvågtind, com a estrada 816 a serpentear de ilha em ilha, de ponte em ponte.

A primeira notícia escrita de Henningsvær data de 1567; mas foi no século XVIII que a aldeia mais cresceu em população e passou a contar com serviços básicos de saúde, correios, e ligações regulares por barco. Água doméstica e electricidade só chegariam no século XX.

O porto é um largo canal entre duas ilhas que foi fechado, dando um toque Veneziano à ilha.

A economia assenta nas indústrias da pesca, até porque um dos mais ricos bancos de pesca do mundo fica ali mesmo, a sul de Henningsvær. A frota actual ronda dez barcos registados no porto.

As espécies mais captadas actualmente são o bacalhau, a cavala, o alabote (halibut), a arinca (haddock) e o badejo.


Cais dos Ingleses: o centro e a zona comercial


O mais parecido com um centro urbano é a zona em volta do Engelskmannsbrygga (= cais dos ingleses), um antigo armazém na rua Dreyers Gate. É uma área pedonal onde o cais foi adaptado a zona de lazer.

 
Uma Galeria de Arte e oficina de cerâmica e vidraria ocupa a Engelskmannsbrygga. Tem sopradoras de vidro, ceramistas e um fotógrafo que na loja vendem a sua criações. É um dos locais mais visitados.
 
 
  
 
 
 
Tudo tão bonito e perfeitinho.

 
 
 
Uma das vidreiras da equipa.
 
 Pelo Natal,é uma tentação
 
A seguir, na rua Misværveien, fica o Klatrekaféen (Café dos Alpinistas) e as Galleri Lofoten.


O Klatrekaféen é uma das casas mais famosas, construída em madeira sobre as estacas do cais e de um vermelho intenso. Abre-se para o porto, mas a entrada é por trás.


Bacalao, 200 NOK ~ 21 €, vá lá...
 

Galleri Lofoten
 
 
O vermelho intenso de um antigo armazém tranformado em espaço artístico.

Exposição com trabalhos de S. M. a Raínha Sonja em 2020

Otto Sinding (1842–1909) faz parte da colecção.

Ah! barcos, o culto escandinavo dos barcos.´
 

Galleri Lofoten - Henningsvær (galleri-lofoten.no)

Outra loja especial é a Catrine Linder, joalharia de criação local.
 

 
Mannfolkparkering
 
 "Parque de estacionamento para homens". Uma originalidade local, enquanto as mulheres andam nas compras... único no mundo, talvez.
 
Vista à luz do Inverno 
 
Uma aldeiazita remota de pescadores, notem. É a diferença escandinava: riqueza bem distribuída, não há regiões abandonadas.

História

O Jekta Pauline, um barco nórdico de transporte de peixe no séc. XVII

A povoação surgiu no séc. XVI mas a maioria das casas que se conservaram são do séc. XVIII / XIX, sobretudo armazéns ligados à actividade pesqueira. Depois das pragas medievais, a Liga Hanseática estabeleceu-se em Bergen e passou a controlar o negócio das pescas - captura, indústria e transporte do precioso peixe seco. No século XIX Henningsvæer tornou-se o maior centro pesqueiro das Lofoten, mas não deixava mesmo assim de ser uma aldeia pobre, atrasada e isolada, como documentam as fotografias da época. 

Durante a 2ª grande guerra Henningsvær foi duramente castigada com a ocupação alemã - prisões, bombardeamentos... As ilhas produziam um óleo de peixe de onde se extraía uma glicerina que fazia falta aos alemães para fabricar explosivos, e os aliados tiveram de destruir fábricas e portos; muitas infraestruturas de pesca foram arrasadas. Foi durante o desembarque que capturaram engrenagens de uma máquina Enigma e um livro de códigos, o que lhes permitiu decifrar as mensagens navais alemãs!  

As pescas retomaram depois ainda mais intensamente, atingindo máximos e elevando a população até 1 000 habitantes nos anos 50. Desde então, com o declínio das espécies, os pequenos barcos de madeira foram abandonados em favor de menos mas maiores embarcações, e a população diminuiu.

Em 1960, abriu a fenomenal estrada 816 Henningsværveien, e estabeleceu-se uma ligação próxima por ferry; nos anos 80, um sistema de pontes que permite uma ligação rápida por estrada. Henningsvær viu-se subitamente rica, moderna e visitada: no Verão o turismo passou a ser uma indústria relevante, com significativo crescimento da hotelaria e excursões organizadas.

O velho barco de pesca Sabina reconvertido para turismo de pesca

Na longa noite ártica, o céu pode iluminar-se de verdes...



quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Cruzeiro no MS Bruvik até ao fim do mar: Mo i Modalen.


Em Bergen, Agosto de 1998.


Nunca fiz um cruzeiro daqueles gigantescos que duram vários dias e param em cidades. Fiz cruzeirinhos - o das ilhas do mar Egeu, o do rio Douro, e este num dos fiordes da costa Norueguesa. Era um barco bonito de dimensão agradável, com algumas madeiras e cobres polidos, e levou-nos a partir de Bergen até ao Mofjorden, também conhecido como Romarheimsfjorden.


O MS Bruvik estava acostado num cais de Bergen a poucos metros do nosso alojamento. Maravilha. Tudo cómodo, e partiu sem atraso.

O Bruvik *, de 1949, foi readaptado em 1994 para cruzeiros nos fiordes em redor de Bergen, com ida e volta no mesmo dia. Pode acolher mais de 200 passageiros.

Apesar do frio, da maresia e do cheirete a diesel, era no deck ao ar livre que se disfrutava melhor a viagem.


Mo fica no fundo do fiorde, a 100 km de Bergen, umas 3 horas de viagem.


Não se chega a sair para o mar aberto, a navegação faz-se por um largo canal até entrar no fiorde; depois é quase em linha recta, direcção nordeste.

Era um dia de Verão, com sol e alguns chuveiritos, bastante fresco e ventoso. Avisaram-nos para levar agasalho, uma manta seria fornecida.

O Mofjorden é uma canal longo mas bastante aberto, ladeado de escarpas florestadas e pouco elevadas; não tem sítios dramáticos como outros mais selvagens, apenas duas referências: o Castelo (ou as Torres) e o Mostraumen.

Slottet (castelo) i Modalen é uma dupla falésia, que deve ter vistas fantásticas lá do alto; cá em baixo impressiona pouco.


Mais interessante é o Mostraumen, um estreito que até 1913 era fechado, ou seja, o fiorde terminava aqui, e depois de um istmo havia um lago onde se situava Mo; quando se abriu o canal, as duas águas ficaram ligadas, e o fiorde muito mais profundo.


 Um dos trechos mais bonitos do fiorde (fotos de https://rodne.no/)


O Mostraumen tem 60 m de largo, e prolonga-se por 650 metros.

Pouco depois avistámos o nosso destino. Grande terra. Consegue ser mais pequena que o nome!


O cenário , com cascata e tudo, é o melhor.

Como não havia refeições a bordo, a maioria dos passageiros foram a um restaurante local, previamente combinado, antes do regresso; para nós o preço era proibitivo, tanto mais que já o passeio era carote. Optámos antes por ficar a passear na terra e arredores, até porque o sol abrira de vez e estava mesmo calor.


O edifício de acolhimento junto ao cais.

Não faltavam recantos bonitos.


Este parece ser o edifício principal da aldeia; é de um fabricante de calçado de couro cosido a mão, deve ser um luxo caro.


Casas de madeira branca, como por toda a Noruega. A densidade nesta região é de 1 habitante por km2.

A igreja e a cascata - lembrei-me da Senhora da Peneda. A igreja é da mais comum arquitectura neo-gótica de madeira, século XIX.


Uma ponte pênsil liga os dois lados do rio que desagua em Mo, o Modalselva.

Encontrámos uma vereda um pouco íngreme que subia a encosta sul; ainda deu para escalar um bocadinho até termos uma perspectiva.


Mas fazia-se tarde. Entretanto o Bruvik, que se tinha afastado para inverter o sentido de viagem, já estava acostado à espera.

Regresso com muito frio.

Não foi grande aventura, não se apreciou nada de histórico, nem houve visitas culturais; nem sequer a gastronomia deu para degustar. Mas valeu pela lufada de ar fresco no rosto, pela lavagem de poeira dos olhos, que voltaram cheios de luz e cor. E como em quase por toda a Noruega, respira-se uma sensação libertadora de Ultima Thule.

Adeus, MS Bruvik barquinho lindo, obrigado pelo passeio.


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* Bruvik é também uma pequena localidade, noutro fiorde próximo de Bergen.