domingo, 12 de outubro de 2008

Spectaculum


Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo.
(Ricardo Reis)


O mundo está certamente rico e variado de spectaculum. Vale a pena sentar num banquinho , à sombra, a vê-lo passar frenético de variedade.

Ou, firmes e sobranceiros como a árvore, deixá-lo correr à nossa volta, oferecendo quado muito o nosso abrigo dos excessos de luz e vento.

Ou ainda, voltando-nos para a herança sólida do passado, revê-la sob nova e surpreendente luz.

É o que acontece com as 9 sinfonias de Beethoven na interpretação de David Zinman e da orquestra Tonhalle de Zurique, que finalmente (8 anos de atraso!) ouvi na íntegra. É um choque.
Há 20 anos, teria gritado barbaridade, o homem é um troglodita. "Toda a gente" sabe que os tempi indicados nos manuscritos de Beethoven eram impossíveis, já as orquestras da época, suando e arfando, recusavam executar semelhante loucura. No palco, seguiam com atraso descompassado a regência de Beethoven - um desastre.

Depois dos estudos históricos de mestres como Gardiner, Harnoncourt, Hogwood, Norrington, aos poucos as orquestras com instrumentos da época (ou não) e opções agógicas de rigor e respeito pelo autor e pela época vinham-se aproximando do que eventualmente Beethoven tinha em mente.

Mas agora chegou a versão "pura e dura": o metrónomo respeitado integralmente, a velocidade vertiginosa, mas também o detalhe e precisão estonteantes, a revelação de frases e acentuações nunca ouvidas, um uso incrivelente fluido do arco, enfim - uma revelação, sim , mas...

... difícil de aceitar como novo paradigma ou refêrencia. É um banho de água fresca retemperante , mas sabe bem voltar ao calor de Kleiber, ou Wand, ouKlemperer por exemplo - há pausa, "poise", gravitas, ênfase, contemplação que em Zinman estão ausentes.

Zinman descobre, entusiasma, irrita, contagia - mas cansa. A orquestra toca como nunca ouvi, fenomenal como um relógio suíço topo de gama ao qual se juntasse uma delicadeza e sensibilidade finíssima , num todo que é de cortar o fôlego. Só que Beethoven fica como que "reduzido" a um quase barroquismo. rico de contrapontos, melodias sobrepostas, sopros hipervalorizados e cordas minimais, secas, de belo timbre mas sem vibratos nem legatos, e duma brusquidão e horror ao vácuo (silêncio) excessivos e brutais.

Um génio, o maestro David Zinman. Precursor, trilhador de novos caminhos, estudioso e trabalhador incansável, tal como a orquestra de Zurique ! Agradeço o esforço e o fantástico resultado, vou ter mais uma alternativa aos velhos valores tradicionais que nunca deixarei...

NOTAS:
- Zinman é o mesmo que há uns anos gravou uma excelente 3ª de Gorecki, um sucesso!

- A rádio France Classique, que ouço quase continuamente em prejuízo da nossa péssima Antena 2, quase só passa as versões de Zinman! E também nas Aberturas (Egmont, Fidelio, Leonora, etc.).

- A consultar: http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9B0DE0D61F39F93AA25751C0A961948260

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