domingo, 15 de dezembro de 2024

Casa da Música 2025: o costume, mas sempre a piorar

Mais um ano de programação indigente na CdM. Cada vez mais é a prata da casa, agora até na direcção de orquestra. Dir-se-ia um qualquer teatro de província (Viseu, Aveiro) com os seus concertos amadores entre o pobre e o paupérrimo. Em 2024 tivemos o ano do acordeão sob o tema do 25 de Abril; em 2025 teremos as forças vivas locais sob o disfarce do mote 'Caminhos Cruzados'. Eu sei que o Porto não é uma capital, está a milhas do centro musical da Europa, mas Valença ou Toulouse ou Bolonha têm uma temporada clássica muito superior; até festivais anuais como o de Espinho (FIME) é coisa que por aqui não há.

Até o Programa impresso é triste e feio.

Procurando, escavando fundo, lá surge Fabio Biondi, desaproveitado em meio-programa partilhado com o horroroso Remix Ensemble; Benjamin Grosvenor desaproveitado num programa em que os estafados Quadros de uma Exposição são a peça forte; Sokolov, pela enésima vez, mas ainda bem; e como maestro o melhor que conseguem é Andreas Spering, antigo membro da Musica Antiqua Köln de Reinhard Goebel.

Dos clássicos, toneladas de Bruckner (credo) e Tchaikovsky (livra). Tema principal: os Triplos - Triplo e Três Cravos de Bach, Três Pianos de Mozart, Triplo de Beethoven.

Bom, vamos aos destaques (!!?) ; infelizmente, até as obras programadas com a Orquestra Barroca são quase todas menores...

12 de Janeiro

JS Bach Triplo concerto BWV 1044
CPE Bach Sinfonia Wp.178

15 de Abril

Vivaldi Concerto para 2 oboés, RV 535
Pergolesi - Stabat Mater (arr.  Bach, BWV 1083)

27 de Abril

Haydn Sinfonia n.º 49
Beethoven Sinfonia n.º 4

23 de Maio

Mozart , Concerto para Três Pianos

13 de Junho
- com Pedro Castro, oboé -

Veracini - Abertura n.º 6
Vivaldi - Concerto para oboé, RV 449

21 de Outubro
- Três cravos, oboés de Pedro Castro e Andreia Carvalho -

Bach
, Concerto para três cravos, BWV 1063
Bach, Concerto Brandeburguês n.º 3 BWV 1048, n.º 4 BWV 1049
Telemann, Concerto TWV 53:d1
Bach, Concerto para três cravos, BWV 1064

11 de Novembro
- 1ª Parte, com Fabio Biondi violino e direção

Haydn Concerto para violino, Hob.VIIa:4

21 de Novembro

Beethoven, Concerto triplo para violino, violoncelo e piano

22 de Dezembro - Concerto de Natal

Telemann,  Magnificat TVWV 9:17

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E o piano? Lá vem Grigory Sokolov, a17 de Março; e Benjamin Grosvenor, a 28 de Maio.

Termino com um extracto do Concerto TWV 53:d1 de Telemann, parte do programa de 21 de Outubro:

domingo, 8 de dezembro de 2024

Port of Ness e as dunas de Eoropie, nas Hébridas.

Um cantinho da Europa onde nunca fui, nunca irei

Port of Ness (Port Nis) é uma aldeia na Ilha de Lewis, uma das Hébridas Exteriores na Escócia ocidental. Fica no término da estrada que atravessa a ilha vinda de Stornoway, no início do estreito The Minch, entre a ilha e a costa escocesa.

A aldeia é muito dispersa, pouco mais que um casario em cordão ao longo de 3 km de estrada até ao porto, com um prolongamento para poente até Eoropie. 

 

O porto e a aldeia a que deu origem datam do princípio do século XIX.
 
Port of Ness (Port Nis)

Coordenadass: 58° 29′ N, 6° 13′ W
População: menos de 1000

 
O término da estrada A857, que vem do sul desde Stornoway.


Port of Ness está bem cuidada, uma sequência de casas de empena lateral com chaminé, apresentando alguma harmonia de conjunto.

 
Em 1880 abriu na A857 um posto de Correios, subsidiado, para garantir o serviço a uma população de poucas centenas; era indispensável para o pequeno comércio e para os contactos com o Farol de Butt of Lewis, na altura via telégrafo.

 
 
Mais adiante, no 'centro', há uma minúscula galeria de arte, onde a estrada começa a descer para o porto:

Harbour View Gallery, uma casota onde Anthony J. Barber, artista local, expõe e vende aguarelas. (www.abarber.co.uk)
 
 

Breakwater Café
 
A seguir à Galeria, sobre a falésia sobranceira ao porto há um café/restaurante Breakwater (= Quebramar) com boas vistas, único sítio para recuperar forças.
 

O melhor do Breakwater são as fantásticas vistas sobre o porto e a praia.
 

A construção do pequeno porto foi concluída em 1940, durande a 2ª Grande Guerra. 

 
 
Um portinho invulgar, ao lado de uma praia muito atractiva.

Na maré baixa, a praia extende-se para dentro dos muros.


 
Quando o mar está bravo, e aqui as tempestades são frequentes, os paredões do porto dão espectáculo ao quebrar as ondas gigantes.

 
 Em dias de tempestade, a vista aconselhável é do interior do Breakwater.
 
 
 
 
A frota pesqueira de Ness chegou a atingir 50 barcos em meados do séc. XX, construídos localmente, segundo um modelo tradicional - o Sgoth.
 
Sgoth 'Jubilee'

O 'Sgoth' é um barco de pesca à linha, de vela latina e verga mais longa que o mastro. O primeiro de que há notícia foi lançado no século XIX. O mais antigo em serviço é o 'Jubilee' (SY33), lançado da praia de Port of Ness em 1935, quando a frota já estava reduzida a 27 barcos. Mais recente é o Sgoth 'Oigh Niseach' (SY56) de1980 e o 'Sulaire' (SY456) construído para uma filmagem.
 
O 'Jubilee' a sair de Port Nis.

Sgoth 'Sulaire'
 
Em 2014 foi erigido no alto da falésia um memorial à Ness Fishery e à quase centena de vidas perdidas no mar. É o único 'monumento' de Ness.
 
 
 
 
 


Refiro agora duas empresas locais, uma manufactura de tecidos de lã tweed, e uma loja de acessórios em lã.
 
Breanish Tweed , Macleod cottage
 

Empresa familiar, produz tecidos luxuosos de tweed, mas também lenços e cachecóis lambswool ou cachemira. 
 


A boutique/oficina Sewing Room With a View vende acessórios feitos à mão e por medida, em tweed de Harris ou Breamish. É uma lojinha simpática pintada em azul marinho forte.
 
https://sewing-room-with-a-view.myshopify.com


Eoropie (Eoropaidh, Traigh Shanndaigh), praia e dunas
 

 
A oeste de Port of Ness, é uma praia extraordinária, com areias e cenário de sonho - mas a temperatura é bem fria, muitas vezes abaixo de zero !
 

 

Butt of Lewis

O farol mais setentrional das Hébridas foi erguido em 1862, segundo um plano de David e Thomas Stevenson. Está sobre um promontório frequentemente batido por marés e tempestades violentas.

 

 

 

aqui publiquei um relato sobre a capela medieval de St. Moluag, situada entre Eoropie e o Butt of Lewis:

St. Moluag dourada, ao sol do fim de tarde.

A ilha de Lewis, como todas as Hébridas exteriores, é conhecida como local quase perfeito para observação do céu noturno. Mesmo em Port of Ness, a escassa luminosidade em terra e a limpidez do ar pode oferece uma Via Láctea assim:


domingo, 1 de dezembro de 2024

- Restoring Intelectual Day - : audição comparada de "As steals the morn"


Este é um dos mais bem conseguidos duetos de Händel, com que termina a ode "L'Allegro, Il Penseroso ed Il Moderato" (O Alegre, o Pensativo e o Moderado), de 1740, cujo libretto em inglês foi inspirado em Milton e em Shakespeare (The Tempest).

Duas das melhores gravações em vídeo:

Kate Royal e Ian Bostridge, com a Freiburg Barock, dirige Stephen Devine - talvez o melhor duo.
Juliet Papadopoulos e Michaël Hudetz, dirige Masaaki Suzuki.

Texto do dueto:   

Il Moderato:

    As steals the morn upon the night,
    And melts the shades away:
    So Truth does Fancy’s charm dissolve,
    And rising Reason puts to flight
    The fumes that did the mind involve,
    Restoring intellectual day.

                                  Assim como rompe a manhã
                                  Rasgando as sombras da noite
                                  A Verdade vence a Fantasia,
                                  E a Razão dispersa as brumas
                                  Que  a mente obscureciam,
                                  Restaurando o intelectual dia.

A ode pastoral L’Allegro, il Penseroso ed il Moderato foi composta por Händel em apenas três semanas, no início de 1740. O texto das duas primeiras partes – L’Allegro (o homem alegre, impulsivo) e Il Penseroso (o homem pensativo, introspectivo) – foi adaptado de poemas de John Milton.

Händel, no entanto, quis uma terceira parte positiva que desse à obra um “fecho moral”. Encomendou-a ao seu libretista Charles Jennens: Il Moderato (o homem moderado, equilibrado), é uma superação ou sublimação dos dois primeiros temperamentos.

A letra do dueto que encerra a obra, As Steals the Morn, é uma adaptação do Acto V da peça A Tempestade, de William Shakespeare:

      And as the morning steals upon the night,
      Melting the darkness, so their rising senses
      Begin to chase the ignorant fumes that mantle
      Their clearer reason.

Deixo aqui também um pequeno filme nocturno da BBC, em que Rosa MannionMark Ansley cantam o dueto, acompanhados por Harry Bicket a dirigir a Orchestra of the Age of Enlightenment:

 

Quanto a CD recomendado, o melhor é sem dúvida o de Lucy Crowe e Mark Padmore, fabuloso par, com o English Consort dirigido com mão de mestre por Andrew Manze:


 

domingo, 10 de novembro de 2024

Escapada em Braga, a cidade mais estrangeira (per capita ~ 8%)

Há muitos anos, andei a concluir os meus estudos em Braga, na Universidade do Minho. Era uma cidade pacata, parada, muitas fachadas em ruína, e onde apenas havia um sítio notável que eu frequentasse - o café A Brasileira

 

Braga duplicou de população, está à beira dos 200 000, que se notam numas ruas cheias de gente, muito comércio, casas restauradas - muitas para alojamento, como em toda a parte. Ouve-se falar brasileiro por toda a parte, e espanhol (castelhano e sul-americano), menos galego do que eu contava, algumas línguas do leste europeu. Há turistas em excursóes, até japoneses/as. Há um Museu novo e recentemente enriquecido - o Museu D. Diogo (*) - , abundância de azulejos interiores, 'A Brasileira' à cunha, e acima de tudo uma extraordinária Livraria, a '100ª Página'.

A casa Rolão, onde se instalou a Centésima Página.

Em termos de património construído, o ponto de partida é o Arco da Porta Nova, entrada poente para a longa Rua do Souto, que passa no antigo Paço, na , e vai subindo até desaguar n'A Brasileira

Entrada para a Rua do Souto pelo Arco da Porta Nova.
 
Do outro lado fica o Largo da Praça Velha.
  
Largo da Praça Velha



 
Logo acima encontra-se o Largo do Paço, antigo centro urbano.


Muitas recordações: aqui fui admitido na Universidade, aqui recebi o diploma.
 
 
Foi no salão medieval da Reitoria:

 

O colorido travejamento do tecto.
 
Poucas centenas de metros acima chegamos à famosa Brasileira.

Não se está mal.

Mesmo ali ao lado fica uma das casas mais antigas , a Casa dos Crivos, longos anos ao abandono mas agora restaurada. Não tão antiga como parece, é uma casa do século XVII.

Gelosias de madeira fechadas para total resguardo das mulheres, já na altura havia Talibans de outra crença.
 

Também a Casa dos Coimbras merece referência, mesmo sendo um falso.

Havia no outro lado da rua um palacete do século XVI, com elementos manuelinos. Foi demolido no século XX, mas aproveitaram esses elementos para o reconstruir. Agora é restaurante.

Outros motivos de interesse: as paredes cobertas de azulejo e os presépios esculpidos da Igreja N. S.ª A Branca, do séc. XVIII.

Mas o Theatro Circo de 1914 é que me levou agora até Braga para assistir a um concerto de jazz com Bill Frisell Four.

 
É mais bonito o interior, restaurado como novinho em folha, há 20 anos.

 

Foi um óptimo concerto, gosto muito da guitarra no Jazz.

A maior surpresa, contudo, foi a 100ª página, a Livraria Centésima Página !

A fachada nada promete, é apenas mais uma pesadamente barroca, do século XVIII - a Casa Rolão.


A porta da rua dá para um pequeno átrio; mas a livraria ocupa uma vasta área, tem salas e salas de edições em português lindamente expostas, cafetaria, terraço e jardim - onde há mesas quase sempre ocupadas onde se lê, toma café ou lanche ou almoço. Mas o labirinto livreiro interior é que vale a visita, digamos duas horitas e um saco cheio de livros.

Átrio de entrada.

  

 

Corredor de passagem para o jardim nas trazeiras.
 

 
Imperdível, incontornável, o que quiserem. Já vi coisas assim 'lá fora', cá nunca.

E é assim que a triste, pobre e beata Braga está convertida em moderna, rica e culta e poliglota.

Termino com um pouco da música dos Bill Frisell Four:



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(*) Já publiquei Aqui