domingo, 9 de junho de 2024

Um poema do 'The New Yorker' sobre vida sem 'fé' mas com alegre assombro

Numa recente edição do The New Yorker, encontrei um belo poema com que me identifico completamente. Chama-se The Call to Worship (Apelo ao Culto) e o autor é Bob Hicok.
[tradução minha]

Apelo ao Culto, de Bob Hicok

A possibilidade de o zero ter sido origem do universo,
de todas as nossas coisas virem do nada, o medo
de sermos de tal modo solitários, filhos do acaso, órfãos
até aos nossos átomos, é a mãe da ideia de deus. Deus

é uma roupa que vestimos à solidão, uma máscara
para o encobrir o oblívio, um regulador num mundo
onde nenhuma flor, nenhum urso quer saber se estamos aqui
ou o que fazemos.

Prefiro uma teologia do silêncio, a escatologia
do encolher de ombros, a religião de dar a mão à minha esposa
por agora.

Mas, se o labor da Igreja foi o necessário
para me dar o toque dos sinos nas manhãs de domingo,
que às vezes faz levantar o voo dos corvos e volver as corças,
estou grato por um som que me tira de mim mesmo,
me ergue a cabeça para o Sol e as nuvens, para o acima
e o todo, o azul, o sempre e sempre de tudo, quando dobro
o único joelho que devo dobrar, me sinto
alegremente pequeno, contingente, e mantido, por quê
não sei dizer, privado de tudo.


Bem melhor, o original:

          The Call to Worship

            The possibility that the zero gave birth to the universe,
            that all our somethings come from nothing, the fear
            of being alone like that, children of chance, orphans
            down to our atoms, is mother to the idea of god. God

            is a dress we slip over solitude, a mask
            for oblivion to wear, a rule-giver in a world
            where no flower or bear cares that we are here
            or what we do.

            I prefer a theology of silence, the eschatology
            of the shrug, a religion of holding my wife’s hand
            for now.

            But, if the industry of the church is what it took
            to give me bells ringing Sunday mornings,
            to which crows sometimes rise and deer turn,
            I’m grateful for a sound that pulls me out of myself,
            lifts my head toward sun and clouds, into the up
            and all, the blue, the on and on of it, when I bend
            the only knee I have to bend, feel
            happily small, contingent, and held, by what
            I can’t say, short of everything,


[New Yorker, May 2024]

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