É sabido que a presença de uma população antiga num território deixa marcas mais duradouras na língua falada que nas pedras, documentos escritos e joalharia.
Quase nada temos dos Suevos , e pouco dos VIsigodos, povos germânicos vindos de entre o Elba e o Oder, e a sul até ao Danúbio - que cá chegaram depois dos Romanos, nos séculos V e VI, atravessando os Pirinéus que estavam já desguarnecidos de legiões. Uma hipótese é que viessem a fugir da ameaça dos Hunos.
Taça sueva, Museu da BavieraA mais conhecida 'moda' sueva era apanhar o cabelo entrançado em novelo ('nó suevo'). Os guerreiros eram receados entre os romanos pelo uso da lança, que manejavam com perícia.
Foi Hermerico, rei dos Suevos, quem liderou em 406 a sua migração desde a margem direita do Reno até chegarem à Península Ibérica, três anos depois, estabelecendo-se na faixa atlântica ocidental - o que fora a Gallaecia romana, um pouco expandida mais a sul. Não seriam mais de 30 000; abandonaram o nomadismo e fixaram-se na agricultura, em grandes quintas nos terrenos planos e nos antigos Castros, aproveitando o que estava já construído. Foram mais de trinta anos de 'paz', e o reino foi-se ampliando até Conímbriga.
Réquila foi o rei dos Suevos na Iberia, entre 438 e 448; ambicioso, avançou para Sul conquistando Mérida em 439 e Sevilha em 441, assim tomando posse de grande parte da produção do precioso azeite. Os Romanos enfurecidos enviaram o temível magister militum Vitus, que juntou às suas as tropas visigóticas; Réquila avançou e dizimou os dois exércitos aliados, pondo Vitus em fuga. Não percebo como, se os Suevos eram poucos milhares e dispersos.
O Rei Réquila morreu em 448; foi o último rei Suevo pagão, com 10 anos de vitórias e quase um 'império'.
Rei Requiário (448-455)
Requiário sucedeu-lhe, já convertido ao cristianismo. Foi tambám o primeiro monarca desde os Romanos a cunhar moeda em nome próprio, em Braga: a síliqua de prata onde se lia "por ordem do Rei Requiário".
"IUSSU RICHIARI REGES", por ordem do Rei Requiário cunhada em Braga, capital do reino Suevo. [Museu de Braga]Para garantir a convivência pacífica na península, Requiário casou-se com a filha do rei Visigodo Teodorico II em 449, e alargou o reino sem resistência mais para sul até ao mar, dominando todo o lado ocidental da península.
Expansão máxima do Reino Suevo cerca de 456, conquistada Mérida e Sevilha; até Lisboa seria Sueva em 469 ! A Hispânia do mapa era Visigótica cristã.Tanto domínio territorial desafiou a rivalidade e a ambição visigótica: Teodorico pediu de novo apoio militar aos Romanos e fez uma prolongada guerra aos Suevos, que de início venceram, até conseguir impôr-lhes uma pesada derrota, e perseguindo Requiário até à sua morte no Porto, em 455. Só lhe presta agora homenagem uma estátua em ... Madrid.
Soldado suevo captivo , mostrando o típico enrolamento espiral do cabelo (nó suevo) que distinguia os homens livres. [Biblioteca National de França]Até finais do século VI os Suevos foram sendo dominados e assimilados pelos poderosos Visigodos, que tinham estabelecido capital em Toledo e um vasto reino que abrangia Espanha e França; foi um longo período de escaramuças com avanços e recuos; sob comando do rei Leovogildo, os Visigodos conseguiram tomar os bastiões suevos restantes - Astorga e finalmente Braga, em 585. O então rei Miro, o último monarca prestigiado dos Suevos, aceitou um tratado de paz que que marca o fim do reino Suevo, e os povos mixigenaram-se de vez - estavam já convertidos ao catolicismo desde 560.
Onde existem mais marcas suevo-visigóticas é na nossa língua: uma abundância de termos quase incrível, sobretudo a Norte do Mondego. E sabendo que os Suevos eram menos de 30 000 - nem sequer nos invadiram, foi simplesmente uma onda de imigrantes ! - a herança linguística é admirável.
Palavras de origem sueva/gótica:
agasalho (gasalja), albergue (haribaírgo), aleive (lewjan), arreio (ad ræd), banda*, brétema (suevo brāþm), broa, brotar (brozzen, brut) , bruma (breþmaz), escárnio (skernjan), escuma (skuma), faisca (falwiskan, depois romanizada) , feltro, ganso, guardar (wardon), guerra (werra), íngreme (?), luva (lōfô, que deu glove), marco (mark) , mofo, rapar (hrapon), roubar, roupa (raupjan, rauben), trégua (triggwa) ! ...
Nomes próprios também não faltam:
Afonso Adalfuns , Álvaro alwais, Adosinda hadu sind, Ermelinda ermens lind, Fernando fardi nand, Gonçalo gunther, Orlando Roland, Reinaldo ragin wald, Rodrigo Rudericus, Ronaldo Rögn Waldr ...
Toponímia:
Aldoar (Alde War) , Baltar, Bertiandos (de bairths, nobre), Ermesinde (Airmans Sinths), Esmolfo **, Esmoriz, Esposende, Fânzeres, Fão, Fiães (de ulfi, lobo), Freamunde, Gondomar (=cavaleiro), Gualtar, Gueifáes, Lordelo, Mondim, Nevolgilde (Leuba Gilds), Resende, ti), Sá (saal), Vermoim...
E em geral nomes terminados em -engo e -ães. Estiveram cá por menos de 200 anos e impuseram tantos vocábulos, fóra muitos outros cuja etimologia ainda se discute. Não admira que algumas dessa palavras não existam noutros países de línguas românicas.
Quanto a património material, temos de facto muito pouco: destaca-se o suevo Mosteiro de S. Pedro de Rocas, em Ourense, a mais antiga construção monástica da Galiza; as primeiras três capelas foram escavadas directamente na rocha granítica no alto do monte Barbeirón, certamente no século VI, constituindo na origem um mosteiro rupestre eremita, provavelmente dedicado a S. Martinho de Dume.
O templo destinava-se a igreja monástica de um mosteiro feminino; tem planta de cruz grega. O tratamento que se fai do espaço interior é semelhante aos panteões paleocristãos como o de Gala Placidia.
Quanto ao espólio suevo obtido em escavações, está disperso entre Museus, em paticular os de Conímbriga, Braga (Diocese e D. Diogo), Ourense, Lugo, Vigo, e Baviera, mas também no Núcleo Arqueológico de Dume e até na Casa do Infante do Porto. Para uma população que nunca terá ultrapassado os 100 000 (nos séculos VI e VII), até admira terem deixado marca na História.
Colar de diademas encontrado em Beiral de Lima* no sentido de sítio, de que banda é ?
** deu origem a 'esmolfe'