Para começar bem 2023, preparei demoradamente uma visita a uma cidade lituana pouco falada, cuja valia histórica passa sobretudo pela pertença à Liga Haseática. O centro é atravessado por uma rua invejável, coerente e elegante, que foi há pouco objecto de obras de revalorização, e é agora rua pedonal.
Kaunas é uma cidade central e histórica da Lituânia, com uma perigosa vizinhança - fica perto do exclave russo de Kaliningrad, fonte potencial de ameaças e conflitos.
Devido também à fronteira com a Bielorrússia, os lituanos não vivem descansados receando pela sua independência. As cidades de
Vilnius,
Kaunas e
Klaipéda (de que já
aqui falei), são cidades muito europeias dentro do estilo Báltico, com um historial que remonta aos Vikings e à Liga Hanseática, quando tiveram relações privilegiadas com todos países do Norte da Europa.
A primeira menção à cidade de Kaunas é de 1361, quando foi construído um Castelo em tijolo sobre a margem do rio Nemunas. Por estar na rota importante do comércio Hanseático e ter o seu próprio pequeno porto fluvial, Kaunas cresceu e prosperou e em 1441 integrou-se na Liga com o seu próprio entreposto, que negociava sobretudo com Danzig - peles, couro, cera, madeira, alcatrão, sal, felpo e grãos. Uma casa adequada para os mercadores da Hansa que pernoitavam em Kaunas era uma necessidade pelos meados do século XV.
Casa de Perkunas
A Casa de Perkunas (deus do Trovão) é a mais antiga casa gótica da cidade velha de Kaunas. Foi construída por mercadores hanseáticos e serviu com escritório da Liga entre 1440 e 1532. Fica num quarteirão histórico junto ao rio, perto do antigo porto, e onde há outras casas dessa época.
Outro exemplo é a 'Casa de Echel', também do século XVI, recentemente restaurada e que pertence também à Universidade; uma história não confirmada conta que Napoleão na sua passagem (devastadora) por Kaunas pernoitou nesta casa num dia chuvoso de Junho, e por isso é conhecida como Napoleono namas.
O frontão é renascentista.No século XVI, Kaunas teve a sua Escola e um Hospital, e era uma bela cidade tardo-gótica. Já nessa altura foi vítima da cobiça da Rússia, que atacou várias vezes em 1665, e acabou ocupada pelo exército sueco em 1701. Já no século XIX, foi alcunhada "Pequena Paris" pela abundância de arquitectura Art Deco, pela vida cultural e académica, pela moda e decoração, e por uma alargada cultura de Cafés. E isto acompanhado por elevados padrões de qualidade de vida.
Depois dos desastres de civilização no século XX, Kaunas renasceu com a adesão da Lituânia à União Europeia, e é hoje uma cidade média com 300 000 habitantes. A vida de cafés ficou para a História, o que mais vale na cidade é o Castelo e a rua Vilniaus com a sua arquitectura.
O Castelo
A fortaleza actual é do início do século XV, quando o poder lituano se estabeleceu expulsando a Ordem Teutónica que reinava na região. A partir de então Kaunas pôde-se desenvolver fora de muros.
A torre e a fortaleza continuaram a ser objecto de alterações nos séculos posteriores.
Basílica Gótica de Kaunas, nº 1 da rua Vilniaus
Pouco se sabe da igreja original; uma reconstrução teve lugar em 1671, e ao gótico tardio foram adicionados vários elementos renascentistas e barrocos. A edificação actual resulta de alterações em 1800.
Os interiores forma renovados em 1771 e 1800.
O órgão neo-gótico de 1882 é obra de um mestre de Vilnius.
Rua Vilniaus (Vilniaus gatvė)
A rua parte da Praça da Câmara, um vasto largo quadrangular onde algumas casas do séc. XV recordam os tempos da Liga Hanseática.
A Vilniaus é a rua mais antiga e mais longa do centro histórico, agora uma rua pedonal repleta de esplanadas, receita seguida em quase toda a Europa. Começou por ser o caminho medieval que partia do Castelo para Vilnius; as casas de madeira iam sendo substituídas por casas de tijolo vermelho de famílas mais abastadas.
Rua Vilniaus, nº 10Casa de famílias ricas, construída em tijolo no séc XVI, com elementos góticos, renascença e barrocos, e notáveis frontões nas empenas laterais.
Rua Vilniaus, nº 7
Edifício do final do século XVI, no estilo gótico em tijolo típico do Báltico. Pertence à Universidade.
O portão dá acesso a um pátio interior
Rua Vilniaus, nº 11
Uma das esquinas mais bonitas e animadas. É curioso verificar a prientação das duas casas, uma com a fachada mais larga voltada para a rua, a outra mostra a empena de frontão.
Nestes edifícios históricos está (estava?) instalada a Livraria Humanitas, Knygynas Humanitas.
Aqui fica também a Taverna Buon Giorno, sítio para um bom espresso:
Rua Vilniaus, nº 21
Outra casa gótica de tijolo com frontão renascentista.
O Café Vero instalou-se nos nº 18-23
Rua Vilniaus, nº 29
Nesta esquina fica o colégio católico Stº Inácio de Loyola.
Chegados aqui, a rua é interrompida pela estrada 130 e continua do outro lado; para quem caminha, há uma passagem em túnel sob a estrada.
Do outro lado, a Vilniaus muda de carácter; passa a ser avenida sossegada e larga, alinhada de belos prédios de dois-três andares em cores suaves.
Rua Vilniaus, nº 33O edifício histórico da Presidência da Lituânia quando Kaunas foi capital , entre 1919 e 1940. Agora é um Museu.
Rua Vilniaus, nº 58-60
Casa de 1910, com loja de requintada louça Checa, e mais cafés
Rua Vilniaus, nº 64
A escultura "Nežiopsok!" fecha a rua e testemunha uma época passada da sua vida urbana.
Nesta última esquina fica um quiosque da popular cadeia Kauno Spauda, que além de imprensa vende frutas e legumes.
A rua termina pouco depois na Avenida da Liberdade, próximo do local da
Igreja de Stª Gertrudes
Admite-se ter sido construída no século XV , não há registos históricos.
Kaunas à noite
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Não haverá muito mais a ver em Kaunas, mas já basta para justificar uma paragem diferente dos roteiros habituais. São muitas - cada vez descubro mais - as cidades do Báltico e do Mar do Norte que testemunham uma História tão rica como a do Adriático. Já aqui mencionei Stade, Lübeck, Wismar, Stralsund, Ystad, Visby, Klaipėda, Pärnu e no Mar do Norte, Ribe, Bruges, Bergen, King's Lynn. Gosto tanto dessa Europa ! No Renascimento e na Idade das Luzes, foi nelas que prosperou a ideia de civilização e o cosmopolitismo.