terça-feira, 21 de maio de 2024

Sokolov na CDM: a peregrinação anual e os 'encores'


Grande concerto sem dúvida, Grygory Sokolov ontem na CDM . Terminou - nem acredito  na minha sorte ! - com a BWV 639 (Ich ruf zu Dir), composta para órgão, numa sentida e bela interpretação.


Foi mais ou menos assim:
Um belo concerto, começando com 4 Duetos de Bach, avançando até Schumann - a obra prima Waldszenen (Cenas da Floresta), op 82 - e voltando às origens ao terminar. Uma das mais conseguidas presenças do pianista nesta sala e um dos poucos concertos imperdíveis deste ano.

À falta de uma gravação de Sokolov, deixo Maria João Pires com as Waldszenen

Já agora, também me agradou imenso saber que Sokolov adoptou a cidadania espanhola !  Não deixo de admirar esta atitude radical, sobretudo quando comparada à indefinição ambígua de outros ou, ainda pior,  à acomodada pactuação com o regime russo. Grigory Sokolov ofereceu ainda toda a receita do seu recital na Vienna Konzerthaus a 13 de Março para apoio humanitário aos ucranianos.

E termino com a versão original para órgão da BWV 639.
Este pequeno prelúdio tem uma aura especial associada a outra obra de arte mais moderna: foi usada por Andrei Tarkovsky na banda sonora do seu opus magnum Solaris. Ver  aqui.

sábado, 4 de maio de 2024

Um poema de Serhiy Zhadan, de Kharkiv


Pelo menos agora

      Pelo menos agora, diz o meu amigo,
      Sei como é a guerra.

      Bem, como é então? Pergunto.

      Como . . . Nada,  responde.

      E fala com certezas:
      desde que foi capturado, pode falar sobre quase tudo
      com certezas, graças a essa experiência.
      Isto é, com ódio.

      Quando ele fala, mais vale não responder:
      seja como for, não concorda.
      Mantém a sua posição, 
      Considera isso a maior honra,
      manter a sua posição em tempo de guerra.
      Negar o sol, negar
      as correntes do oceano.

      Então é isso:
      Guerra . . . Nada.
      É assim que falamos dela
      sem adjectivos.

      Como te sentiste ?
      Como . . . Nada.
      Trataram-te como ?

      Como . . . Nada.
      Que dizes sobre esse assunto?
      Nada.
      E agora, como podemos nós viver com tudo isso,?

                                                             Serhiy Zhadan , 2017



Serhiy Zhadan nasceu em 1974, ano da nossa libertação. Entre muitos outros prémios, recebeu o Prémio Hubert Burda para jovens poetas (Áustria, 2006), o Prémio Literário Jan Michalski (Suíça, 2014), e o Prémio Literário Angelus (Polónia, 2015). Zhadan vive em Kharkiv, Ucrânia.