sábado, 29 de junho de 2024

Arcos de Valdevez é cidade agradável, mas o melhor é a estrada para Sistelo.


Gostei de estar bem instalado em Arcos de Valdevez a passar os dias de calor finais da Primavera. É uma cidade pacata, limpa e cómoda para passear, tem os seus recantos, e as margens do rio Lima facultam paisagem, sombra e refresco. O nosso hotel estratégico não podia estar melhor situado, e com espaços agradáveis para fruir as vistas e o rumorejar do Lima nos açudes.

A ponte dos arcos, de 1880.


Mas são muito mais as coisas que os Arcos não têm, umas boas e outras más. De mau, não tem turismo aos magotes, nem excursões de camionetas, nem bares e tascos por todo o lado, não tem Mac nem King nem Hut, quase nenhum trânsito urbano. THAT is good !

Mas também não tem sítio de jeito onde se faça uma refeição ao menos mediana; nenhum café clássico apetecível, apenas uma pastelaria vulgar, fecha tudo às 19 horas e pronto (nesta altura ainda há tanta luz...)´

O centro da vila. Zero animação, contra a multidão indigente nos bares em Ponte de Lima. Assim é melhor, mas...

Muito pior: não tem nadinha de cultura - nem Museu, nem Cinema, nem Teatro, nem Cafés (já disse) e nem sequer uma livraria consegui ver ! Jornais, há só um quiosque e poucas horas aberto. De arquitectura, umas casas solarengas vulgares. Pacata, pacata, sim, repousante e limpa e arrumadinha até mais não.

O bizarro pelourinho manuelino, para aqui trasladado, após várias deslocações anteriores.

O único edifício de alguma antiguidade é a Capela da Praça (a N. Sª. da Conceição), séc. XIV/XV, uma capela mortuária que sobreviveu por milagre, tão pequena que é e na realidade insignificante. A porta gótica é bonita, vá.

A Igreja de maior valia será a da Misericórdia, do século XVIII, mesmo mesmo no centro. Se calhar é de facto 'o' próprio centro, com banquinhos de pedra à sombra onde é bom recuperar os pés. 


E o interior até surpreende, já de inspiração neoclássica.



Tecto de madeira com três painéis figurativos de 1747.


Numa pequena vitrina, como se precisasse de protecção especial, uma imagem de Filomena, mártir grega do século III, com um ramo de palmeira na mão, símbolo da vitória sobre o martírio ás mãos de Diocleciano. E sobre esta curiosa imagem, nada mais se sabe. Estranho. Fica aqui o desafio.


Ao lado da Igreja fica o Palacete que é sede do Notícias dos Arcos.

Imponente mas desleixado.

Nas ruas estreitas mais antigas há raros motivos de interesse; achei graça a este prédio numa bifurcação de ruelas que me lembra muitas coisas 'parecidas' - mas muuuuuito mais belas - que vi lá fora, em Itália e na Suíça.



Pelo menos tem uma laranjeira, dois banquinhos e um poste dos correios. Que querido, o sítio mais fotogénico dos Arcos de Valdevez.

Com boa vontade, consegue-se descobrir um ângulo.



O Solar da Ponte merecia melhor sorte - seria uma imponente casa nobre, brasonada, se não tivesse ficado meio 'enterrado' pela rampa de acesso à ponte de pedra de 1880, que substituiu uma anterior de madeira.




O brasão da família, com as armas dos Araújo, Amorim, Azevedo e Coutinho, de ca. 1800, interrompe a cornija.


 Vamos mas é para Sistelo.




segunda-feira, 17 de junho de 2024

Aldeia e Mosteiro de Ermelo, recônditos numa curva do Lima desde 1230. Passeio a 30º C.

Só passavam 47 anos desde que existe o país Portugal, e já monges Beneditinos se instalavam num sítio impensável, longe de tudo, quase invisível, nas margens do rio Lima já perto do Soajo - num belo mosteiro Românico. Estas coisas da nacionalidade e da igreja andaram sempre juntas e são um escolho para um tipo como eu, que nem vai com uma coisa nem com a outra; mas como sugere o poeta (para o caso, o poeta Bob Nik que aqui publiquei há poucos dias) basta-me o tocar do sino e as estrofes de Camões para ao menos me darem algum alegre assombro. É o melhor que posso no 10 de Junho.

Ermelo, Arcos de Valdevez

foto 'Evasões'
Ermelo fica no concelho de Arcos de Valdevez, por onde andei a passear. Encontra-se na estrada municipal 530, e só com atenção se evita passar adiante sem dar conta do desvio: aparece uma estreita mas muito íngreme rampa que se precipita encosta abaixo até ao Mosteiro e ao rio.


Ao fundo de uma encosta onde o Lima curva, frente a outra encosta intensamente florestada, Ermelo está ao mesmo tempo isolada e bem situada. Acessível por uma rústica ladeira, há uma dúzia de casas de pedra pobres (mas bonitas à sua maneira), à volta de uma Igreja que já foi Mosteiro, num terreno onde crescem laranjeiras e um percurso pedonal ribeirinho - a Ecovia do Ermelo. O meu espanto maior foi não se ver nem ouvir ninguém - quando lá cheguei estava deserta, nem padre, nem peregrinos, nem turistas, nem pastores (que os há !).

Bem mais difícil de descer !

No fim da ladeira, um pequeno núcleo de casas frente ao cruzeiro.



O cruzeiro é de 1260. Portugal nasceu mais ou menos assim, e o local é bem evocativo.


E do lado do rio Lima está o Mosteiro de S. Bento


O que resta é quase só a Igreja, mais algumas ruínas exteriores.

A porta principal é bem modesta, sóbria, com a cruz definida por quatro orifícios na pedra, simples e bonita.


Deve ter sido D. Teresa quem patrocionou a construção do mosteiro para a ordem Beneditina, no seu breve reinado ainda antes da nacionalidade; a ordem de Cister foi adoptada por ordem de D. Sancho II no final do século XIII, ficando na área de influência do Mosteiro de Fiães.
Não se vê ninguém, nem se ouve - mas a porta lateral está aberta !




Um dos capitéis interiores.

Na sua forma original seria uma igreja de três naves e cabeceira com três capelas; mas o plano original de Cister não foi concluído. A nave lateral foi suprimida, restando somente o arco triunfal da capela (visível no exterior). 

A porta lateral, por onde entrámos, e o arco românico que faria parte da nave direita.

Todo o plano arquitectónico geral da obra é exemplar do modelo típico utilizado pela ordem de Cister. 
É mais uma fresta que uma janela, mas nem por isso deixa de merecer elaborada decoração.

Um dos capitéis exteriores.

Sobre o telhado ainda é visível uma rosácea românica original do projecto cisterciense, que seria o elemento iluminador da nave central.



No século XVI, já empobrecido e pouco frequentado, passou brevemente a Santa Maria de Ermelo. Além de laranjas, nada produziu de notável, mas continua a haver romaria para uns poucos aficionados... e até é bonito à noite!


De resto, a aldeiazita...


Na verdade, é a aldeia que dá sentido à igreja conventual. São casitas tão improvisadas, tão a esmo, tão simplórias, que acabam por fazer um conjunto harmonioso. E em redor as laranjeiras. Cenário de filme.




As laranjas de Ermelo são afamadas desde que os monges do mosteiro iniciaram a plantação de laranjais. Ainda há muitas ao longo da Ecovia do Ermelo.

Com o Lima a brilhar ao sol de 30º, uma laranja vinha mesmo a calhar.

Com o que vi de turismo quase a zero (só nós), sugiro - sem estragar - uma lojinha de venda de laranjas com umas mesitas para beber sumo e tomar café. Claro.

Pela estrada EM530

Deve ser uma das mais 'verdes' do país, na Primavera. Pouco depois da saída dos Arcos, começa um regalo de verdura, atravessando uma área florestada de quase tudo menos eucaliptos. Abundam carvalhos e castanheiros, amieiros e oliveiras, muitos pinheiros; muros cobertos de hera, trepadeiras e 'caídeiras' verdes, e nos terrenos planos abertos algumas ramadas.
A não perder o desvio em rampa descendente até à Ecovia de Ermelo: 


De novo na EM530, ao aproximar de Ermelo, as vistas abrem-se do lado do rio. 

Na M530, o miradouro de Pedralta surge uns quilómetros antes de Ermelo.

Mas é depois do miradouro que se percorrem os quilómetros mais bonitos da M530, sempre a 'mirar' o Lima, até à ponte que o atravessa junto à foz do afluente Adrão, hoje lugar de luxuriante vegetação.

Ponte sobre o Lima junto à foz do Adrão e à antiga Hidroeléctrica.


E assim termina a passeata à volta de Ermelo nesta verde Primavera.