domingo, 13 de julho de 2025

5 sítios que já não existem tal como os vi - na Bósnia, Escócia, Sussex e Nova Iorque.


Destruídos ou muito alterados, pela guerra ou por incêndios, são pelo menos cinco locais onde tive a sorte de estar antes da catástrofe. Recordá-los traz lamentos, amargura, e uma espécie de carinho - até as pedras merecem saudades.

Sarajevo e Mostar em 1982

Foi a convite da minha namorada, nessa altura leitora de Português em Zagreb, que me desloquei à Jugoslávia; Sarajevo e Mostar foram duas cidades que visitámos num Verão escaldante, levados por uma mística de serem cidades de herança cultural múltipla, onde muçulmanos e cristãos conviviam em paz. Mesquitas e vestes que escondem quase todo o corpo não tinham nesses tempos conotações assustadoras nem inamistosas. Depois vieram os Olímpicos de 1984, mas tudo acabou na selvagem agressão Sérvia.


Das janelas partiam durante a guerra os tiros fatais dos snipers sérvios.

A Biblioteca Nacional de Sarajevo, arruinada pelo fogo durante 1993, está agora reconstruída em todo o seu esplendor com financiamento da UE, e presta também o serviço de Câmara Municipal. 


A famosa fonte otomana Sebilj, que os austro-húngaros renovaram em 1891, no centro da praça do mercado, que foi também cenário de confrontos e tiroteio, e desfigurada durante anos. Agora a praça está um brinquinho para turistas, fabricado com dinheiro europeu.


Uma das memórias mais vivas foi a subida ao monte onde anos depois iriam decorrer os Olímpicos; enquanto vagueávamos entre o arvoredo da encosta, surgiu um senhor de muita idade, andrajoso, que andava curvado sobre a terra, como quem colhia flores ou plantas aromáticas. Não: eram cogumelos, e lá entendemos num inglês misturado com croata que o senhor era.... um bruxo! Andava aos cogumelos para mezinhas curativas, ou não.

Em Mostar, ainda mais calor. 


Havia um café era na casita encostada à ponte, do lado direito.


Lembro-me bem do café turco num Ibrik de cobre martelado e um copo de água junto à ponte, depois mais pela sombra do fim da tarde um cevapcici numa espécie de confeitaria, servida por um bósnio vestido a preceito. Se fosse hoje, eu fugia.

A Stari Most, sobre o rio Neretva, construída no séc XIV e destruída em 1993.


A artilharia sérvia rebentou com o tabuleiro da ponte. Teve de ser demolida antes de reconstruída com as mesmas pedras - mas já não é a mesma; contudo, foi ganhando 'patine' e hoje voltou a ser Stari Most.

World Trade Center, em 1998

Não estava nada entusiasmado com a ideia de subir à torre do WTC. Não foi para isso que viajámos até Nova Iorque, mas o perfil e a altura das gémeas marcavam de tal forma as vistas desde Brooklyn ou State Island ou Southport que acabámos por ser tentados.

 


 

 

Glasgow School of Art, em 2007

Glasgow agarrou-nos. A arquitectura da cidade esmaga e deslumbra, o seu planeamento num sentido ao mesmo tempo de imponência e de acolhimento, o contraste da zona comercial mais colorida e cultural com as zonas monumentais Georgianas e Victorianas, contribuem para o agradável que é andar a passear pelo centro: as belas Gordon Street, St. Vincent Street, a John Street com as suas arcadas neo-renascença.

A Escola de Arte é a obra maior de Charles Mackintosh, arquitecto escocês que integrou o movimento Arte Nova com um estilo muito pessoal. Está situada em Renfrew Street, e durante obras de restauro em 2018 ardeu quase completamente, os danos foram tremendos. O que lá existe hoje é um triste estaleiro...


Eastbourne Pier, em 2013

Eastbourne fica no Sussex perto de Brighton, um pouco mais a leste. É uma vila de férias de Verão - tem praias formosas sob as falésias brancas, um mar que surpreende, suave e azul, e uma frente marítima corrida de fachadas no estilo Victoriano para ricos em vilegiatura; e... um 'pier', essa famosa invenção inglesa, um pontão de ferro forjado sobre estacas que se prolonga dezenas de metros mar adentro, onde sabe bem passear, sentir a brisa, sentar, e claro, consumir. Uma instituição very british.


Construído entre 1866 e 1872, com trabalho em ferro do melhor que se fazia na altura, e ancoramento elástico para resistir ao mau tempo. Uma obra da 2ª Idade do Ferro, a da Revolução Industrial.



Um ano depois, em 2014, ardeu de forma dramática, reduzido a um esqueleto de ferro enegrecido. Os restauros começaram há pouco.

Podia ainda referir outra obra, a Notre Dame de Paris, que não merece menção aqui por ser caso recente e muito televisionado. Mas na realidade são 6 as obras que morreram depois de as termos visto.



domingo, 6 de julho de 2025

Mata da Margaraça, um bosquezinho precioso no leste da Beira Litoral


No concelho de Arganil, na serra do Açor a uma altitude entre 600 e 850 m, há uma pequena floresta denominada Mata Nacional da Margaraça. Apesar de muito degradada no incêndio de 2017, nem tudo se perdeu, a mata recuperou bem e ainda é um valioso bosque de solo xistoso, rico de vegetação nativa da Península, um raro exemplo do coberto vegetal primitivo que existia há mais de  20 000 anos, quando o clima era mais tropical.

É um espaço verde muito calmo, denso, fora das rotas excepto para quem anda por perto do Piódão. Não tem estruturas turísticas como o Gerês, vê-se num dia, são apenas 68 hectares.
 
A M518 no início da descida para a Margaraça.

O acesso é a partir de Coja pela estada N344, desviando adiante para Pardieiros pela estrada municipal EM 518, que passa de asfaltado a empedrado e se estreita numa rampa de descida para a Mata.

 
A M518 entra pela Mata da Margaraça 
 
Encosta N-NE da serra do Açor coberta de arvoredo.

  

Carvalhos são as árvores mais abundantes, de variados tipos (alvarinho, negral, roble, cerquinho); muitos sobreiros, castanheiros, e também freixos, ulmeiros, vidoeiros, cerejeiras, medronheiros, aveleiras, loureiros; de salientar uma espécie rara - os azereiros.

As maiores manchas de azereiro no país.

O azereiro (Prunus lusitanica), também chamado loureiro lusitano, é uma planta rara: só existe na Península Ibérica e nalgumas pequenas manchas no sudoeste de França. Era abundante até ao final do Pleistoceno (antigo Terciário), há cerca de 15 000 anos, antes da última glaciação; agora constitui um relíquia histórica que sobrevive em climas onde não chega o frio seco, onde existe humidade elevada e temperaturas moderadas - em vales estreitos ao longo de linhas de água. 

Folhas e flor de azereiro
 
 
O fruto é uma pequna baga, muito amarga, que vai escurecendo à medida que amadurece.

Portanto, uma jóia vegetal preciosa na Margaraça. 

Alguns outros exemplos da variedade de espécies vegetais:

Selo-de-salomão (Polygonatum odoratum) 
 
 
 
Cerejeira brava
 
Medronhos

Na sombra destas árvores e arbustos, crescem muitas outras plantas, algumas raras, como o martagão (Lilium martagon) e outras invulgares, como a pombinha (Aquilegia vulgaris) e a Veronica micrantha, um endemismo ibérico ameaçado.

Lírio-Martagão, espécie rara.

Aquilegia
 
Uma das flores mais bonitas da Mata.

Veronica Micrantha
 
Espora-Brava 
 
Erva-benta 

Há também muito azevinho (Ilex aquifolium), protegido; a variedade de flores inclui ainda orquídeas e narcisos. Abunda os fetos, musgos, líquenes e cogumelos.
 
Feto-pente
 
O silêncio é a magia dos bosques - não perturbar é a primeira prioridade. 
 
Mais vale ir logo que possível, nunca se sabe quando será o próximo fogo.
 
Cascata da Margaraça
 


A nossa miséria florestal
 

As manchas verdes de floresta mista mais significativas do país são a Mata da Albergaria, no Gerês, e (era) a Mata da Margaraça. Outras de menor valia são a mata do Buçaco, a Serra de S. Mamede, a Serra da Arrábida. Se olharmos para a península, estas manchas são quase irrelevantes à beira da vasta verdura das maiores manchas de floresta, em torno e a norte da Cordilheira Cantábrica - Los Ancares, Somiedo, La Ubiña e Picos da Europa. É chamada a "Espanha Verde", de Léon a Santander.


Um dia também hei de publicar uma descrição detalhada dessa mancha verde Cantábrica.



terça-feira, 24 de junho de 2025

No Cáucaso : Torres Svan de Ushguli e a igreja mais elevada da Europa

Regresso às montanhas da Geórgia.

Depois das belas Mtskheta Mestia, as aldeias do sul do Cáucaso, na região classificada da Svanetia, são outra maravilha. Podem lembrar remotamente as nossas aldeias de Beira Alta e Beira Baixa, casas de pedra a esmo com vacas a passar pelos arruamentos toscos entremuros. Mas o conjunto de aldeias da Svanetia tem uma dimensão e coesão espantosa, um impacto visual fortíssimo com as suas torres fortificadas nos estreitos vales erguendo-se contra o fundo de picos acima dos 3000 metros.

Estamos nos confins da Europa, a paredes meias com a Ásia. O Cáucaso é a fronteira, palco de tantas invasões e batalhas, os seus poucos passes de montanha fortificados; as surpresas abundam, muita História se desenrolou ali entre Roma/ Bizâncio, a Pérsia Sassânida, os Mongóis, e, claro, Turcos e depois Russos. Meio mundo às turras, para lembrar que a coisa vem de longe. Mesmo assim, em tempos de paz por ali transitaram caravanas das rotas comerciais do Oriente, que conseguiam atravessar para a Europa pelos difíceis portos de montanha. A rota da seda também passou por aqui. Actualmemte, uma única travessia é permitida por estrada, fortemente controlada devido ao conflito com a Rússia na Ossétia.

O Cáucaso georgiano atinge o ponto mais alto a ocidente, na região da Svanetia, e é nessa direcção que, a 2100 metros de altitude, se situa Ushguli, um aglomerado de povoações na encosta sul, perto do sopé do Monte Shkhara (5130 m). Num sítio desses não se espera nada como uma aldeia suíça, arrumadinha, como nova; não - é pobre, caótica, arruinada e quase toda feia. Mas ... é espectacular! 

A Svanetia (azul) é a região protegida do Cáucaso mais rica de património. Os russos ocuparam a Abkhazia e a Ossetia (amarelo).

De Ushguli para o Monte Shkhara segue-se pelo vale ao longo do rio Inguri.

Rio Inguri, já perto do glaciar do Shkhara.

Ushguli ( უშგული )
População: ~ 230 hab.
Altitude: 2 100 m

Chazhashi é a principal aldeia de Ushguli. Ao fundo, o Monte Shkhara, o mais alto da Europa (excluindo a Rússia).

Situada na confluência dos rios Inguri e Shavstkala, que descem do glaciar do Monte Shkhara, Ushguli é uma comunidade de quatro aldeias, 45 km a leste de Mestia (património mundial da UNESCO). Ushguli é a mais elevada povoação habitada da Europa.

Devido à situação e às Torres Svan (séculos IX-XII) tem sido destino de turísmo de aventura promovido pelo Estado, e assim no meio dos casebres em ruína ou habitados por gente que subsiste surgem 'restaurantes' que mais serão tascas , e 'hotéis' semelhantes a pensões baratas. Incrivelmente, o conjunto de aldeias resiste e parece cada vez atrair mais viajantes que mais parecem peregrinos, chegados em todo-o-terreno 4WD.

As povoações vizinhas no vale do Inguri que no conjunto se conhecem com Ushguli são: Chazhashi ou Chajashi (ჩაჟაში),  Zhibiani (ჟიბიანი), Chvibiani(ჩვიბიანი), Murqmeli ou Murkmel (მურყმელი). Rodeiam a mui venerada Igreja de Lamaria, que protegiam, juntamente com o acesso ao vale, com as suas centenas de torres fortificadas.

O rio Inguri é o eixo vital de Chazhzshi.

Chazhashi, com 28 habitantes, é a mais visitada, talvez a maior, com alguns serviços básicos. Só nesta aldeia há 200 edificações medievais classificadas 'Svan' - torres, igrejas, castelos, machubs (casas térreas anexas às torres). Há um pequeno museu etnográfico com artefactos desde a Idade Média numa dessas machub.


Na Idade Média, quando sob ataque, os habitantes refugiavam-se no alto das torres, subindo um estreita e íngreme escada interior em caracol; nenhum atacante conseguia mais do que entupir a escada com os primeiros caídos. 


Além do gado, a principal riqueza era ouro (havia minas bem conhecidas em toda a zona) e os ícones.

Um labirinto de ruas, vielas e largos, percursos de fazer a pé e com o gado.

Numa aldeia onde não chegam a viver 30 habitantes, não era de esperar uma sala de cinema, nem um museu. Mas Chavashi tem.

A sala de cinema 'Dede'. Quando há, junta-se a aldeia toda.

Vista do alto da Torre da Raínha Tamar, Chazhashi estende-se ao longo do Inguri para poente.

A Torre Negra do Castelo de Tamar, do século X , foi residência de Verão da Raínha Tamar (1184–1213), a heroína nacional da Geórgia que reinou no 'período de ouro' medieval. Devia escrever "Rei Tamar", porque foi assim que a designaram para mostrar estima e respeito.

A Torre ergue-se numa colina acima de Chazhashi.

Lá do topo, visitável, tem-se uma das melhores vistas de Ushguli a estender-se pelo vale do Inguri até à aldeia de Murqmeli e, ao longe, o pico nevado do Shkhara.

Murqmeli ( უშგული)


Chvbiami - Museu Etnográfico de Ushguli 


Instalado no primeiro andar de um machub, igual a tantos outros, apresenta uma modesta e ainda caótica colecção de artefactos locais.

Taça para pão

Um berço suspenso.

Cinzeiro - sim, deviam fumar como demónios, todos juntos, momento de celebração.

Placa em latão prateado, provavelmente para capa de livro de altar.

Varanda fechada com rendado de madeira, uma casa rica.

Zhibiani - a Igreja de Lamaria

O coração anímico destas aldeias é a Igreja de Lamaria; está situada no topo de uma elevação, de costas para o majestoso Monte Shkhara, a torre feita pelo homem contra os 5000 metros da montanha nevada.

A 2100 m, a igreja mais alta da Europa.

Cercada por um muro baixo, é uma igreja medieval ortodoxa dos séculos IX ou X, de planta simples, com uma Torre Svan e uma ábside exterior; está revestida de frescos muito degradados. O nome Lamaria não engana: a designação ortodoxa do templo é Igreja da Mãe de Deus.



É talvez o templo mais admirável da Svanetia.


Decoração sobre a janela estreita que ilumina o altar.


A Igreja tem uma pequena torre Svan e um um sino exterior.

Ícone da Virgem, a padroeira

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Falta o imprescindível café: chama-se Café Lemi. Já se tornou ponto de encontro bem conhecido dos visitantes.

Num dia de sol, com vista para os cumes nevados, que bem deve saber !

A Geórgia bem precisava de um forte apoio da Europa, mas com a urgência dramática na Ucrânia é difícil que isso aconteça por agora. Vai tentando aumentar os recursos por via do crescente turismo.

A Torre Negra de Tamar

O complexo de Lamaria

Lamaria ao longe e a minúscula capela de S. Jorge mais perto.

Perto, uma 'estrada' tosca segue em direcção a leste para uma travessia da montanha, o Zagari Pass, bem conhecido de trekkers e esquiadores. Em tempos dava acesso a um posto de fronteira, agora fechado (está indicada no mapa verde).