quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Carrazeda de Ansiães: não é um top dos roteiros, mas está carregada de História


Já estive no Douro a navegar, uma temporada em Freixo de Espada a Cinta, uma temporada em Miranda, outra em Torre de Moncorvo, outra em S. João da Pesqueira; mas a melhor base para uma visita bem planeada é Carrazeda de Ansiães.

A Praça 6 de Abril, inde está a Biblioteca e a Fonte das Sereias.

Uma cidadezita transmontana sem nada que dê nas vistas, nada de famoso, então de que gosto eu nela? É limpa, de geometria urbana simples, sem 'monos' que estraguem o casario branco ou em pedra, cómoda de passear. Tem uma bonita biblioteca, uma invulgar fonte barroca em frente, um moínho de vento, vielas rurais antigas bem cuidadas. E nas cercanias uma formidável anta pré-histórica, uma igreja românica do séc XIII, um Castelo em ruína, e o Douro ali tão perto.

O edifício onde está a Biblioteca, de 1736.

A data 6 de Abril é a da elevação de Carrazeda a Concelho, em 1737; a Casa da Câmara é a actual Biblioteca, de 1736-37, tal como a Fonte das Sereias :

Chafariz rodeado de 4 cariátides, séc XVIII.


Painel de azulejo à entrada da Biblioteca. Cargaleiro ? Cutileiro ? Não consegui saber.


Um modesto mas bem agradável centro histórico. E por trás da Biblioteca, ainda encontramos ruas de aldeia do tempo da Carrazeda rural, antes de Carrazeda ser promovida a sede do Concelho.

As ruas antigas, para o lado direito da Biblioteca
Rua Sacadura Cabral
Rua Capitão Lopo
Rua Senhor dos Aflitos
Travessa do Carvalhal

Destas ruas só consegui imagens de fraca qualidade, que não dão para ampliar:

Rua Sacadura Cabral

Rua Capitão Lopo

Rua Senhor dos Aflitos

Caminhada pelas ruas de Carrazeda.

Durante as festas da cidade, várias actividades recordam o passado.

Agora a caminho da zona comercial moderna, surge o Jardim Lopo Sampaio:


É como o centro cívico da cidade, onde estão os Correios e se podem comprar jornais. Lopo Sampaio, nascido em Carrazeda, foi capitão de Cochim e Governador-Geral na Índia. Uma praça e jardim de memória colonial, coisa "incorrecta".
 

No centro da vila, as ruas têm nomes de escritores ou de 'heróis´ nacionais. A maior e mais animada é a Rua Luís de Camões, com restaurantes, cafés, farmácia, ópticas, quiosques, ourivesarias...

A Rua Aquilino Ribeiro, a Antero de Quental, homenageiam as letras; as Gomes da Costa, Saldanha, Capitão Lopo Sampaio, os militares. O melhor alojamento e o melhor restaurante estão ao fundo da rua Marechal Saldanha. Também perto fica o Moínho de Ansiães, um moínho de pedra tradicional tardiamente construído em 1900,só trabalhou durante 10 anos. Está restaurado como museu.

Moínho de vento construído no início do séc. XX para moer o trigo produzido nos campos circundantes à sede do concelho.



A casa nobre mais interessante nas proximidades de Carrazeda de Ansiães é sem dúvida a Casa de Selores, a 5 km (6 minutos) para sul, mas está num estado ruinoso deplorável. Para mim, os grandes monumentos do concelho são a Anta e a Igreja do Castelo.

Anta de Zedes

Localização: 41º16 N , 7º 17’ W


Dólmen do 3º milenio AC , fim do Neolítico ou princípio do Calcolítico, de câmara poligonal, composta por nove lajes imbricadas, sustentando uma enorme laje de cobertura. A entrada é marcada pela existência de um "vestíbulo", constituído por duas lajes deitadas.


É uma das mais bem conservadas antas do país. A laje de cobertura terá mais de 15 toneladas.

 A altura interior é de 2,15 - 2,20 metros, e a altura máxima exterior de 3 metros.
 

Se a partir de Carrazeda descermos para o rio Douro pela estrada municipal 632 , vamos passar à antiga Ansiães, uma vila muralhada em ruínas. Aí se encontra a 

Igreja de S. Salvador de Ansiães

Localização: 41° 12′ N, 7° 18′ W

Belo templo Românico do séc XIII, reinava D. João I, talvez o melhor reinado de sempre em Portugal.



Maravilha de portal, profusamente decorado



Um Dólmem pré-histórico, uma igreja românica, uma fonte barroca... tudo isto é Europa, a História da Europa neste território periférico a oeste. O Castelo é outro desses elementos, do período medieval (séc. XII-XIV) provavelmente terminado no reinado de D. João I.




Para um passeio perfeito, só nos falta ir até ao Douro !


Na estrada EM 632 que desce para o rio passamos de seguida em Selores, onde há um casa nobre barroca em ruína; após Seixo de Ansiães é que a paisagem começa a deslumbrar, descendo a encosta em curvas e contracurvas por entre belos terraços de oliveiras, castanheiros e carvalhos, e começando a surgir vinhedos em socalcos. 


Surge a placa de entrada no Alto Douro , Património Mundial, e seguimos entre vinhas e olivais até que o Douro surge subitamente após uma curva. 



Chegando lá abaixo, estamos na Quinta da Senhora da Ribeira, com cais de acostagem e restaurante.


Uma das melhores vistas é para jusante, ao longe está a inconfundível Ponte de Ferradosa, entre escarpas de oliveiras e vinhas em socalco.


Podemos ainda seguir por um estradão marginal estreito em terra batida, a desfrutar o rio por alguns quilómetros até uma ponte com belo enquadramento. Se houver pernas, pode-se seguir a pé, sempre junto ao rio (v. mapa, Qta da Ribeira)


domingo, 28 de setembro de 2025

O vórtice Swelkie, as marés furiosas em Pentland Firth, e a Ilha de Stroma onde já ninguém quer viver.


Publiquei há 2 semanas um post sobre Wick e Thurso, na região de Caithness, a mais setentrional da Escócia. Ora sucede que entre esta região e as Ilhas Orkney, poucas milhas marítimas mais a norte, há coisas de que vale a pena falar porque ninguém delas fala.

O mar de Pentland Firth frente ao farol de  Holborn Head.

Entre as duas minúsculas e desabitadas ilhas de Stroma (Caithness) e Swona (Orkneys), o Atlântico Norte é particularmente selvagem, com marés violentas, das mais bravias no Planeta, e um redemoínho famoso, o Swelkie (de 'Svelgr', significa "engolidor" !). 


Este mar é conhecido por Pentland Firth (do nórdico Petlandsfjörð), que significa O Estreito dos Pictos, o povo nativo da Escócia conhecido pelas grandes Pedras gravadas e pela resistência aos Romanos que os obrigou a construir um muro de defesa.

O vórtice Swelkie, por seu lado, forma-se a Norte de Stroma nas duas marés - vazante e enchente. Quem alguma vez lá passou não tem vontade de voltar, diz o 'British Islands Pilot', manual náutico da Marinha americana. 

O Swelkie, vórtice marítimo no Atlântico Norte, ao largo da Ilha de Stroma.

Tal como o seu irmão Maëlstrom mais a norte junto às ilhas Lofoten, o Swelkie foi o terror de muitos marinheiros de pequenos barcos e assusta até navios maiores.


É criado pelas correntes de maré entre as duas ilhas, não sendo para admirar que Stroma é a mesma palavra que Stream, corrente; Stroma (Strøm Ø) é literalmente a Ilha das Correntes. 

O mar 4 a 5 km a norte de St John's Point é a pior zona de correntes

Será escusado dizer que é muito difícil viver em Stroma ou Swona, pequenas ilhas rasas, plataformas sem altitude, varridas pelas ventanias e impossíveis de alcançar ou de serem abastecidas em dias de mar bravio. O mar de Pentland tão depressa é navegável como sofre tempestades violentas e tremendas marés, como um mar em ebulição, fervilhando de torvelinhos, correntes, ondas, tudo à luta com ventos contrários. 


Navegar no Pentland Firth é de evitar sempre que possível. A parte pior é um percurso 4-5 km a norte da Ponta de St. John, onde as correntes para Oeste atingem 16 nós e as vagas surgem de todos os quadrantes, sem que se consiga um rumo estável.

Barco salva-vidas da RNLI* (40 ton., 1998) no Pentland Firth

O ferry Claymore da Caledonian MacBraide (1600 ton.) não teve vida fácil nestes mares.

Em Janeiro de 2015, o cargueiro MV Cemfjord, que transportava cimento, afundou subitamente sem SOS nem qualquer outro alerta, com a perda total da tripulação. Ainda hoje se desconhece a causa, mas certamente houve erro de navegação por parte de quem pilotava; um ferry que passou perto testemunhou ondas de 10 metros, e teve de fazer frente a uma maré sob tempestade "extraordinariamente violenta". O navio deveria ter evitado essa rota, muitos outros tinham adiado a travessia devido às previsões de mau tempo.

O MV Cemfjord, de 1984, era um navio de 80 m, 1800 toneladas.

O naufrágio deu-se justamente na área a Norte da Ponta de St. John, com correntes para Oeste de 7-8 nós e rajadas contrárias de 100 km/h.


O naufrágio do MV Cemfjord:

Pentland Firth já foi objecto de estudo como fonte de energia. É como um grande funil oceânico, gera a mais poderosa energia de marés do planeta ! No seu máximo de correntes de maré, cerca de 30 km/h (16 nós), as ondas de maré de vários metros poderiam gerar mais de 8 Gigawatts, uma coisa colossal - 15 vezes mais que Alqueva, quase o dobro da Nuclear de Zaporizhzhya ! Seria a maior fonte de energia renovável do Reino Unido, chegava e sobrava para Londres. Outras vantagens incríveis: é regular, previsível, com dois picos máximos em cada 24 horas, permitindo garantir anos de abastecimento sem falha. No mínimo, obter 1 Gigawatt é o objectivo actual.

Ilha de Stroma

Coordenadas : 58° 41' N, 3° 7' W
Área: 375 ha (menos de 4 km2)
Habitantes: 0




Ondas rápidas de maré, correntes e torvelinhos tornam o acesso à ilha muitas vezes problemático. A sul, há um pequeno porto mais protegido das correntes, The Haven. 

Acima do pequeno cais, as casas abandonadas the Uppertown, que eram habitadas por pescadores e criadores de gado.

No seu auge, em 1724, houve 47 famílias permanentes na ilha, 200 a 300 pessoas, a trabalhar para a família Sinclair que era proprietária do terreno. Ocupavam-se sobretudo com as ovelhas e as pastagens, mas o maior lucro era do contrabando de bebidas alcoólicas. Era uma vida de terrível isolamento, várias semanas seguidas sobretudo no Inverno ou sob tempestades; tudo melhorou um pouco em 1824 com a construção do cais de acostagem.


Mesmo assim, sem água nem luz, sem escolas, era obrigatório um vai-vém constante e muita despesa. Foi-se despovoando, a única loja fechou em 1956, o posto de correio em 1958, a última família saiu em 1962. 


Já nem o faroleiro lá mora - o farol é automatizado desde 1961 - só aventureiros, investigadores marinhos e o dono da ilha, proprietário também do único barco e das ovelhas.


Farol no extremo Norte perto do Swelkie, porto e casas abandonadas na costa sul e leste. 

É neste canal que começaram a funcionar as primeiras turbinas de maré, ao largo das rochas Merry Men of Mey, junto à Ponta de St. John.

Ilha de Swona

Ainda mais pequena, esta ilha das Orkney também teve o seu período de ocupação, bem mais antiga, desde os Neolítico, e mais tarde com os Vikings.


Sendo mais fácil de abordar, com um bom abrigo a leste e bons pastos, esteve ocupada até 1974; pequenas casas de quinta eram habitadas por famílias de criadores de gado. 

'Rose cottage', a casa dos dois últimos habitantes

O Loch Tarf à esquerda, e as rochas Tails of the Tarf onde se formam também redemoínhos perigosos. Assinalado a vermelho, o Cairn.

O mais relevante em Swona é talvez a câmara funerária do Neolítico, rodeada de um 'cairn' de lajes verticais,  chamado "Chambered Cairn at Tarf".


En Swona, o melhor porto de abrigo é a nordeste, The Haven.

O Projecto de Energia de Marés da MeyGen

O projecto britânico já arrancou, numa fase experimental, ainda com uma produção modesta. Foram marcadas três linhas no fundo marinho para assentamento de turbinas:


As primeiras 6 turbinas, colocadas entre a Ilha de Stroma e a costa a uma profundidade de 40 a 60 metros, geram 6 MW ;  turbinas de um modelo mais potente foram instaladas na 2ª fase, de hélice dupla, que continuam a ser produzidas e aplicadas:


Espera-se obter 65 MWh concluída a 3ª fase, até 2029. Como o fornecimento é estável, os 400 MW deverão ser atingidos até 2035. Ainda falta muito para o Gigawatt prometido.


É ao largo das formações rochosas "The Merry Men of Mey’, em direcção a Nordeste, que está a ser instalado o campo de turbinas no fundo marinho. À superfície, fluxos rápidas, redemoínhos, água em convulsão, e o vento em luta contra as correntes. 40 a 50m mais abaixo, alinhamentos de turbinas. O futuro.