sábado, 19 de abril de 2025

Livros e Música para uma Primavera imprevisível

A habitual selecção para as próximas semanas, a ver se lava a mente da sujeira que tem absorvido deste mundo.

The Glass Marker, Tracy Chevalier

Já me deu alguns dos melhores livros que já li: The Lady and the Unicorn, Girl  with Pearl Earrings, Burning Bright, A Single Thread. Este passa-se em Veneza e Murano, e também é uma novela histórica ligada às artes - neste caso à arte dos vidreiros de Murano. Duas famílias de fabricantes, os Rosso e os Barovier, competem e colaboram para garantir o mercado mais importante - o alemão, com o grande entreposto junto a Rialto. Toda a narrativa segue a vida de Orsola Rosso desde a adolescência, e sucessivas Orsolas através dos séculos. Um grande fresco, com vívidas descrições como esta, em que Orsola Rosso e o irmão Giacomo, conduzidos pelo remador Bruno, se dirigem para a feitoria alemã.

  "Seguiram pelo Grande Canal, tendo-se Bruno alinhado com uma longa fila de barcos que deslizava em direcção ao pórtico. Embora já tivesse feito este caminho antes, mantinha-se em silêncio, suando enquanto manobrava para não abalroar o barco que o precedia, carregado de tapetes. Outros em volta transportavam seda, madeira, barris de vinho, especiarias; havia mesmo um carregadinho de limões. Enquanto esperavam para desembarcar, Orsola viu passar por eles uma peata que levava caixotes de madeira de Murano, como os que os Rosso utilizavam. Estavam marcados com letras, mas não conseguiu ler.
  -"Moretti", esclareceu Giacomo ao dar conta da atenção intrigada da irmã. "O mercador deles deve ter inspeccionado os artigos de vidro e feito um inventório, e agora segue para São Marcos onde as caixas serão transferidas para navios que seguem primeiro para sul, depois para este ou oeste. A mesma coisa acontece com os nossos vidros."
  Orsola nunca tinha pensado na viagem que os vidros faziam após partirem de Murano, embora uma vez ou outra tentasse imaginar onde iam parar: numa mesa posta em Londres, por exemplo, cada lugar com os seus cálices Rosso. "


La Rochelle
Thomas Brosset e Maggie Cole, ed. Le Croît Vif

Um relato bem documentado da Liga Hanseática : as suas várias cidades e entrepostos, as ligações entre eles, os negócios e as políticas, tudo para ressaltar a magnífica cidade de La Rochelle, entreposto francês importante pela produção de sal e vinho. Poucos sinais restam da Liga, mas toda cidade foi construída sobre essa herança.

Casa ao estilo hanseático, Place Verdun, La Rochelle.

American Faith , poemas de Maya C. Popa
Sarabande Books

Já várias vezes aqui coloquei poemas de Maya C. Popa.

Hummingbird 'Beija Flor') , excerto traduzido

      Batendo com o dedo na minha janela a sudoeste,
      Coloco um bebedouro, convite ao vandalismo.
      E embora o convidado tenha plumagem delicada,
      Nunca deixa uma pena caída, parábola inacabada,
      enquanto do lado de dentro, as perdas se acumulam 
      sem dó, sem lógica nem esquema, e questionamos:
      Que é que prepara um pássaro para tanto fracasso
      quando todo o seu esforço se resume a subsistência,
      não recebe trocos da água doce diária,
      nenhuma novidade no seu canto, nem um novo ninho.


The Crimson Sails
Alexander Grin, trad. Irina Lobatcheva e Vladislav Lobatchev

Já sei: se estou a ler historinhas para jovens adolescentes, está-se a agravar a minha senilidade. Acontece que nunca tinha lido Alexander Grin, não fez parte dos meus contos em criança; li Peter Pan, Alice, Irmãos Grimm, Andersen, Selma Lagerlof, depois C.S. Lewis, mas ninguém me falou de Alexander Grin. É um escritor russo do início do século XX de historinhas de ficção mágica, terras inventadas e narrativas heróico/românticas, digamos como a Narnia mas sem guerras. As Velas Escarlate (ou Velas Carmesim) é o conto mais famoso: muitíssimo bem escrito, com riqueza de detalhes e de peripécias, bem traduzido para inglês pelos irmãos Lobatchev.

CDs

Sonho de uma Noite de Verão, Mendelssohn
narrado por Judi Dench

Não só é uma versão integral , como a narradora é Judi Dench, aquela voz inimitável de um sublime inglês teatral. Conta ainda com Kathleen Battle na 1ª fada, e a direcção de Seiji Ozawa. Para a versão apenas orquestral, há melhores escolhas, mas escutar esta dicção cativante e amável é uma experiência sem igual.

Mozart, sonatas para violino
Alina Ibragimova (vln) e Cédric Tiberghien (pn)


E deixo talvez o melhor para o fim:

Árias de Telemann
Dorothee Mields, com a L'Orfeo Barockorchester

São cantatas seculares, Deo Gratias!, canções de paixão, esperança, desgosto e reconciliação. Uma alegria primaveril onde brilha o bonito e cristalino timbre da soprano Dorothee Mields.

domingo, 13 de abril de 2025

Fugir, fugir daqui, mas para onde? Åmål ? No lago Vänern ?


Não encontrei melhor para uma retirada estratégica. Um paraíso.

Åmål, centro histórico

Pouco se ouve falar do lago Vänern, a oeste de Estocolmo, um lago bastante interior da península escandinava e... o maior lago da União Europeia !

Lurö, um arquipélago procurado para actividades de lazer.

Läckö Slott , castelo dos séc. XVI-XVII

Três cidades a merecer destaque existem na margem do Lago: Lidköping, Kristinehamn e  Åmål. Esta última é a mais ocidental e interior, mais perto de Oslo (180 km) que da capital Estocolmo (380 km, a 5h de viagem), na estrada europeia E45.  

As águas do Vänern podem atingir 20ºC em Julho.

Åmål 
População: ~ 9 000
Coordenadas:  59° 3' N, 12° 42' E

Centro da parte antiga, com o ribeiro canalizado e a ponte Mellanbron

Mencionada já em 1312 sob o nome "Ömordh", Åmål nasceu como vila de mercado e portuária, tendo subido a cidade em 1643, com direito à sua Igreja tardo-medieval. A sua maior importância era o comércio com a Noruega, isento de taxas. A partir de 1690 teve lugar uma modesta industrialização com a instalação de uma fundição e um pequeno estaleiro naval, e Åmål cresceu até passar os 1000 habitantes no século XVIII; foi valorizada com a sua nova Catedral, embora com as guerras e um grave incêndio grande parte da cidade tenha sido destruída; mas prosperou no século seguinte, já com farmácia, livraria/biblioteca, e continuando a  modesta industrialização. Actualmente, tem um cinema, um centro cultural/auditório, museu e, claro, hotelaria. Tem, sobretudo, dois festivais cada vez mais frequentados - os Dias do Livro, uma feira literária com palestras e concertos, e o Festival de Blues, já com fama internacional.

À esquerda, o jardim Plantaget , a rua Kyrkogatan; à frente em primeiro plano o Hotel; do lado direito corre a rua Kungsgatan; e ao fundo o lago.

O centro de Åmål, entre curvas do rio.

Hålskogsbron, a ponte de entrada

Atravessando o rio Åmål ou Åmålsån, é a principal via de acesso ao centro.

Mellanbron. a ponte do meio


É uma ponte tosca de pedra sobre o Åmålsån (= rio de Åmål). O nome "Mellanbron" resulta de estar mo 'meio', entre a ponte principal de entrada (Hålskogsbron) e que liga à zona portuária.


A Mellanbron marca o início da zona pedonal, sendo a entrada leste para o centro histórico - a antiga praça do mercado, que foi ajardinada, agora designada por jardim Plantaget, com direito a uma estátua de Eva e rodeada de edifícios dp século XVIII que estão classificados e protegidos.


Nos lados da praça correm as principais ruas : Kungsgatan, Södra Ågatan, Kyrkogatan, com vários edifícios do século XVIII.

O jardim Plantaget


A estátua "Eva" do escultor Carl Eldh foi implantada no centro do jardim em 1953.


Há no parque outra estátua, uma pequena fonte :

Bronze de Anders Jönsson; a água jorra da mão direita.

Vejamos então os edifícios que contornam o jardim.

Vista da praça na rua Kyrkogatan, com a Igreja ao fundo e a Dahlgrensgården à direita.

O mais admirável é a combinação de pacatez, ruas e casas bem tratadas, um misto de urbano e campestre, uma harmonia da arquitectura com os jardins e a água, onde não falta quase nada.

Dahlgrensgården


Na Kyrkogatan 15: prédio da década de 1780, após o grande fogo de 1777. A partir de 1836 foi a sede do Banco de Åmål, e mais tarde alojou consultórios médicos.

Vågmästaregården

A casa mais antiga (e uma das mais ricas) de Åmål é esta Vågmästaregården de 1714, agora prédio residencial. É particularmente acarinhada pelos moradores.


A Vågmästaregården, de 1788, casa classificada como património nacional.



Vågmästare é o Mestre de Pesagem, o oficial responsável pela pesagem das mercadorias negociadas no porto; tinha direito a uma bela moradia, pois era o mais elevado cargo da cidade nessa altura.

Situada numa esquina da praça com a Kungsgatan, a dar para o rio; vê-se a Mellanbron à direita.


Hantverksföreningens, o Clube dos Artesãos

Na rua Södra Ågatan, esta casa tem um café e galeria de artesanato.

Café XO


Ainda outra casa protegida, a Lilliestiernska, de 1780, uma das mais antigas.

Eva em frente à Lillienstiernska.

Nesta esquina da Södra Ågatan com a Kyrkogatan, à saída da praça, está outro belo conjunto de edifícios do século XVIII; havia aqui um quarteirão mais antigo (Kronan Störger) que foi destruído pelo grande fogo de 1777, e de que poucas casas ainda sobram.

Waldenströmska de 1795, ao lado da mais antiga Lilliestiernska


Hantverksmagasinet, loja dos artesãos

Antigo armazém, agora oficina e loja de artesanato.



Louças, panos, decorações várias.



O lado oriental da praça , onde fica a casa Vågmästaregården, dá para a foz do rio Åmålsån na zona onde ficava o porto de pesca e agora é a marina. A antiga Fisketorget (praça do peixe) ainda é área de pesca fluvial, e nos dias de festival enche-se para eventos ao ar livre.

Passeio fluvial: ao fundo, a Hålskogsbron


A casa na Hamnagatan 6, junto ao cais, é a Brantenbergska de 1846; pertenceu a um tal Rålins, construtor de pianos e órgãos. Agora é residência privada.


Seguindo pela Hamngatan (= rua do porto) ao longo da margem do Åmålsån até onde ele desagua no lago Vänern, encontra-se outro conjunto de edifícações que serviam de armazém, e a mais antiga igreja da cidade.

O Hembygdsmuseet (museu da cidade), um pequeno museu regional do tipo etnográfico, está instalado numa destas casas. Expõe recheio das casas antigas casas suecas, incluindo instrumentos de trabalho e obras de tecelagem e renda.


Gamla Kyrkan de 1669

A mais antiga igreja de Åmål foi convertida em sala de eventos, com o nome Kulturmagasinet.


Gamla Kyrkan substituiu no séc. XVII uma anterior igreja medieval de madeira, do séc. XIII, de que se conserva uma pia baptismal. De resto, só se conservam as paredes.



Actualmente, serve sobretudo de apoio aos festivais de Verão: o badalado Festival de Blues de Åmål, em Junho/Julho, e os animados Dias do Livro (Bokdagar) em Dalsand no fim de Julho.



Bokdagar i Dalsland, os dias do livro


É quando mais se anima a cidade - um cartaz de turismo cultural de sucesso. A sede da Nordiska Litteraturhuset, gestora do festival de livros, fica junto à ponte de entrada para o quarteirão histórico.



Uma sessão de leitura junto ao lago.


Na 'praia' de Åmål, uma das cabinas foi adaptada para o afamado Strandcafé.



E abrem-se as portas para o lago.


É de manhã que a vista do lago é mais convidativa. No Verão é imperdível, mágica.



A Igreja de Åmål



O interior é pobre; existe uma pia baptismal em granito do séc. XII, e um órgão muito decorado. 

No jardim e frente há um pavilhão-miradouro:


Tollebols Kvarn , o moínho de água com um café


Já fora da cidade, na margem do amalsan a nordeste, é um moínho de água intacto da década de 1870 que ainda tem o sistema hidráulico e o mecanismo de rodas funcional; uma vez por ano é posto a trabalhar e a fazer farinha.


 O Lago Vänern


Åmål fica aproximadamente ao centro da costa oeste do lago.



No sul do lago, numa ilha próxima de Lidköping, encontra-se o Castelo Läckö, que assenta num forte medieval mas foi sendo construído, ampliado e enriquecido ao longo dos séculos XVI e XVII. É atracção turística, claro, com o seu folclore de passeios em barco Viking, kayaking, restaurante.





Outros sítios mais podia destacar: a bonita cidade de Mariestad com uma impressionante catedral, a aldeia industrial de Borgvik e o seu fantástico moínho...

E o clima à volta do lago? Claro que é muito frio e nevado no Inverno, embora as casas estejam bem isoladas e aquecidas; no Verão consegue ir além dos 20º, mas não muito; as águas do Vänern também atingem esse máximo, o que não é nada mau.

Como refúgio de um mundo feio, mau e hostil, não me parece nada mal.