Já aqui publiquei post sobre Kharkiv, a cidade mais mártir da Ucrânia, constantemente bombardeada. Falei também do seu excelente Museu e da magnífica arquitectura. Uma publicação de há alguns dias no Threads mostrou-me uma perspectiva do Parque Shevchenko admirável de paz e elegância.
Fundado em 1804 como Jardim da Universidade, é também Jardim Botânico e encerra um Observatório Astronómico com cúpula de observação e um museu.
Só quero ilustrar o jardim das fontes, que se prolonga na base de uma monumental escadaria:
É um dos sítios onde os habitantes gostam de vir esquecer as noites de terror, de rebentamentos e de casas esventradas a arder e de zumbidos inimigos sobre as cabeças que podem cair aqui ou ali em qualquer momento. Quando não há sinais de alerta e o sol ajuda, o mundo parece melhor no Parque Shevchenko.
Água a jorrar contribui para o bem estar. Rimei.
Um dos mais bonitos parques urbanos do mundo, parece-me.
Aqui vê-se a Catedral da Assunção.
Uma fonte recentemente restaurada.
Taras Shevchenko foi um poeta nacionalista Ucraniano, nacionalista no sentido de melancolia e messianismo patrióticos. Numa época como a que se vive agora, compreende-se que seja objecto de culto.
Fica aqui um poema dele de que gostei, apesar do desânimo:
Refulgem as luzes, há música a tocar,
a música chora, uiva;
Como um belo e valioso diamante,
os olhos dos jovens brilham de alegria,
à luz da esperança, à chama do prazer;
lampejam os olhos, pois à vista
de inocentes tudo parece bem.
E todos riem, riem,
E todos dançam. Só eu,
triste maldição, olho
e em segredo choro, choro.
Por que estou a chorar? Talvez lamente
que, sombria como um dia de chuva,
a minha juventude, inútil, já passou.
[tradução livre minha]
Kharkiv, grande cidade de Cultura, capital europeia da coragem.
Na ópera Judas Maccabaeus de Handel, chamou-me a atenção esta quadra:
O liberty, thou choicest treasure
Seat of virtue, source of pleasure!
Life without thee knows no blessing,
No endearment worth caressing
Ó liberdade, mais precioso tesouro
Lugar da virtude, fonte de prazer!
A vida sem ti não conhece alegria
Nem afecto que peça carinhos.
Isto escreveu Thomas Morell, libretista de alguma das mais belas óperas de Handel, em 1747, exaltando a libertação da população da Judeia - os Israelitas - da ocupação Síria Helenística (= Império Selêucida) em 134 AC, a chamada Revolta dos Macabeus. Muito actual portanto. Ouçamos então O Liberty, em 3 versões:
Nuria Rial, Rolf Beck
Susan Gritton, uma soprano mais poderosa, com o King's Consort
Para uma versão 'fora de moda' com uma voz sublime à maneira antiga:
Janet Baker , com a English Chamber Orchestra, dir. Mackerras
Sabia que há nas West Highlands da Escócia, a 56º N, uma pequena floresta tropical moderada ? E um jardim de maravilhas?
Clachan Bridge, ponte que dá acesso à floresta de Aveleiras na ilha de Seil.
Ouvi falar de Ellenabaeiche An Cala no livro 'Ce que prend la mer', uma história bem contada que se passa nestas paragens. Ficam numa pequena ilha de ardósia, na costa ocidental da Escócia: a Ilha de Seil, também desconhecida para mim.
A visita começa quando se chega ao Atlântico pela estrada B844; para atravessar o estreito braço de mar entre a costa e a ilha, foi construída em 1792 uma ponte em arco elevado a imitar antigo, uma ponte de pedra. Leva o nome do estreito, "Clachan" :
O Canal de Clachan é um recanto do Firth of Lorn, a extensão de mar Atlântico entre a grande ilha de Mull e a costa (ver mapa).
Pode dar um arrepio saber que estamos numa ponte minúscula sobre o Atlântico; mas há muitas destas na Noruega, também para aceder a ilhas. A Escócia tem nada menos que 900, novecentas! , ilhas, das quais cerca de 100 desabitadas. Este grupo das Hébridas Interiores chama-se Slate Islands devido à riqueza em ardósia, que foi intensamente extraída no século XIX.
Depois da ponte, a estrada B844 curva a sul e vai pela beira mar, entre terrenos verdejantes e arborizados, até chegar à aldeia portuária de Ellenabeich, a principal povoação da ilha.
Ellenabeich, Ilha de Seil
Coordenadas: 56° 17' N, 5° 39' W
"Ellenabeich" tem origem no Gaélico Eillan-a-beitch, "Ilha das Bétulas". A aldeia é basicamente constituída por duas ruas em terreno plano, paralelas e pouco acima do mar, onde se alinham fileiras de casas térreas caiadas de branco, uma espécie de bairro piscatório - mas não é: toda a ilha vivia da extracção de ardósia desde 1751, e por volta de 1800 a actividade tornou-se uma indústria com dimensão nacional. Construíu-se um porto murado para a ardósia ser carregada em navios e enviada para o porto costeiro de Oban - no auge, 10 cargueiros a vapor por semana. Em 1881 uma grande tempestade no mar inundou as 'pedreiras' e acabou com a indústria de extracção. Estão agora à vista pequenos tanques cheios de água do mar.
A construção da vila para alojar os mineiros de ardósia começou em 1826, e em meados do xéculo XIX viviam aqui umas 400 pessoas.
Front Street; a outra por trás é a Back Street.
Todas estas casas do séc. XIX foram contruídas em ardósia. São pequenas e baixas, não seria possível construir em altura neste material. Destinavam-se apenas aos trabalhadores das pedreiras.
Convergem num largo junto ao cais (há um guindaste no centro como memória ), onde se concentram bares e a única loja, Seafari Adventures.
As duas casas à esquerda são o afamado 'Oyster Bar', a terceira é a antiga destilaria da ilha.
A loja e o ' monumento '
Mas há uma outra rua na falésia sul do monte Dùn Mòr, de casas mais ricas, com dois andares e mansarda:
Bilhete postal de Ellenabeich
Até deve ser agradável nos dias de sol - parece que a zona tem um clima suave já que estamos na Escócia. E é esse clima - muita chuva, bastante sol, frio e calor moderados - que permitiram ao solo argiloso ser tão fértil.
Logo à saída de Ellenabeich. uma surpresa:
O Jardim 'An Cala'
'An Cala' (*) é uma fantasia de jardineiro: Thomas Mawson desenhou e executou este jardim a partir de 1930, como paraíso romântico para a moradia de um jovem casal. Demorou um ano a adaptar o solo: partir rocha, importar terra vegetal, criar terraços, degraus, caminhos, muros e relvados. Aproveitou uma pequena queda de água e alguns ribeiros.
Azáleas e rosas, prímulas e papoilas azuis do Himalaia, cerejeiras japonesas e rododendros, e tanques com lírios e nenúfares.
Toda a Ilha de Seilabunda em salgueiros e bétulas (sobretudo bétula branca); mas é um bosque de aveleiras, uma pequena floresta tropical que cobre o sudeste da ilha junto ao canal Seil Sound, que se revelou uma raridade a proteger:
Ballachuan Hazelwood, floresta tropical temperada
56° 17' 37.03" N, 5° 38' 47.24" W
A zona de bosque actual estende-se entre o Ballachuan Loch, na imagem acima, e o Canal de Clachan entre Seil e a costa, visível mais ao longe, até ao extremo sul da ilha.
À esquerda vê-se parte do bosque na margem do canal
A leste a a sul, desce para as águas Atlânticas do canal.
Esta mata está protegida, pela antiguidade das espécies e do solo (7500 AC ?). A aveleira é, junto com a bétula e o salgueiro, a mais abundante árvore na ilha.
O mundo está tenebroso, de candeias às avessas, mas a edição delivros e discos nem por isso: não faltam novidades empolgantes ou no mínimo sedutoras. O negócio das gravações de música clássica não parece mau, a ver por estes exemplos, mesmo que não renda tanto como a coqueluche Taylor Swift.
Discos CD
Haydn 2032 , volume No.17
Giovanni Antonini, Dmitri Smirnov (violino), Orq. Câmara de Basileia
É daqueles de que nunca se diz bem de mais: fabuloso. Tudo - orquestra, direcção, dinâmica, detalhe, solista (violino). Ainda se publicam discos assim ?!!! Que gosto. Direitinho para o meu Top. Antonini faz milagres com os basilienses. Deixo só o andante famoso do HOB VIIA:I , fattoPer il Luigi , escrito para o violinista Luigi Tomasini de Pesaro.
E depois, Haydn era mesmo genial. A prova está aqui, esqueçamaos a Oxford, Urso, Militar e outros pastelões desses. Este é o Haydn mais precioso, criativo, bem disposto, feliz mesmo, como o das famosas nº 6-7-8. Antonini dirige com um prazer tão intenso, uma atenção, um empenho, quase lúbrico. A Sinfonia nº 13 é um mundo. Em 1763 !!! Quando Haydn dirigia os seus próprios concertos em palco, havia momentos especiais - uma melodia, um contraponto em flauta, qualquer detalhe - que o público adorava; Haydn sorria de contente e o público batia palmas, era costume nessa altura bater palmas sempre que se ouvia um trecho favorito durante um concerto. Era engraçada, essa cumplicidade entre compositor e público, que se saudavam mutuamente em plena execução.
Handel, Judas Maccabaeus
Laurence Cummings, Orq. Festival de Göttingen, coro da NDR
Sim, sim ! Laurence Cummnings, o 'nosso' director da orquestra barroca da CDM.
Neste disco, Cummings voa um pouco mais alto com a orquestra do Festival de Göttingen, solistas medianos, mas a sua direcção é cuidada, seguindo os pressupostos da música de Handel, mas sem instrumentios da época. No global, é a melhor gravação desta excelente obra de Handel: um oratório - quase ópera - para celebrar metaforicamente a vitória na batalha de Culloden *.
Dois momentos-chave da obra:
Coro: See the conquering hero, que Handel retoma no ano seguinte em Joshua; ouçamos com Laurence Cummings:
Dueto:O lovely peace
Cantam em celebração o Homem e a Mulher israelitas. Não consegui a versão dirigida por Cummings, mas está ao mesmo nível esta que conta com as excelentes solistas Nuria Rial e Lucia Duchoňová, e com a orquestra barroca de Hamburgo:
É um belo hino à Paz, um entre vários que Handel compôs, e à paz justamente do povo judaico ! O libretto de Judas Maccabaeus conta a história da resistência dos Judeus aos conquistadores Sírios do Império Selêucida de Antióquia, em 169 AC, que invadiram e arrasaram o Reino da Judeia. Judas Maccabaeus foi o clérigo e general que comandou a revolta. No século II antes de Cristo, notem bem.
O episódio histórico e o personagem de Judas Macccabaeus fizeram sempre parte do imaginário cristão. As récitas em Covent Garden foram o maior sucesso de Handel, depois do Messias.
Para comparar com a mais clássica e pausada versão de William Christie, com as sublimes vozes de Sarah Connolly e Rosemary Joshua.
Dido e Aeneas , Purcell
Joyce Didonato, Fatma Said com Il Pomo d'Oro, dir. Emelyanychev
Nem diria que esperava grande coisa de uma Dido cantada por Joyce Didonato; engano: esta gravação veio marcar uma nova referência, pela frescura interpretaiva da orquestra e pelo naipe insuperável de vozes. Toda a gente (revistas, críticos) a coloca como uma das melhores do ano. Como se diaz muitas vezes, parece que ouvimos a obra de Purcell perla primeira vez, tal é a atenção aos detalhes e a pureza do som; finalmente uma gravação "da época" com peso orquestral e sem correrias, com poucas excepções. "Trough the hills", por exemplo, resplandece de vigorosa alegria. Um regalo de audição: prenda de Natal aconselhada.
Coro: "Cupid only throws the dart" :
Fatma Said, "Pursue thy conquest, love" :
Livros
Ainda à espera de ser lidos:
Ce que prend la Mer, de Manon Fargetton
A jovem Maxine, ao encontrar memórias inesperadas de um pai distante, parte à procura de respostas numa pequena ilha escocesa das Hébridas Interiores, a sul de Oban. A ilha, o mar, os ferries, a costa, os cais, um jardim improvável... O relato da viagem, entrecortado de regressos ao passado, e onde não falta a música - o pai era violoncelista.
Orkney, Amy Sackville
Continuando nas minhas míticas ilhas escocesas, 'Orkney' é um romance invulgar, mesmo estranho, que começa como conto de fadas algo folclórico e vai acabar fragmentado num desconcertante negrume, marcado pelo ritmo das ondas, das correntes, das marés. Desde o suspeito New York Times até ao insuspeito Times Literary Supplement, elogios à escrita de Amy Sackville.
Kairos, Jenny Erpenbeck
Situado em Berlim, 1986, em plena crise das Alemanhas, uma história de ciúme. engano, crueldade, polícia política, onde vive a História e memória cultural de uma época de crise. No topo das escolhas do Spectator e New York Times.
* Em 1746, perto de Inverness na Escócia, travou-se uma brutal batalha em que o duque de Cumberland derrotou os jacobitas que, a partir da Escócia, queriam restaurar a dinastia Stuart, apoiada por França.