Há meses publiquei um post sobre a fascinante Mtskheta, agora dou a ver a Geórgia mais rica, moderna e europeia: uma cidade da Belle Époque renovada, animada, limpa e apetecível, a sul da indigente costa russa: Batumi.
Convém começar por insistir : a Geórgia fez parte do império romano alargado, foi bizantina e manteve-se europeia resistindo a persas, mongóis, turcos e russos. É um país de contrastes violentos entre as aldeias isoladas nas montanhas do Cáucaso e as cidades cosmopolitas da planície e do mar, cidades quentes de clima sub-tropical; e de contrastes também étnico-culturais - matriz cristã ortodoxa, fortes heranças turcas e russas, espírito aberto e civilizado europeu. Actualmente está em convulsão devido à situação geoestratégica; sente-se irmã de armas da Ucrânia e aspira à União Europeia - seria muito bem vinda, mas complicaria muito a gestão das relações com o império agressivo de Moscovo.
Batumi é desde os Gregos (Batumi <- Bathys, porto) um dos raros portos de águas profundas na costa leste do Mar Negro. Nos primeiros séculos da nossa Era mandavam os Romanos e o Imperador Adriano mandou fortificar o porto. Quatro séculos depois seria abandonado a favor do Forte de Petra mais a sul, já sob Justiniano. Mas a região Adjari, ou Adjara, era disputada também pelos Persas, que várias vezes a tomaram aos Romanos, até à vitória definitiva de Roma em 628; logo vieram turcos e árabes juntar-se à disputa. Durante o período Bizantino, é fortalecido o poder da Igreja Ortodoxa que seria consolidado no século XI. A cidade viveu um período de calma e expansão até à anexação pelo Império Russo e depois pela URSS de 1879 a 1991, instalando-se na Geórgia um regime fantoche corrupto que levou Batumi a uma quase ruína. Agora brilha como capital da Adjara.
A Praça da Europa
A sala de visitas de Batumi é a Praça Europa, e a sua incrível estátua de Medeia, homenagem ao passado Grego: esta é a cidade do Tosão de Ouro ! O rio Rioni que os Argonautas subiram fica um pouco mais a norte.
A praça central de Batumi recebeu o nome da aspiração Georgiana: a Europa. É um vasto espaço com arquitectura eclética em torno, mas o que sobressai é este
prédio do antigo Banco Nacional, situado na principal rua da cidade ao passar pela Praça: a avenida Memed Abashidze.
Também há fartura de fontes para amenizar os mais quentes dias sub-tropicais.
O Relógio Astronómico
Na Torre do antigo
Banco Nacional, este relógio astronómico é uma modernice requintada, sinal de novo-riquismo entusiasmado com a Europa. Feito por encomenda na Alemanha em 2010, inspirado no famoso relógio histórico de Praga.
Ainda no edifício do Banco Nacional , a ' КНИГИ ' (= Livros) conhecida agora como restaurante BK, para casamentos e outras celebrações, tem uma janela em vitral com um caixilho redondo de madeira que não é nada vulgar.
O vitral representa cenas religiosas bíblicas.
É o nº 25 da Memed Abashidze.
Batumi foi visitada por escritores, artistas e exploradores nos séculos XIX e XX: para além do norueguês
Knut Hamsun, que fez uma longa viagem por toda a Geórgia, também aqui estiveram por exemplo
Alexandre Dumas,
Vítor Hugo e
John Steinbeck.
Quase todos referem que o pior de Batumi é o clima, quente e húmido (80-90%), muitas vezes desagradável - a roupa colada ao corpo. Os ventos do Mar Negro ficam bloqueados pelo Cáucaso, o que resulta numa extrema pluviosidade. Também era um problema até ao século passado a frequência de infecções e doenças tropicais.
Os quarteirões da cidade antiga, um quadriculado de ruas, são os que estão próximos do porto, com maior relevância para as ruas perpendiculares à costa, que correm leste-oeste e se inundam ao fim da tarde das cores quentes do pôr-do-sol. Abundam as varandas cobertas em ferro forjado, uma das características mais pitorescas da cidade.
Avenida Abashidze
Dessas ruas, a mais notável é a Memed Abashidze, com cerca de 4 km desde a promenade marítima, passando pela Praça Europa e a Torre do Relógio e continuando como longa rua comercial e residencial. No século XIX era o centro bulicioso da cidade, onde tudo se passava e onde moravam as famílias ricas; agora enche-se de esplanadas, de cafés e restaurantes.
O primeiro troço da rua para quem vem do lado do mar é o mais rico em varandas.
Memed Abashidze foi um leader independentista da Adjara, perseguido pelo regime soviético. Uma das casas onde viveu fica aqui:
A casa chama a atenção pela bela varanda metálica em azul celeste.
O Cinema Apollo
No nº 17 fica o Cinema Apollo, que o regime soviético demoliu; desde a independência, foi fielmente reconstruído, mantendo-se como sala de cinema.
A Memed Abashidze entra lateralmente pela Praça Europa. O nº 22 é o prédio de prestígio que ali faz esquina com a rua Gamsakhurdia, que se verá mais adiante.
Foi a Casa de Sabaev, de 1903-1904, localmente conhecida como Prédio dos Atlantes, os Titãs que sustentam o mundo.
É agora a sede administrativa do Governo Provincial de Adjara.
Ao longo da Praça Europa, a rua passa pela Torre do Relógio e sai em grande com mais dois prédios notáveis.
Há uma florista, um café e um restaurante.
O prédio nº 34-36 foi a primeira farmácia, construída no fin de siècle (XIX), o melhor período de toda a Batumi. O escritor norueguês Knut Hamsun, que visitou a cidade em 1899 durante a sua longa e atribulada viagem ao Cáucaso, relata que em estado febril procurou remédio nessa farmácia.
Arquitectura requintada de inspiração francesa.
Continuando pela Memed Abashidze, mais acima:
A casa nº 49 é o Teatro das Marionetas, ou Teatro Infantil, do início século XX, patrocinado pelo independentista Memed Abashidze. Como represália, foi fechado durante o poder russo e usado como a 'Casa dos Professores'.
Actualmente continua a oferecer espectáculos e actividades variadas para crianças.
Outra rua: A Konstantine Gamsakhurdia atravessa a Memed Abashidze numa das esquinas da Praça, no sentido norte-sul; é uma animada e agradável avenida, pela sombra das árvores ao longo dos largos passeios e pelas lojas de prestígio. É profundamente europeia no ambiente cosmopolita de comércio, cafés e restaurantes, como o Café Literaturuli !
No Café Literário.
Decididamente gostam de café e de livros, boa razão para que se vá a Batumi. Uma surpresa. Na esquina final com a Avenida Rustaveli fica o Coffeetopia, sítio chique com esplanada.
K. Gamsakhurdia nº6
Tem vista para a Fonte de Neptuno, em frente, mais uma imitação de mau gosto (da fonte de Bolonha).
Ao aproximar-se do passeio marítimo, cruza-se com a grande avenida Rustavelli:
Konstantine Gamsakhurdia ao cruzar a Av. Rustaveli - cidade mediterrânica.
Na Rua Parnavaz, bem no centro histórico, a igreja mais bonita de Batumi ocupa uma esquina entre prédios modernos: St. Nikoloz, ou S. Nicolau.
Igreja ortodoxa grega de S. Nicolau
Foi construída pela comunidade grega da cidade, e terminada em 1865.
É a mais antiga de Batumi, obra de um arquitecto austríaco no estilo neo-bizantino, com as paredes exteriores pintadas em faixas vermelho e branco.
Mosaico na esquina exterior.
O interior é rico em ícones do séc. XIX.
Ainda não disse, mas digo agora: infelizmente, Batumi está recheada de mamarrachos modernistas, muitos deles em forma de torre ao arranha-céus, que a desfeiam tanto mais quanto se encontram dispersas tanto pelas avenidas da beira - mar como pelas ruas da parte velha. Um novo-riquismo de gosto desagradável, como se tivesse havido ânsia de parecer moderna à força.
Museu de Arte de Adjara
Um edifício de 1883, no século mais pujante de Batumi.
No cimo das escadas, a peça central é uma escultura.
Ninfa e um pequeno Fauno, 1853 , mármore de Emilio Santarelli , escultor de Florença.
Algumas obras, imagens obtidas no site:
"Velhos", de Gigo Gabaszwili, pintor Georgiano, 1862-1936
Radish Tordia, "Rapariga de branco", 1992
Zaur Tsudlaze, Porto de Batumi, 2003
Rusudan Petviashvili ´Regret´, 2000
Em Batumi há também um excelente Museu Arqueológico com os achados de escavações em sítios próximos - a colónia Grega de Pichvnari, a fortaleza Romana de Gonio, e na região de Kobuleti vestígios desde a Idade da Pedra.
Jardim Botânico de Batumi
O Jardim Botânico é um espanto; ocupando uma encosta íngreme sobre o Mar Negro, tem uma enorme variedade de flora, uma das mais extensas do mundo - árvores e plantas exóticas da Ásia (incluindo Himalaias), América do Sul, Oceânia, Mediterrâneo e Cáucaso.
Foi inaugurado em 1912 pelo botânico Andrey Krasnov (1862-1914), da Universidade de Kharkiv, tem mais de 1 km
2, e visita-se a pé por uma rede de caminhos.
Em Batumi há animação e vontade de civilização, as gentes vivem em democracia mesmo que o regime seja fantoche e corrupto. Esta dualidade existe há muito na Geórgia, é quase um hábito, mas nestes dias os habitantes mostram uma crescente vontade de mudar para melhor.
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