terça-feira, 24 de junho de 2025

No Cáucaso : Torres Svan de Ushguli e a igreja mais elevada da Europa

Regresso às montanhas da Geórgia.

Depois das belas Mtskheta Mestia, as aldeias do sul do Cáucaso, na região classificada da Svanetia, são outra maravilha. Podem lembrar remotamente as nossas aldeias de Beira Alta e Beira Baixa, casas de pedra a esmo com vacas a passar pelos arruamentos toscos entremuros. Mas o conjunto de aldeias da Svanetia tem uma dimensão e coesão espantosa, um impacto visual fortíssimo com as suas torres fortificadas nos estreitos vales erguendo-se contra o fundo de picos acima dos 3000 metros.

Estamos nos confins da Europa, a paredes meias com a Ásia. O Cáucaso é a fronteira, palco de tantas invasões e batalhas, os seus poucos passes de montanha fortificados; as surpresas abundam, muita História se desenrolou ali entre Roma/ Bizâncio, a Pérsia Sassânida, os Mongóis, e, claro, Turcos e depois Russos. Meio mundo às turras, para lembrar que a coisa vem de longe. Mesmo assim, em tempos de paz por ali transitaram caravanas das rotas comerciais do Oriente, que conseguiam atravessar para a Europa pelos difíceis portos de montanha. A rota da seda também passou por aqui. Actualmemte, uma única travessia é permitida por estrada, fortemente controlada devido ao conflito com a Rússia na Ossétia.

O Cáucaso georgiano atinge o ponto mais alto a ocidente, na região da Svanetia, e é nessa direcção que, a 2100 metros de altitude, se situa Ushguli, um aglomerado de povoações na encosta sul, perto do sopé do Monte Shkhara (5130 m). Num sítio desses não se espera nada como uma aldeia suíça, arrumadinha, como nova; não - é pobre, caótica, arruinada e quase toda feia. Mas ... é espectacular! 

A Svanetia (azul) é a região protegida do Cáucaso mais rica de património. Os russos ocuparam a Abkhazia e a Ossetia (amarelo).

De Ushguli para o Monte Shkhara segue-se pelo vale ao longo do rio Inguri.

Rio Inguri, já perto do glaciar do Shkhara.

Ushguli ( უშგული )
População: ~ 230 hab.
Altitude: 2 100 m

Chazhashi é a principal aldeia de Ushguli. Ao fundo, o Monte Shkhara, o mais alto da Europa (excluindo a Rússia).

Situada na confluência dos rios Inguri e Shavstkala, que descem do glaciar do Monte Shkhara, Ushguli é uma comunidade de quatro aldeias, 45 km a leste de Mestia (património mundial da UNESCO). Ushguli é a mais elevada povoação habitada da Europa.

Devido à situação e às Torres Svan (séculos IX-XII) tem sido destino de turísmo de aventura promovido pelo Estado, e assim no meio dos casebres em ruína ou habitados por gente que subsiste surgem 'restaurantes' que mais serão tascas , e 'hotéis' semelhantes a pensões baratas. Incrivelmente, o conjunto de aldeias resiste e parece cada vez atrair mais viajantes que mais parecem peregrinos, chegados em todo-o-terreno 4WD.

As povoações vizinhas no vale do Inguri que no conjunto se conhecem com Ushguli são: Chazhashi ou Chajashi (ჩაჟაში),  Zhibiani (ჟიბიანი), Chvibiani(ჩვიბიანი), Murqmeli ou Murkmel (მურყმელი). Rodeiam a mui venerada Igreja de Lamaria, que protegiam, juntamente com o acesso ao vale, com as suas centenas de torres fortificadas.

O rio Inguri é o eixo vital de Chazhzshi.

Chazhashi, com 28 habitantes, é a mais visitada, talvez a maior, com alguns serviços básicos. Só nesta aldeia há 200 edificações medievais classificadas 'Svan' - torres, igrejas, castelos, machubs (casas térreas anexas às torres). Há um pequeno museu etnográfico com artefactos desde a Idade Média numa dessas machub.


Na Idade Média, quando sob ataque, os habitantes refugiavam-se no alto das torres, subindo um estreita e íngreme escada interior em caracol; nenhum atacante conseguia mais do que entupir a escada com os primeiros caídos. 


Além do gado, a principal riqueza era ouro (havia minas bem conhecidas em toda a zona) e os ícones.

Um labirinto de ruas, vielas e largos, percursos de fazer a pé e com o gado.

Numa aldeia onde não chegam a viver 30 habitantes, não era de esperar uma sala de cinema, nem um museu. Mas Chavashi tem.

A sala de cinema 'Dede'. Quando há, junta-se a aldeia toda.

Vista do alto da Torre da Raínha Tamar, Chazhashi estende-se ao longo do Inguri para poente.

A Torre Negra do Castelo de Tamar, do século X , foi residência de Verão da Raínha Tamar (1184–1213), a heroína nacional da Geórgia que reinou no 'período de ouro' medieval. Devia escrever "Rei Tamar", porque foi assim que a designaram para mostrar estima e respeito.

A Torre ergue-se numa colina acima de Chazhashi.

Lá do topo, visitável, tem-se uma das melhores vistas de Ushguli a estender-se pelo vale do Inguri até à aldeia de Murqmeli e, ao longe, o pico nevado do Shkhara.

Murqmeli ( უშგული)


Chvbiami - Museu Etnográfico de Ushguli 


Instalado no primeiro andar de um machub, igual a tantos outros, apresenta uma modesta e ainda caótica colecção de artefactos locais.

Taça para pão

Um berço suspenso.

Cinzeiro - sim, deviam fumar como demónios, todos juntos, momento de celebração.

Placa em latão prateado, provavelmente para capa de livro de altar.

Varanda fechada com rendado de madeira, uma casa rica.

Zhibiani - a Igreja de Lamaria

O coração anímico destas aldeias é a Igreja de Lamaria; está situada no topo de uma elevação, de costas para o majestoso Monte Shkhara, a torre feita pelo homem contra os 5000 metros da montanha nevada.

A 2100 m, a igreja mais alta da Europa.

Cercada por um muro baixo, é uma igreja medieval ortodoxa dos séculos IX ou X, de planta simples, com uma Torre Svan e uma ábside exterior; está revestida de frescos muito degradados. O nome Lamaria não engana: a designação ortodoxa do templo é Igreja da Mãe de Deus.



É talvez o templo mais admirável da Svanetia.


Decoração sobre a janela estreita que ilumina o altar.


A Igreja tem uma pequena torre Svan e um um sino exterior.

Ícone da Virgem, a padroeira

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Falta o imprescindível café: chama-se Café Lemi. Já se tornou ponto de encontro bem conhecido dos visitantes.

Num dia de sol, com vista para os cumes nevados, que bem deve saber !

A Geórgia bem precisava de um forte apoio da Europa, mas com a urgência dramática na Ucrânia é difícil que isso aconteça por agora. Vai tentando aumentar os recursos por via do crescente turismo.

A Torre Negra de Tamar

O complexo de Lamaria

Lamaria ao longe e a minúscula capela de S. Jorge mais perto.

Perto, uma 'estrada' tosca segue em direcção a leste para uma travessia da montanha, o Zagari Pass, bem conhecido de trekkers e esquiadores. Em tempos dava acesso a um posto de fronteira, agora fechado (está indicada no mapa verde).

2 comentários:

SilverTree disse...

Continuo a admirar-me com a dedicação e cuidado que dedica a estas "viagens". Claro que imagino que o faça sobretudo pelo prazer que lhe dão, mas ainda assim é admirável, tal como é que as partilhe. São um pequeno oásis, que ao mesmo tempo sossega e dá vontade de mais mundo.

Mário R. Gonçalves disse...

Tudo isso, Inês, mais - neste caso - a necessidade de homenagem; à História, porque andaram por perto Gregos e Romanos, Turcos e Mongóis, e é finalmente uma matriz cristã europeia que se impôs desde a fundação da nação; a este povo, porque não quer ser colónia da decadente potência vizinha , mas sim orgulhosamente Europa; ao Cáucaso, porque é uma das grandes maravilhas deste planeta, que muito poucos conhecem e admiram. Uma espécie de Ultima Thule do Oriente, para mim.