segunda-feira, 23 de março de 2009

Contos e Lendas do Norte- II

História Inuit da criação do mundo.

O Corvo e a Baleia - Um conto Inuit (trad. oral), recolhido por Laura Simms 

No princípio dos tempos, o Corvo fez o mundo. O Corvo era um deus sob a forma de corvo, que encobria um ser humano . Depois de ter criado tudo, o Corvo resolveu ficar em terra. Gostava das pessoas e dos animais e era muito curioso àcerca de todos eles. Embora tivesse criado o mundo, não sabia tudo o que há a saber sobre ele.

Gostava de remar o seu kayak pelo mar dentro. Um dia avistou uma enorme baleia. Pensou, “Gostava de saber o que há no ventre duma baleia”.

Esperou até a baleia bocejar. Quando ela abriu a boca bem aberta, remou com força para dentro dela. Amarrou o kayak a um dos dentes da baleia e caminhou para o interior do corpo. Entretanto a boca da baleia fechou-se e fez-se a escuridão. O Corvo ouviu um som como um tambor ou um ribombar dum trovão distante. Foi andando até chegar ao ventre da baleia. Os ossos brancos surgiam de pé à sua volta como colunas de marfim.

No centro , o Corvo viu uma bela rapaiga a dançar. Tinha cordas atadas aos pés e mãos estendidas para o coração da baleia. O Corvo pensou, “É tão linda! Quem me dera levá-la para fora desta baleia e casar com ela.” E disse-lhe, "Eu sou o Corvo. Criei o mundo. Vens comigo para o mundo para ser minha mulher?”

A moça respondeu, "Corvo, não posso deixar a baleia. Sou o coração e a alma da baleia. Mas se quiseres ficar e fazer-me companhia, serei muito feliz ”.

O corvo tirou o bico e arremessou-o para trás, mostrando a sua face humana. Arrancou as asas para o lado e sentou-se, de mãos nos joelhos. Ficou a ver a rapariga dançar. Quando ela dançava depressa, a baleia corria através do mar. Quando dançava devagar, a baleia flutuava calmamente. Começou a dançar tão devagar que a baleia parou e fechou os olhos. O Corvo sentiu uma brisa fria do mundo exterior entrar pela boca da baleia. E pensou em levar embora consigo a rapariga – tinha desejo humano, e esqueceu o que ela disse.

Voltou a pôr o bico sobre o rosto e as asas sobre os braços. Agarrou a rapariga e ouviu as asas a bater enquanto voava para fora da baleia, subindo para o céu. Enquanto voava, chegou-lhe o som da baleia a debater-se lá em baixo no oceano. Viu o seu corpo levado pelas ondas para a praia. Estava morta, e a rapariga que levava nos braços diminuía de tamanho, cada vez mais pequena, até que desapareceu.

Assim o Corvo aprendeu que tudo o que é vivo tem coração e alma e tudo no mundo nasce e morre. Ficou abalado e sofreu com o desgosto. Estava tão triste que poisou na areia ao lado do corpo da baleia. Chorou e chorou, várias semanas. Depois começou a dançar, dançou também várias semanas sem parar. Depois começou a cantar, semana após semana, até sossegar o coração. Depois voou para o céu.

Tinha prometido aos homens e animais que continuaria a visitar este mundo enquanto todos se ajudassem e compreendessem que tudo o que nasce um dia morre e todos têm alma e coração.

As lágrimas do Corvo tinham sido as primeiras neste mundo. A sua dança e a sua canção de dor e de convalescença foram também a primeira canção e a primeira dança.

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