segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Verão no Outono em Lisboa: As Estações, por Haydn e McCresh

Outono, a mais bela e alegre das Estações, assim a viu Haydn. Depois de uma Primavera luminosa com gorgeio de pássaros e rumorejar de ribeiros, o Verão, para Haydn, é despachado como uma desgraçada calmaria que tudo seca, obriga ao refúgio da sombra e traz temíveis trovoadas e aguaceiros. É no Outono que a natureza, serena, é mais amiga e alegre: tempo de colheitas e caçadas. Mesmo o Inverno é bem vindo, com a família à roda da lareira, fiando e tecendo, contando histórias... alegoria da vida, evidente, tanto mais que foi a sua última obra, de 1801, aos 69 anos, doente, ainda assim uma obra incrivelmente criativa e alegre.


A orquestra Gulbenkian esteve sublime, conduzida pelo estudioso e sabedor Paul McCresh como se fosse uma orquestra barroca - salientando a percussão e os sopros - muito, muito bons - para o impacto dramático, e conseguindo das cordas um ataque preciso, staccatos impecáveis, grande doçura do arco melódico. Um regalo.

O coro Gulbenkian merecia um Nobel. Cantou divinamente bem. Arrepiou.

Os solistas, que já são companhia habitual de McCresh, foram também do melhor que podia esperar. O barítono Andrew Foster-Williams tem uma voz potentíssima mas sempre bonita e bem colocada; o tenor Robert Murray esteve à altura, sem falhas, num papel pouco exigente, e também foi um gosto ouvir Miah Persson nas suas poucas árias, uma voz grande, expressiva e sólida. Os trios resultaram em cheio, as três vozes combinam bem, o equilíbrio das vozes com a orquestra foi regra ao longo do concerto.

Os melhores momentos foram: o das vindimas, com uma fabulosa celebração do vinho, que o côro acompanhou nas pandeiretas - grande efeito :) ; a sequência da caça com grande impacto e humor, e a ária com côro em que Hanne conta a sua história à lareira.

Aqui, Sally Matthews com a Handel and Haydn Society of Boston dirigida por Norrigton:


Talvez por estar habituado à maior e fria Casa da Música, achei que soava tudo muito forte - orquestra e cantores. Quase como se houvesse amplificação. Talvez tenha sido opção de McCresh, uma interpretação vigorosa. Soube bem, porque vigor e controle andaram de mãos dadas.

Um dos melhores concertos da minha vida, sem dúvida.
Um só reparo: se nos folhetos e nos jornaos a FCG optou por Perspectivas, com c, em bom português, porque raio tivemos de gramar com legendas em novilíngua ? Expetativas?!! por favor!

domingo, 27 de novembro de 2011

Fim de semana lisboeta: Verão neste belo Outono de fins de Novembro, Europa neste recanto empobrecido quase falido

Ah, a Gulbenkian. Nada como a Gulbenkian para nos fazer esquecer o país. Quando lamuriamos pelas ruas da amargura, entramos na Gulbenkian e o mundo é irrealmente glamoroso. Dos jardins ao Grande Auditório, do Museu à cafetaria (os éclairs, os vol-au vent) , da loja à exposição temporária, vivemos instantes de pura Europa, daquela Europa culta e bem-vivente de que julgávamos fazer parte, felizes e contentes, para todo o sempre.


Fleurs dans un vase - Pierre Auguste Renoir

Este, deixou-me logo em êxtase. Que magnífico fundo anónimo, que anódina jarra (bela na sua rudeza de barro), pois são as flores que contam. Ao contrário da abundância de detalhes com que outros saturam a composição, Renoir vai ao essencial. E como consegue profundidade de campo, as flores surgem de uma espécie de incrível névoa numa riqueza de planos, num minucioso trabalho de cor e luz e sombra... génio.

E,

Panier de citrons et bouteille, Van Gogh

Espantosa composição! Parece geometricamente perfeita, o fundo é um quadro abstracto em tons pastel, onde poisam as coisas, cada coisa no devido lugar, nada poderia ser deslocado, acrescentado ou retirado sem estragar tudo. Aquela laranja (?) de que só se vê uma pequena calote, à esquerda...Um Van Gogh calmo, sem torvelinhos, usando tons suaves, em perspectivas múltiplas, a garrafa e o incrível jogo de texturas, iguais a nada antes visto. Génio.

Repeti a entrada três vezes. 5 €? Cinco ?! Para desfrutar uma vintena de obras primas? Estão a brincar? Desculpem, quanto custa uma entrada para o derby? e para o festival superbock? Não, afinal isto é a Europa , sim, mas barata, muito barata, a preço de feira. Graças, claro, à Gulbenkian.

E depois, o jardim, no Outono, a natureza cá fora.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

va pensiero como nunca antes

Superprodução à americana, enche o olho e o ouvido. Um gosto.

Encenação Elijah Moshinsky


ah, viver a dois passos do MET ...

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Fim-de-semana cultural na FCG

Há que tempos não ia a Lisboa! Custou. mas decidi-me - a Gulbenkian está em apogeu , vai estar bom tempo (e tenho um voucher de noite grátis, :D ). Espero que o Pendolino de Giugiaro não me deixe ficar mal.

Paul McCresh vai dirigir a orquestra e o coro Gulbenkian nas Estações de Haydn, versão inglesa, com Miah Persson e Robert Murray. Dias 25 e 26.
Direcção promissora, solistas de primeira água.
É um dos meus all-time favorites, se tivesse de escolher o músico de quem me sinto mais próximo e que mais permanentemente me enche a alma era Haydn ( ou Brahms, conforme o state of mind).

Miah Persson é uma bela voz para reportório barroco e do início do romantismo; ei-la no Et Incarnatus Est de Mozart (não permite incorporação):


E no batti batti bel Masetto:


E depois, há a excelente A Natureza-Morta na Europa, que como diz o Paulo é imperdível, uma oportunidade única para ver obras primas que nunca mais cá voltam.


Renoir, Cézanne, Monet, Gris, Van Gogh, Gauguin, Magritte...

domingo, 20 de novembro de 2011

o Arminho do Ártico

(a propósito da exposição de Leonardo na National Gallery)


Começo por declarar a minha simpatia por este animalzito lindo mas arisco, fofinho mas temível: o arminho, criatura que abunda nas tundras e taigas do Ártico - territórios do extremo Norte do Canadá, Gronelândia, Escandinávia e Sibéria.

Arminho (Mustela erminea).

O seu habitat usual são terras planas inundadas, e espaços abertos e pedregosos.

Os arminhos mudam de pêlo com uma sensibilidade às estações que lhes dá um toque de criação artística: castanho/amarelado no Verão, branco como a neve no Inverno, com uma bela cauda negra.


São muito territoriais e solitários. Gostam de grandes espaços abertos. E lutam com sucesso com bichos bem maiores...

Na Idade Média viviam mais a Sul e eram procurados pela pele. Actualmente, vivem em paz com os homens, não estão ameaçados nem em extinção.





Uma das atitudes mais patuscas do arminho é de pé sobre as patas trazeiras:

A cauda negra do arminho atrai a atenção de aves predadoras, e assim salva a vida do espertalhão, que se safa apenas com uns pêlos a menos lá atrás.

A corrida do arminho faz-se em movimentos ondulantes, devido à espinha flexível que ora se arqueia, ora se distende.


O arminho é um animal muito territorial e solitário. O tempo de vida varia de 4 a 7 anos.

São animais nocturnos ou crepusculares. Caçam roedores ou pequenos pássaros, e são presas de lobos, raposas e grandes aves.

Há séculos, na Idade Média, o pêlo dos armimhos era muito procurado para roupas de luxo; era-lhes atribuído um significado simbólico de pureza.

Retrato de Isabel I , de Nicholas Hilliard, 1585

Por causa desse simbolismo, os arminhos figuravam em muitos brazões.
Heráldica do arminho numa janela em Chateau-Blois

Não são espécie ameaçada - pelo contrário, a população não cessa de aumentar e em ceras zonas chega a ser uma praga. A população mundial anda na casa dos 1000 milhares de milhão!

Vídeo mostrando um arminho glutão:


Finalmente,

Quem puder ir a Londres à National Gallery ver a exposição de obras de Leonardo da Vinci terá, entre muitas obras primas, esta famosa Dama do Arminho.

Leonardo retratou a Dama com genial mestria; infelizmente, não foi tão hábil ou tão simpático com o arminho, que sai mal na "fotografia".

Exposição Leonardo da Vinci: Painter at the Court of Milan
National Gallery of London
9 de Novembro de 2011 – 5 de Fevereiro de 2012
ver aqui

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Equidade fiscal - uma parábola

Era uma vez dez amigos que se reuniam diariamente numa cervejaria para beber, e a factura era sempre de 100 euros. Solidários, e aplicando a teoria da equidade fiscal, resolveram o seguinte:

• os quatro amigos mais pobres não pagariam nada, o quinto pagaria 1 euro, o sexto pagaria 3, o sétimo pagaria 7; o oitavo pagaria 12; o nono pagaria 18 e o décimo, o mais rico, pagaria 59 euros.
Face à fidelidade dos clientes, o dono da cervejaria resolveu fazer-lhes um desconto de 20 euros. Ainda atendendo à equidade fiscal, resolveram dividir os 20 euros igualmente pelos 6 que pagavam, cabendo 3,33 euros a cada um, mas depressa verificaram que o quinto e sexto amigos, que pagavam 1 e 3 euros, ainda receberiam para beber. Gerada forte discussão que pôs em perigo o grupo, o dono da cervejaria propôs a seguinte modalidade que foi aceite:

• os cinco amigos mais pobres não pagariam nada; o sexto pagaria 2 euros, em vez de 3, poupança de 33%; o sétimo pagaria 5, em vez de 7, poupança de 28%; o oitavo pagaria 9, em vez de 12, poupança de 25%; o nono pagaria 15 euros, em vez de 18.

• o décimo, o mais rico, pagaria 49 euros, em vez de 59 euros, poupança de 16%. Cada um dos seis ficava melhor do que antes e lá foram bebendo.


Certo dia, no entanto, começaram a comparar as poupanças.
-Eu apenas poupei 1 euro, disse o sexto amigo, enquanto tu, apontando para o décimo, poupaste 10…e não é justo que tenhas poupado 10 vezes mais…
- E eu apenas poupei 2 euros, disse o sétimo amigo, enquanto tu, apontando para o décimo, poupaste 10...e não é justo que tenhas poupado 5 vezes mais!…

E os 9 em uníssono gritaram que praticamente nada pouparam com o desconto. E de imediato concluíram: “deixámo-nos explorar pelo sistema e o sistema explora os pobres…”. E, passando à acção, logo rodearam o amigo explorador e maltrataram-no severamente.

No dia seguinte, o ex-amigo rico emigrou para outra cervejaria e não compareceu, deixando os nove amigos a beber a dose do costume. Mas quando chegou a altura do pagamento, verificaram que só tinham 31 euros, que não dava sequer para pagar metade da factura!...

Aí está o sistema de impostos e a equidade fiscal.
Os que pagam taxas mais elevadas fartam-se e vão começar a beber noutra cervejaria, noutro país, onde a atmosfera é mais amigável!...


David R. Kamerschen, Ph.D. -Professor of Economics, University of Georgia

perturbante, não ?

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Vozes pela Irlanda

Belíssimo vídeo onde se vê porque a Irlanda é, também. um grande e culto país europeu, acima de todas as falências.

Aidan Quinn, Ellen Barkin, Stockard Channing, Liam Neeson e Gabriel Byrne dizem textos de:

Spring Love, Francis Ledwidge
Aedh Wishes for the Cloths of Heaven, William Butler Yeats
The Importance of Being Earnest, Oscar Wilde
Worstward Ho, Samuel Beckett
The Lake Isle of Innisfree, William Butler Yeats


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

De Chișinău, capital da Bessarábia, a Maria Cebotari e Valentina Naforniţă

- mais uma viagem virtual


Chișinău é a capital d... ?

da República da Moldávia, Europa, que fica "antes" da Ucrânia (vista de cá) mas para lá dos Cárpatos. Nome com ressonâncias de aventuras de Tintin - o Cetro de Ottokar e o Affaire Tournesol passavam-se na Sildávia...

A Bessarábia! Lembro-me de se usar ironicamente como país longínquo, onde sucedem coisas estranhas, quase como a Última Thule do leste ... a Bessarábia é, afinal, a Moldávia .
(mais ou menos, há complicações territoriais com a Roménia e a Ucrânia, não interessa para aqui).


Ficou para a História como local da última fronteira a leste do Império Romano, onde Trajano mandou construir também uma muralha a definir os limites do Império; e como cenário de uma importante batalha entre Turcos e Russos durante a Guerra da Criméia ( a da Guerra e Paz de Tolstoi).

O que resta da muralha de Adriano (?), do séc III, para defender a Moldávia dos ataques dos Hunos


Bessarábia era o nome com que o Império Russo identificava a parte oriental do principado da Moldávia, cedido pelo Império Otomano à Rússia, em 1812, após a Guerra Russo-Turca (1806-1812). Sob o domínio russo, estruturou-se o Governo Geral da Bessarábia.


É um território fértil delimitado pelo rio Dniester a nordeste, os Cárpatos a poente, a foz do Danúbio e o Mar Negro a sul. Actualmente a Ucrânia corta o acesso ao Mar Negro, mas a Bessarábia foi sempre rota de comércio entre leste e oeste e zona estratégica no acesso ao Mar. O cruzamento de povos e várias vagas de migração deram como resultado uma população muito variada - romenos, ucranianos, alemães, polacos, russos, gregos, arménios, turcos ... Em 1900, 40% eram judeus, mas vários pogroms da Roménia fascista e da Rússia estalinista deportaram-nos em massa, diminuindo drasticamente o seu número.

O Dniester na fronteira da Moldávia. Do fértil território moldavo, 80% é agrícola - cereais, girassóis, mel, vinhas e pomares.

Fiquei curioso quando recentemente esteve no Porto uma surpreendente Ópera da Moldova, com um Rigoletto nada mau, e depois com a soprano Valentina Naforniţă a vencer com brio o concurso de canto BBC Cardiff Singer of the World 2011.


E fui investigar. País ignorado, pobre e isolado, com tal cultura, é coisa fascinante.

Population: 3.6 million (UN, 2010)
GDP per capita:
128 Sudan1,705
129 Moldova1,630
130 Papua New Guinea1,488
De estarrecer! Ora bem, entremos nós em insolvência, saiamos do euro, e é isto que nos espera. Será assim tão mau?

Chişinău

Chișinău (pronunciar [Kichineu]), capital da Moldávia, tem um Teatro de Ópera com companhia residente, um Teatro dramático, 2 salas de concerto, vários museus, algumas belas igrejas e palácios, uma grande avenida e um conjunto monumental histórico:



A jóia arquitectónica é o conjunto do Parque da Catedral, de 1836. É o ex-libris de Chișinău, do arquitecto Avraam Melnikov . O conjunto teve de ser restaurado, depois dos habituais tratos de polé a que foi sujeito pelo regime soviético.


A Catedral e a Torre sineira (restaurada em 1997), neoclássicas

A catedral ortodoxa da Natividade


O Arco do Triunfo, de 1840, comemora a vitória na batalha que expulsou os Turcos.

Fonte no parque central da cidade, Stefan cel Mare

O herói nacional é Estevão o Grande, Estevão III, príncipe da Moldávia entre 1457 e 1504, que obteve 46 victórias contra os Otomanos e finamente garantiu a independência do principado. Obteve por tais feitos do papa Sixtus IV o título de Campião da Fé Cristã !!

Tem estátuas pela cidade e deu logicamente o nome à avenida central - Stefan cel Mare - onde se concentram comércio e serviços, e é o local mais movimentado, a "sala de visitas" da cidade:



Loja dos vinhos Cricova

Nesta avenida encontram-se alguns dos mais belos edifícios, como a Câmara:


É frequente a influência oriental na arquitectura:


A estação de combóios, magnífica.

Quanto a Museus:


Museu de História e Arqueologia, o mais importante do país, com muito material dos Dacio-Getas, povo germânico parente dos Godos que habitava a zona (Dácia, Trácia) na época dos romanos, e que atingiu um grau respeitável de civilização.

Um belo site com muita documentação:

O Museu tem salas lindíssimas:
(clicar para aumentar)

Sala vermelha

Sala dourada

Sala azul

Museu de Etnologia e História Natural:

Construído em estilo oriental, abriu em 1889. O interior é também muito bonito:


Museu de Belas Artes


Uma colecção de ícones, mas também Renoir, Dürer, Luca Giordano.

O Mosteiro de S. Teodoro Tiron:



O Mosteiro de Căpriana, 40 km a norte de Chișinău (de 1491, restauros em 1545, com acrescentos de 1903) :



Uma sala de concertos de bela arquitectura: a Sala do Órgão (Sala cu Orgă), de finais do séc XIX :




E finalmente o Teatro de Ópera e Bailado da Moldova, arquitectura moderna da época soviética, ao que parece com uma fenomenal acústica:

Vale a pena navegar no site, com uma bela galeria de vídeos:



O sistema de transportes de Chișinău limita-se a trolley-carros eléctricos, velhinhos mas não poluentes.


No 2ª grande guerra, Chișinău foi ocupada pelo Exército Vermelho em 1940, e quase arrasada. Os aglomerados de blocos residenciais do modelo soviético ainda são ainda uma larga e feia parte da paisagem urbana. Disso dispenso-me de dar exemplos.



Maria Cebotari

A mais célebre personagem moldava fora do país, Maria Cebotari (1910 – 1949) foi uma soprano reputada que correu as melhores salas de Ópera da Europa. Nasceu em Chişinău, Bessarabia.


Actuou com Karl Böhm e Strauss; em 1936 entrou para a Ópera do Estado de Berlim onde foi prima donna até 1946. Fez a Susanna das Nozze di Figaro, a Zerlina do Don Giovanni, e a Sophie do Der Rosenkavalier no Covent Garden de Londres.



E ... Valentina Naforniţă, a revelação:



Conclusão: a ser país pobre e desolado, antes assim. A cantar.