Balanço de geração, ainda na ressaca dos 5 anos do
Livro.
Nestes tempos parece que se respira o fim de uma era, em que muitos princípios, valores e modos de vida são postos em causa por aparentemente não terem conduzido ao esperado progresso de uma vida melhor para a humanidade.
Para quem partilha a minha geração (nascida, digamos, nos anos 1940-60) não faltaram motivos de espanto, maravilha, deslumbramento e mesmo orgulho. Atravessando agora um momento depressivo de esterilidade e vacuidade, é bom relembrar tanta coisa boa, relembrar que mais ninguém antes desfrutara destas criações, descobertas e inventos em todo o seu original esplendor e frescura, um ciclo feliz de humanidade imaginativa e aventurosa.
✸ Anos 60 – nasce a música pop/rock/folk :
Beatles, Simon e Garfunkel, Pink Floyd, Fairport Convention e
Sandy Denny, Leonard Cohen, Donovan, Bob Dylan, Beach Boys... e aos poucos nascem também imensos festivais, rurais ou urbanos, que reúnem multidões para, 'apenas', ouvir música. Nunca visto.
✸ A aventura espacial : as viagens à Lua, o
Space Shuttle a a construção da
Estação Espacial orbital, o telescópio
Hubble e a nova visão do Universo pelas sua fabulosas imagens. Finalmente conhecemos os nossos vizinhos mais de perto, e até encontramos mundos semelhantes fora do sistema solar; mas nada se compara a vermo-nos a nós próprios no espaço.
✸ BD, a banda desenhada, nova forma de arte: o universal
Tintin de Hergé e as suas inúmeras viagens, o
Príncipe Valente, o mágico
Mandrake,
Mickey Mouse e
Scrooge MacDuff, Calvin, as aventuras conspirativas de
Black and Mortimer, a personagem ímpar de
Corto Maltese, Fred e a imaginação à solta.
✸ A redescoberta da
Música Barroca e Antiga : interpretações historicamente informadas revelam um universo musical dos séculos XVI/XVII quase desconhecido e revalorizam de forma deslumbrante alguns clássicos: Händel, Mozart, Vivaldi, Telemann, Gluck, e depois Beethoven, Mendelssohn. Nomes como
Christopher Hogwood, J. Eliot Gardiner, Nicolaus Harnoncourt, Tom Koopman, Phillip Herreweghe, Jordi Savall, David Daniels, Andrea Scholl, Emma Kirkby, Cecilia Bartoli, fazem parte da herança e do imaginário da nossa geração pioneira desta redescoberta entusiasmante.
✸ A Queda do Muro de Berlim : fim do regime e do império soviético, fim da maior mentira política de todos os tempos, fim da guerra fria - só não o festejou quem não o sofreu. Somos muito mais livres, falta-nos encontrar a responsabilidade correspondente. Desde aí, a Europa reencontrou-se na sua vastidão e variedade, e na sua longa e sofrida História, onde não faltam disparidades e conflitos por resolver. Talvez por isso mesmo seja o continente com mais potencialidades de inovar, reinventando-se. Pelo menos é sem dúvida o mais colorido !
✸ O Ártico : cada vez mais valorizado; com a descoberta de um território imenso e variado na sua natureza e nos seus povos, uma história esquecida foi-nos devolvida: um novo mundo de glaciares, imensidões geladas, fiordes, vida animal, longas noites e longos dias, luzes que bailam no céu, aldeias coloridas, artes e costumes das comunidades do gelo, que vem sendo revelado para nosso espanto - e também para nossa preocupação com a riqueza finita da água potável.
✸ Portugal na Europa : somos quase iguais... cafés e
pizzarias à italiana,
boulangeries à francesa,
fast-food, casas
gourmet; esplanadas mediterrânicas por todo o lado que trouxeram animação e colorido; salas de cultura e de concerto até em recônditos concelhos, espaços urbanos melhorados, percursos pedestres, passadiços, ciclovias, e, claro, cartões, multibancos, moeda única. Serviços de saúde quase exemplares, longevidade acrescida. Mas a riqueza não trouxe visão, a liberdade não trouxe juízo nem honestidade, e a cultura propriamente dita, essa decaiu,
hélas.
✸ A Internet, claro (aproxima os afastados e afasta os próximos), e os computadores pessoais, genial coisa. Há tão pouco tempo ainda imprevisíveis, depois mostrados como temíveis na ficção científica, agora quem os usa uma vez não mais os dispensará. A Internet é a cultura de massas levada à quase perfeição. Por definir ainda os efeitos da rede mundial a longo prazo - há quem aposte até numa possível mutação.
Para mudança, tivemos Mudança ! E olhando retrospectivamente não será fácil encontrar uma geração que possa gabar-se de tanta coisa nova ter trazido para a História.
Não conseguimos resolver as mais básicas injustiças e desigualdades.
É a nódoa na herança que deixamos: um mundo em perigoso desequilíbrio.