domingo, 21 de setembro de 2025

O Universo numa fórmula (FLRW)



No que eu me vou meter. Arrisco-me a perder freguesia. Desde já peço perdão, leitor(a), esta viagem é bem diferente das que aqui costumam aparecer.

Uma das poucas palestras que dei na minha carreira de professor abordava a questão da Geometria do Universo, em particular a evolução do modelo de Newton para o modelo relativista de Einstein. Como eu falava para gente jovem, tinha de expor com o máximo de bonecos e modelos, e evitar a aridez matemática - e diga-se que esta 'aridez' é que era a parte mais bonita, para mim.

Entre modelos de cartolina e imagens coloridas, triângulos sobre esferas e selas de cavalo, o que eu queria era chegar a isto:


O monstro. Chama-se 'métrica de Robertson-Walker ' mais recentemente alargada a outros matemáticos, "métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker"  (FLRW) , a "fórmula do Universo", ferramenta básica em Cosmologia.

Eu queria explicar, ou melhor, descodificar, o monstro. De facto, tudo começa de forma simples, com o bem conhecido Teorema de Pitágoras num plano. Se o nosso mundo fosse plano, bastavam-nos duas linhas de coordenadas - como as linhas horizontais e verticais em papel quadriculado, por exemplo - e as distâncias mediam-se em "quadradinhos" :

O quadrado da hipotenusa (5 ) é igual à soma dos quadrados dos dois catetos (3 + 4 )

Não sabíamos na altura do Liceu, mas esta era uma Lei exclusiva, e definidora, do espaço plano. Portanto, chamando x e y às duas coordenadas, elas formam um triângulo rectângulo em que o lado maior (a hipotenusa) vai ser representado pela letra s.


Vou seguir devagarinho em passos lentos, tudo´simplificado' ao máximo. Em vez de s, x, y, vamos passar a usar uma linguagem diferencial, representando deslocações infinitésimas, muito próximas de zero, por ds, dx, dy. É só cosmética, a aparência muda mas a fórmula é a mesma:


A seguir, vamos passar do plano para para três dimensões (x,y,z) :


Consideremos um deslocamento ds, e nas três coordenas dxdy e dz.


Portanto, agora o "Teorema de Pitágoras" fica alterado, adicionando + dz :

fórmula 1

Pronto, até aqui nem foi difícil, pois não ? Esta é a fórmula para calcular distâncias num cubo, ou num paralelipípedo, que são modelos de espaço plano (não curvo) em três dimensões. Seria assim se o espaço se comportasse como uma rede onde a distância mais curta é sempre a linha recta:


Mas a Relatividade provou que não é assim. Vamos a uma das partes difíceis, que é passar a um espaço curvo.

Um modelo de espaço curvo é a superfície esférica (o nosso planeta). Deixa de haver linhas rectas; a distância mais curta do Porto a Sidney não é uma recta, não podemos furar a direito, é uma curva chamada geodésica, como é o Equador por exemplo. É costume medir a curvatura por um valor K que, reduzindo tudo ao mais simples, vale zero (K=0, curvatura nula) num espaço plano, é positiva no espaço curvo esférico e negativa noutro espaço mais estranho chamado hiperbólico, o tal que lembra uma sela de cavalo. Isto são só nomes, nada de assustar. Eu mostrava isto com cartolinas , espero que esta imagem baste:


Então: se K = 0 , estamos num espaço plano - a distância entre dois pontos, como já vimos, se exprime pela fórmula 1 :

  
Mas se K não for nulo, convém definir um sistema semelhante ao das coordenadas terrestres - latitude e longitude. Serão três coordenadas  - r , θ , Φ  - chamadas "coordenadas esféricas".  Imaginem um balão: 

Coordenadas esféricas: r correspode mais ou menos ao raio - se o balão enche, r aumenta , e vice versa; θ  (téta) e Φ (fi) são as coordenadas angulares no balão, como a latitude e longitude sobre a Terra. É costume usar letras gregas.

Faremos uma terrrrrrível operação de mudança de coordenadas, que se exprime assim matematicamete:

      x= r sin θ cos Φ
      y= sin θ  sin Φ
      z= r cos θ

Devem estar lembrados da operação "substituir o valor da variável", que se traduzia em trocar "x" pelo seu novo valor, e o mesmo para y e z.

Vamos fazer isso substituindo estes valores na fórmula da distância; em vez da fórmula 1


obtém-se, com paciência, não vou mostrar aqui,
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ds2 = dr2 + r2dθ 2 + r2 sin2θ dΦ2
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fórmula 2

que é a métrica para distâncias sobre uma superfície esférica em coordenadas esféricas. Já é uma coisa difícil, se chegaram até aqui...

Grande progresso ! Vamos a ... meio ! Isto permite medir distâncias sobre a superfície terrestre (suposta esférica)  com base na latitude e longitude. Se a Terra 'inchasse' ou 'esvaziasse' como um balão, r deixava de ser fixa, mas sim variável com o tempo como as outras. É uma coordenada móvel. Como devem saber, o Universo está em expansão, e se a sua geometria for esférica...

Vamos, coragem. Uma fórmula do Universo não se consegue sem alguma perserverança ;) .

Esta fórmula 2 já servia, se não fosse a relatividade ! Aqui é que entra ela e tudo fica mais complexo. Afinal não há só três coordenadas de espaço, x, y e z, mas segundo a relatividade restrita, há quatro  - o tempo, t, quarta dimensão, quarta coordenada do Universo. Além disso, toda a deslocação tem uma velocidade limite, inultrapassável - a velocidade da luz, c (~ 300 000 km/s). Se uma distância s for percorrida à velocidade da luz c, a equação dessa deslocação é 

                                     s = c. t ( velocidade x tempo)

como percebe qualquer aluno que tenha feito o secundário (liceu). Sendo c uma constante, uma deslocação infinitesinal (mínima) ds num tempo infinitesimal dt traduz-se por

                                     ds = c dt,   portanto   ds2 = c2 . dt2

Acontece que no Espaço-Tempo da Relatividade (espaço de Minkowsky *) a componente temporal do intervalo tem sinal contrário à componente espacial. Isso tem a ver com a diferença fundamental entre tempo (causalidade, um só sentido)) e espaço, com o facto de à medida que o espaço dilata, o tempo contrai, e vice-versa. Ao introduzir a 4ª dimensão dt, ela subtrai (negativo) em vez de somar, na fórmula 1 :
ds2 = - c2 . dt2  + dx2 + d y2 + d z2    
comp. temp.    - comp. espacial -
 
Podia ficar assim, com os sinais (-,+,+,+), mas costuma usar-se, por convenção, o equivalente (+, -, -, -)

ds2 =  c2 . dt- dx2 - d y2 - d z2 

Estamos ainda a medir distâncias num espaço-tempo (3D+1) plano; com a curvatura do Universo relativista, temos de reverter para as coordenadas móveis r , θ , Φ num espaço-tempo curvo, na fórmula 2,

  --------------------------------------------------------------- 
ds2 = - c2 . dt2  + dr2 + r2dθ 2 + r2 sin2 θ dΦ2
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fórmula 3

Agora é que está quase ! Para chegar à métrica de Robertson-Walker falta corrigir a fórmula 3 inserindo a(t), um factor de escala que mede a taxa de expansão espacial (ou compressão) do Universo, e a constante k da curvatura local, na forma de


A fórmula FLRW é a solução das Equações de Campo para a Relatividade Geral : descreve um espaço, um 'Universo', homogéneo e isotrópico, o que pode parecer uma simplificação abusiva mas.... funciona. Funciona em quê? Em todos os cálculos de distâncias, trajectórias ou intervalos de tempo - foguetes e satélites enviados para o Cosmos, corpos celestes como planetas e cometas, distância entre Galáxias... A alternativa seriam cálculos newtonianos, em 'linha recta' , e dariam resultados errados, tanto mais errados quanto maior for o tempo e a distância envolvidos. A mesma coisa com as mensagens: qualquer comunicação entre a nave no Cosmos e a estação na Terra é feita por sinais electromagnéticos, ondas de rádio ou de laser; também as suas trajectórias obedecem às leis da relatividade.

FLRW:        

ds : Intervalo infinitesimal de "espaço-tempo".
c:    Velocidade da Luz.
dt : Intervalo infinitesimal de tempo.
a(t) : Factor de escala que descreve a expansão ou contracção do Universo em função do tempo.
dr, dθ, dΦ : Mudanças infinitesimais nas coordenadas espaciais (radial, polar e azimutal).
:A curvatura, factor que descreve a geometria espacial do Universo:
     K=0 Universo Plano
     K=1 Elíptico (fechado)
     K=-1 Hiperbólico (aberto 

Mas então esse espaço-tempo curvo é real, aqui, na Terra ? Sim, existe. O simples facto de a bola atirada ao ar no Volley descrever um arco e voltar a cair é prova disso: o nosso planeta "deforma" o espaço devido à sua massa, o que se traduz no fenómeno da gravidade. Á nossa escala não altera quase nada as distâncias e os tempos, mas altera trajectórias - a queda dos asteróides, a queda das cápsulas espaciais... esta imagem 'sugere' como essa deformação se veria numa rede de geodésicas próximas da Terra:


A deformação é tanto maior quanto mais maciço for o corpo celeste.

* O Espaço de Minkowski é um tipo de Geometria não Euclidiana que descreve um Espaço-Tempo a 4 dimensões com a assinatura métrica 
(-, +, +, +)
 , ou (+, --, -)

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Alguém aí para me atirar limões? ou ovos ? Por um lado, matemática a mais; por outro lado, fiz batota várias vezes, para facilitar...

Tentem rever desde início 2ª vez, 3ª vez... À terceira é de vez!



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