Ora aqui ainda ninguém foi, aposto. Incursão pelo Ártico, desta vez Canadiano, na maior e mais espantosa das ilhas do Arquipélago - a Ilha de Baffin.
Admiralty Inlet, o braço de mar que dá acesso a Arctic Bay
O interior da ilha é quase todo um Parque Nacional de cortar a respiração, quase surrealista; e o litoral recortado de fiordes permitiu o estabelecimento de um elevado número de povoações(*) indígenas, que têm em comum uma vocação natural para a actividade artística - pintura (serigrafia), tapeçaria, escultura e artesanato (bordados, marfins). Quase no extremo norte, ao abrigo de uma enseada de fiorde, fica Arctic Bay.
A povoação nasceu em 1936 de um posto da 'Hudson Bay Company', a que foram acrescentados à força nativos deslocados de outras aldeias com promessas de progresso e instalações modernas. que haveriam de chegar ... nos anos 60.
O nome da povoção em língua inuk é Ikpiarjuk, "a bolsa", talvez por estar inserida num arco de formações geológicas e numa baía do fiorde. As elevações do terreno que cercam parte da povoação exibem uma série de hoodoos, 'chaminés' ou pilares de rocha salientes, de cor avermelhada, de altura até 180 metros.
Arctic Bay
Coordenadas: 73º 2' N, 85° 8' W (mais de 720 Km a Norte do Círculo Polar)
População: ~870 (maioria inuit)
A ocupação humana da baía é muito antiga, tem pelo menos 5000 anos. Em 1872, quando um navio baleeiro inglês passava na área, acostou e deixou ao povoado o seu nome, "Arctic". Como centro administrativo existe desde os anos 1960, fundada à volta de um posto da Companhia de Peles Hudson 's Bay.
Actualmente a comunidade dispõe de uma escola, centro de saúde, supermercado, centro de artesanato e uma sede administrativa. A Inuujaq School recebe cerca de 200 estudantes.
O Centro pode ser pequeno e limitado mas foi construído com elevados padrões, tem o melhor equipamento de diagnóstico e primeiros socorros.
As compras fazem-se nas duas lojas cooperativas, cadeias conhecidas pelos preços caríssimos da alimentação, sobretudo os frescos.
A Igreja Anglicana de All Saints de 1965 é bastante pobre.
As casa de madeira sobre estacas são devidamente isoladas do frio, e com fornecimento de gás.
Como seria de prever, caça (raposa, lobos, patos e mais raros coelhos e caribus) e pesca são as actividades tradicionais e básicas da população nativa.
Há quem tenha possibilidade de uma mota de neve, mas as famílias tradicionais preferem trenós de luxe para maiores deslocações.
Baffin Island é a 5ª maior ilha do planeta, com um grande Parque Nacional e várias zonas protegidas. A costa nos arredores de Arctic Bay é formada por altas falésias avermelhadas, mas geralmente cobertas de neve, entrecortadas por fiordes profundos e estreitos. O Admiralty Inlet é considerado o mais longo de todos os fiordes do planeta.
O que me fascina e desconcerta nestas comunidades é que existam. Não estamos a falar de aldeias da Beira Alta que foram definhando sem posto médico, sem correios, sem escola, até ficarem vazia e mortas, vendidas para aldeamento turístico. Que teriam, não sei, os seus 200, 500 habitantes e estavam a menos de duas horas de grandes cidades.
Aqui na alto Canadá são povoações completamente isoladas grande parte do ano, sem recursos nem estradas nem combóios nem autocarros, sem cinemas nem restaurante nem café, nunca ouviram Mozart, sem um parque verde para sentar a conversar ou jogar à bola, sem escolha de casaco - só há aquele modelo standard, verde ou amarelo, e pronto. Imagino que o menu diário seja sempre o mesmo, basicamente, sem morangos nem bananas, sem uma sopa verde. Saem, a vista é larga e majestosa, mas nunca verão outra na vida.
E contudo não abandonam, contudo gostam tanto daquilo que, embora façam questão , oh sim !, de ter médicos e enfermeiros, professores e carpinteiros, correio e wifi, e paguem a madeira e a tinta a peso de ouro, é ali que ficam, a subsistir, de focas, salmões e caribus. O valor e a segurança da sua comunidade quase familiar, de viver entre os seus e na sua Natureza, sobrepõe-se a tudo o que Toronto ou Monréal possam oferecer. Não trocam a sua indentidade, a sua tranquilidade, e sua humanidade, por nada. Talvez quando muito comprem um espelho para ter em casa, ou uma lanterna. Talvez exijam a sua emissão local de rádio. Vida melhor, sim, vida estragada, não. Dignidade.
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