segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Nunca fui a Vicenza ! + o Teatro Olímpico de Palladio

Vicenza é uma daquelas cidades que se devem visitar antes de morrer, ou visitar e depois morrer; é, digamos, 'definitiva'. E não se fala muito dela, não é tão destino de multidões como outras.

Corso Andrea Palladio

Vicenza é a cidade de Andrea Palladio, arquitecto renascentista, um dos mais inspiradores de todos os tempos, imitado repetidamente na arquitectura neo-clássica; um génio inovador que além de uma nova estética inventou imensas soluções técnicas. A UNESCO reconheceu que devia ser admirado pelo menos tanto como Michelangelo ou Da Vinci. Anda por aí em exibição nas TVs um documentário muito fraco que não lhe faz justiça. Quem lhe fez justiça foi Goethe: o poeta alemão, na sua Viagem a Itália, não se poupa em palavras para descrever o êxtase que sentia perante as obras de Palladio.

Entre 23 (!), há pelo menos três obras primas dele em Vicenza; a que elejo em primeiro lugar é o Teatro Olímpico

Piazza Matteotti - a entrada para o Teatro.

Foi construído entre 1580 e 1585, data de estreia com o Oedipus Rex de Sófocles, e foi a última obra de Palladio - não chegou a vê-la concluída.


Palladio teve de aproveitar uma secção da fortaleza de Vicenza, que tinha sido usada como prisão e depois como paiol de pólvora. 



Para encaixar um teatro romano no espaço irregular da fortaleza, recorreu a uma planta elíptica.

É o mais antigo teatro coberto da Europa completamente preservado.


A cenografia, criada pelo aluno de Palladio, recria a cidade de Tebas; com um impressionante jogo de perspectiva "rompe" o proscénio, ampliando visualmente o espaço e tornando-o uma obra de arte em cada detalhe.


O auditório é uma escadaria elíptica enquadrada por uma colunata, encimada por un friso de estátuas. Um palco rectangular antecede o majestoso proscénio, com três arcadas separadas por colunas, nichos com estátuas, painéis de baixo-relevo, tudo criando efeitos reforçados de perspectiva e profundidade.


Foi aqui filmado o Don Giovanni de Joseph Losey. 


Palazzo Chiericati - Museo Civico

Saindo do Teatro, em frente na mesma praça de Vicenza fica a casa que Palladio desenhou para a família Chiericati.


Inspirado no modelo de palácios de Veneza, volta para a praça uma frente espectacular, que conjuga de forma brilhante as linhas horizontais e verticais criando volumes diferenciados.


Acabado em 1680, demorou 80 anos a construir ! Em baixo, no passeio público, colunas dóricas; no piso de cima jónicas. Palladio utilizou quase sempre a média harmónica nas proporções externas e internas.


A secção central é ligeiramente projectada para a frente.

Um 'chiaroscuro' obtido com formas e materiais.

Como seria de esperar, lá dentro é um Cosmos, onde podemos passar um dia e voltar. Salões ricos de cor e luz, os tectos pintados com frescos, e no museu quadros do Renascimento italiano. 

Tecto da Sala d'Ercole

Luca Giordano, 'Bodas de Canaã'.

Paolo Cagliare,Veronese - 'Madonna con Bambino', 1560.

Piazza dei Signori

Vicenza tem ainda uma das mais belas praças de Itália, ou do mundo, a Piazza dei Signori que faz esquina com a Piazza delle Biade:


À entrada, duas colunas: uma com um belíssimo Leão alado de S. Marcos, de 1464; e outra de 1640, encimada pelo Cristo Redentor. À esquerda, a Torre Bissara e a Basilica, também de Palladio.


Muito teatral, este cenário.




A Torre Bissara, de 1174

Uma belíssima e rara torre medieval com 82 metros. 

Recebeu o nome da família Bissari; e foi anexada à torre que Palladio realizou, quatro séculos mais tarde, outra obra prima, a famosa Basílica.


Basilica Palladiana, 1597.

Em 1546, Palladio apresentou um projecto para recuperar o que existia de um modesto e degradado salão gótico; a solução foi envolvê-lo com uma vistosa 'carapaça' renascentista, dois andares de arcadas a toda a volta. Não se consegue imaginar o que era o estaleiro da obra por toda a praça, que demorou 68 anos.

O edifício medieval foi 'encaixotado' num luxuoso invólucro. Por fora, elegância, harmonia e leveza. Lá dentro continua a haver lojas em galeria e passagens de travessia no andar baixo, e em cima o salão de festas que recebe agora actividades culturais. É na transição entre as duas estruturas, interna e externa, renascentista e gótica, que o sucesso da obra foi mais relevante: uma tripla dualidade. 

Galeria da arcada superior.

Aqui prevalece a ordem dórica.



La Rotonda é uma obra única e imperativa do Mestre; já numa zona rústica dos arredores, dois ou três quilómetros a sul da cidade, a 'Villa Capra' recebeu aquele nome pela sua famosa sala central redonda onde eram recebidos os visitantes.

De planta quadrada com quase total simetria, mas com sábias adaptações no interior. Colunas jónicas nos quatro pórticos.


Quase um templo. Pela primeira vez, uma moradia foi construída em torno de uma cúpula central.

A adaptação da forma quadrada ao salão central redondo com a cúpula e aos quartos rectangulares criou vários espaços 'vazios' muito bem escondidos por Palladio, um segredo da casa.




Mesmo ao centro do chão sob a cúpula, uma máscara disfarça uma tampa para a conduta de circulação de ar sob o pavimento. Era sobre esta marca que eram recebidos os convidados mais prestigiados.


Uma das coisas mais admiráveis na obra é que não precisou de alicerces!  Construída na verdade quase como uma pirâmide, no topo de uma elevação, sobre uma sólida plataforma que serve de cave, a casa é auto-sustentável em termos de estabilidade, como se torma mais claro numa plano de perfil.



Olhos atordoados de tal festim de arquitectura, eis uma experiência que já não vou ter. Tenha quem ainda puder.


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