É sabido que os Romanos levaram a sua civilização até quase todo o território que costumamos chamar Europa: estradas pavimentadas, pontes, canalização de águas, banhos, água ao domicílio, fortificações, sistema judicial e administrativo, templos, e, claro, a língua unificadora. Tácito refere-se aos esforços de Julius Agricola, governador romano na Grã Bretanha, para estabelecer escolas de Latim e impor higiene pessoal, com o uso obrigatório de banhos públicos.
Como nada anteriormente constituía prática comum na Europa, talvez a rede de estradas, a higiene pública e um sistema legislativo e de justiça avançados tenham sido os primeiros sinais e símbolos de identidade cultural europeia.
Muito antes dos cafés, a que se refere George Steiner*...
E qual era o alcance territorial dessa civilização, para norte e para nordeste? (para sul e poente são óbvios).
O Limes Britannicus
A ilha grande da Bretanha tornou-se de importância vital para os romanos pela riqueza em ferro e sobretudo estanho, raro e precioso para fabricar bronze. Uma vasta laboração mineira implicou a emigração de técnicos e um contingente militar numeroso.
Adriano, ele próprio arquitecto, visitou a Britannia em 122 AD, subiu até à Caledónia (actual Escócia) e aí ordenou a construção de uma muralha entre a foz do Solway, a poente, e a do Tyne, a nascente, 'para separar os romanos dos bárbaros' - as tribos caledónias que resistiam tenazmente a norte da ilha.
Foi uma obra de grande envergadura, que envolveu arquitectos e engenheiros - uma extensão de 118 km, a maior parte em pedra, algumas secções em blocos de turfa. A intervalos regulares havia torres fortificadas e pequenos quartéis que podiam alojar guarnições de umas dezenas de homens.
A construção da muralha inicial prolongou-se por 6 anos, tendo continuamente sido objecto de acrescentos e reforços durante mais 8 anos. Talvez, mais do que para protecção militar contra os bárbaros do norte, fosse um marco simbólico do fim da civilização imperial, a envolvente de um território onde havia estradas e banhos e legionários, parte de um enorme anel que separava o mundo romano do resto.
Ruínas do forte de Corbridge.
'Limes', em latim, é fronteira, ou barreira; o Limes Britannicus tinha um significado mais administrativo que militar - não havia nada que se pareça com rondas permanentes ou soldados perfilados à chuva a vigiar o horizonte.
Só nalguns locais a muralha se eleva a uns intimidantes 4 metros, por 3 de largura, e há ainda vestígios de um fosso. Os acessos por estrada eram muitos, cada um com portão e torre de vigia (uma ou duas).
Um pequeno fortim controlava a travessia de estrada.
Numa segunda fase, foram construídos quinze fortes, recuados da muralha, onde se podiam abrigar até mil homens para responder a ataques. Mas na maior parte da extensão a muralha era frágil e teria sido ineficaz para um exército invasor. Mais provavelmente, permitia conter salteadores e cobrar direitos de passagem.
O sistema funcionou até 410 AD, quando as legiões romanas se retiraram da Britannia.
Aqui ao longo de uma falésia, perto de Once Brewed, a muralha parece um temível obstáculo. Vêem-se restos de um fortim. Foto de Robert Clark.
Ao longo da muralha, algumas vilas fortificadas apoiavam a logística das tropas, no abastecimento e no alojamento, sobretudo quando eram necessários reforços perante uma crise.
Duas dessas localidades são Chester e Corbridge, onde há agora museus com peças belíssimas.
Vista aérea das ruínas do aquartelamento de Corbridge: celeiros, oficinas, casa forte, banhos, refeitório, templo....
Forte de Chester: os banhos
Forte de Chester: casa do comandante
Museu de Corbridge
O Leão de Corbridge, adaptado de uma pedra tumular a decoração de fonte doméstica.
Tabuleiro de Corbridge (lanx), representando um santuário a Apolo.
Baixo relevo dedicando um templo a Sol Invictus, séc II-III AD
Três peças com referências ao Muro de Adriano
Encontradas em locais muito diversos, parecem contudo do mesmo fabricante.
A 'Moorlands Patera', uma pequena taça de bronze de meados do séc II, decorada e com o nome de quatro fortes romanos, encontrada no sul da ilha.
A 'Rudge Cup', encontrada perto de Lincoln, refere o nome de cinco dos fortes.
A 'Amiens Patera', também de bronze com um longo braço, leva inscritos os nomes de seis fortes.
Estas peças parecem mostrar que os romanos davam valor simbólico ao ´Limes´, ao ponto de desejarem levar recordações da estada no local.
Também a arte romana se espalhou pela Europa. Mais um factor unificador do território. Tudo isto a 1800 km de Roma (em linha recta), um mês de viagem pelo menos.
A Fronteira do Reno
O Limes Germanicus era também uma fronteira frágil, mais destinada a demarcar que a proteger. Aqui,a maior parte dos limites territoriais do império eram desenhados por cursos de água - o Reno, o Danúbio...
O 'Limes Germanicus', salientando Saalburg, um quartel romano resconstruído perto de Frankfurt.
Só foram construídos, entre o séc. I e o séc. III AD, alguns troços fortificados, sendo o mais importante a partir de Koblenz para sudeste, entre a curva do Reno perto de Frankfurt e o Danúbio perto de Regensburg - digamos, o ângulo entre os dois rios nas proximidades da Alsácia, que era a zona mais perigosa e vulnerável a ataques dos germânicos. É impressionante a quantidade de pequenos quartéis (ou fortins) nesta área: o controle do Reno já era vital !
Vão da simples palissada com fosso a muralhas de pedra com torres de vigia.
Foram reconstruídos alguns troços, como este em Saalburg, muito semelhantes à muralha britânica.
O Limes de Saalburg, por exemplo, começou no fim do séc. I AD por ser um simples fosso com torres de vigia e um pequeno forte de madeira; um século depois já existe uma palissada ao longo do fosso e um imponente forte de pedra - que não impediu a derrota e retirada das forças romanas frente a uma investida germânica.
Vasos romanos de cremação, museu de Saalburg.
Magnífica taça de 'terra sigilata' encontrada em Saalburg.
Os territórios da Europa a Norte dos 'Limites´ romanos, com uma população atrasada e pobre, submetida a razias por terra e por mar, só 700 anos mais tarde, no séc XII, entrariam numa via de civilização e cultura - quando no mar Báltico se organizaram em torno da Liga Hanseática, estabelecendo, a partir de Lubeck e Visby, uma área de grande dinamismo em rivalidade com a zona mediterrânica.
Uma outra Europa, a da riqueza do Norte, nasceria das cidades da Liga Hanseática.
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* George Steiner, A ideia de Europa
Fontes:
British Museum, Museu de Corbridge, Museu de Chester, Museu de Saalburg
Andrew Curry, Roman Frontiers, Nat. Geographic
2 comentários:
Parece-me um bom programa para férias repartidas.
:) por mim, já viajei ...
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