quarta-feira, 19 de junho de 2013

Limes Britannicus, Limes Germanicus
- as primeiras fronteiras da Europa


É sabido que os Romanos levaram a sua civilização até quase todo o território que costumamos chamar Europa: estradas pavimentadas, pontes, canalização de águas, banhos, água ao domicílio, fortificações, sistema judicial e administrativo, templos, e, claro, a língua unificadora. Tácito refere-se aos esforços de Julius Agricola, governador romano na Grã Bretanha, para estabelecer escolas de Latim e impor higiene pessoal, com o uso obrigatório de banhos públicos.

Como nada anteriormente constituía prática comum na Europa, talvez a rede de estradas, a higiene pública e um sistema legislativo e de justiça avançados  tenham sido os primeiros sinais e símbolos de identidade cultural europeia.
Muito antes dos cafés, a que se refere George Steiner*...

E qual era o alcance territorial dessa civilização, para norte e para nordeste? (para sul e poente são óbvios).

O Limes Britannicus
A ilha grande da Bretanha tornou-se de importância vital  para os romanos pela riqueza em ferro e sobretudo estanho, raro e precioso para fabricar bronze. Uma vasta laboração mineira implicou a emigração de técnicos e um contingente militar numeroso.

Adriano, ele próprio arquitecto, visitou a Britannia em 122 AD, subiu até à Caledónia (actual Escócia) e aí ordenou a construção de uma muralha entre a foz do Solway, a poente, e a do Tyne, a nascente, 'para separar os romanos dos bárbaros' - as tribos caledónias que resistiam tenazmente a norte da ilha.

Foi uma obra  de grande envergadura, que envolveu arquitectos e engenheiros - uma extensão de 118 km, a maior parte em pedra, algumas secções em blocos de turfa. A intervalos regulares havia torres fortificadas e pequenos quartéis que podiam alojar guarnições de umas dezenas de homens.
A construção da muralha inicial prolongou-se por  6 anos, tendo continuamente sido objecto de acrescentos e reforços durante mais 8 anos. Talvez, mais do que para protecção militar contra os bárbaros do norte, fosse um marco simbólico do fim da civilização imperial, a envolvente de um território onde havia estradas e banhos e legionários, parte de um enorme anel que separava o mundo romano do resto. 

Ruínas do forte de Corbridge.

'Limes', em latim, é fronteira, ou barreira; o Limes Britannicus tinha um significado mais administrativo que militar - não havia nada que se pareça com rondas permanentes ou soldados perfilados à chuva a vigiar o horizonte.

Só nalguns locais a muralha se eleva a uns intimidantes 4 metros, por 3 de largura, e há ainda vestígios de um fosso. Os acessos por estrada eram muitos, cada um com portão e torre de vigia (uma ou duas).

Um pequeno fortim controlava a travessia de estrada.

Numa segunda fase, foram construídos quinze fortes, recuados da muralha, onde se podiam abrigar até mil homens para responder a ataques. Mas na maior parte da extensão a muralha era frágil e teria sido ineficaz para um exército invasor. Mais provavelmente, permitia conter salteadores e cobrar direitos de passagem. 

O sistema funcionou até 410 AD, quando as legiões romanas se retiraram da Britannia.

Aqui ao longo de uma falésia, perto de Once Brewed, a muralha parece um temível obstáculo. Vêem-se restos de um fortim. Foto de Robert Clark.

Ao longo da muralha, algumas vilas fortificadas apoiavam a logística das tropas, no abastecimento e no alojamento, sobretudo quando eram necessários reforços perante uma crise.
Duas dessas localidades são Chester e Corbridge, onde há agora museus com peças belíssimas.

Vista aérea das ruínas do aquartelamento de Corbridge: celeiros, oficinas, casa forte, banhos, refeitório, templo....

Forte de Chester: os banhos

Forte de Chester: casa do comandante

Museu de Corbridge

O Leão de Corbridge, adaptado de uma pedra tumular a decoração de fonte doméstica.

Tabuleiro de Corbridge (lanx), representando um santuário a Apolo.

Baixo relevo dedicando um templo a Sol Invictus, séc II-III AD


Três peças com referências ao Muro de Adriano

Encontradas em locais muito diversos, parecem contudo do mesmo fabricante.
A 'Moorlands Patera', uma pequena taça de bronze de meados do séc II, decorada e com o nome de quatro fortes romanos, encontrada no sul da ilha.

A 'Rudge Cup', encontrada perto de Lincoln, refere o nome de cinco dos fortes. 

A 'Amiens Patera', também de bronze com um longo braço, leva inscritos os nomes de seis fortes.

Estas peças parecem mostrar que os romanos davam valor simbólico ao ´Limes´, ao ponto de desejarem levar recordações da estada no local.

Também a arte romana se espalhou pela Europa. Mais um factor unificador do território. Tudo isto a 1800 km de Roma (em linha recta), um mês de viagem pelo menos.



A Fronteira do Reno

Limes Germanicus era também uma fronteira frágil, mais destinada a demarcar que a proteger. Aqui,a maior parte dos limites territoriais do império eram desenhados por cursos de água - o Reno, o Danúbio... 

O 'Limes Germanicus', salientando Saalburg, um quartel romano resconstruído perto de Frankfurt.

Só foram construídos, entre o séc. I e o séc. III AD, alguns troços fortificados, sendo o mais importante a partir de Koblenz para sudeste, entre a curva do Reno perto de Frankfurt e o Danúbio perto de Regensburg - digamos, o ângulo entre os dois rios nas proximidades da Alsácia, que era a zona mais perigosa e vulnerável a ataques dos germânicos. É impressionante a quantidade de pequenos quartéis (ou fortins) nesta área: o controle do Reno já era vital !

Vão da simples palissada com fosso a muralhas de pedra com torres de vigia. 
Foram reconstruídos alguns troços, como este em Saalburg, muito semelhantes à muralha britânica.

O Limes de Saalburg, por exemplo, começou no fim do séc. I AD por ser um simples fosso com torres de vigia e um pequeno forte de madeira; um século depois já existe uma palissada ao longo do fosso e um imponente forte de pedra - que não impediu a derrota e retirada das forças romanas frente a uma investida germânica.

Vasos romanos de cremação, museu de Saalburg.

Magnífica taça de 'terra sigilata' encontrada em Saalburg.


Os territórios da Europa a Norte dos 'Limites´ romanos, com uma população atrasada e pobre, submetida a razias por terra e por mar, só 700 anos mais tarde, no séc XII, entrariam numa via de civilização e cultura -  quando no mar Báltico se organizaram em torno da Liga Hanseática, estabelecendo, a partir de Lubeck e Visby, uma área de grande dinamismo em rivalidade com a zona mediterrânica.

Uma outra Europa, a da riqueza do Norte, nasceria das cidades da Liga Hanseática.


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* George Steiner, A ideia de Europa

Fontes: 
British Museum, Museu de Corbridge, Museu de Chester, Museu de Saalburg
Andrew Curry, Roman Frontiers, Nat. Geographic

2 comentários:

Paulo disse...

Parece-me um bom programa para férias repartidas.

Mário R. Gonçalves disse...

:) por mim, já viajei ...