terça-feira, 10 de maio de 2011

Mons Medullius, paisagem e História

Las Médulas, entre Ourense e Ponferrada, na vertente noroeste dos Montes Aquilianos, foi a mais importante exploração mineira de ouro de todo o Império Romano. Decorreu desde 19 A.C., final das campanhas conduzidas pelo próprio Imperador Caio Júlio César Otaviano Augusto para submissão de astures e cântabros, até meados do séc. III D.C..

O Mons Medullius foi cenário de batalha nas Guerras Asturianas

O território das Astúrias tinha fama de conter as mais importantes jazidas auríferas do Império. Os povos astures já recolhiam pequenas quantidades por lavagem de areias. Plínio, que visitou a região, argumentava assim:
"As montanhas das Hispanias, de resto áridas e estéreis, e que não produzem seja o que for, hão-de ao menos produzir ouro."

Foram cerca de 50 os locais de exploração do minério. A febre do ouro deveu-se talvez à reforma monetária de Augusto, que introduziu moedas de ouro de 7.8 gramas.
Plínio estima a produção em "6 500 Kg por ano", que importaria em 6 a 7% das receitas do erário romano! Deve ter sido erro grosseiro, pois segundo estudos recentes o teor em ouro não ultrapassa 1 grama por metro cúbico com raras pepitas maiores - Plínio referia palagas de mais de 3 Kg !!


Uma densa vegetação cobriu os restos de terreno que ficaram da Ruina Montium, uma técnica hidráulica de mineração romana descrita por Plínio em 77 D.C. - consiste em abrir cavidades e túneis numa montanha e fazê-la depois ruir golpeando com grandes enxurradas de água sob pressão vinda de vários depósitos alimentados por condutas (agogae) que drenavam os rios nas montanhas mais próximas, os Montes Aquilianos - mesmo assim a mais de 30 quilómetros de distância! - desde altitudes entre uns 1500 a 1700 m.


A rede de canais e aquedutos, ao todo cerca de 400 km escavados na rocha, deve ter sido mais trabalhosa de construir do que a exploração mineira em si.

Rede de canais e aquedutos para Las Médulas

A técnica permitia "lavar" milhões de metros cúbicos de lamas, única forma de rentabilizar a exploração, pois a riqueza em minério era muito baixa; mesmo com força de trabalho escrava, a recolha manual em galerias não seria rentável. Além disso, como o ouro estava em depósitos de aluvião de uns 150-170 m de altura, em camadas horizontais de areias com calhaus rolados alternando com argila, era fácil provocar o desmoronamento. No processo, muitos dos asturianos obrigados a escavar os túneis eram afogados pela torrente de lama.

Descreve Plínio:
"...rebentado, o monte cai por si só, com tão grande estrondo e ventania que não pode ser concebido por mente humana."
As lamas eram depois submetidas a lavagem e recolha do ouro, em canais de suave declive até ao fundo do vale.

De toda esta trágica derrocada sobravam montículos em forma de pico ou de lâmina, nalguns casos de belo anfiteatro formado pelos restos da base da montanha, e essa é a parte hoje visível e parcialmente coberta de vegetação.



Após dois séculos de intensa mineração, o ouro foi rareando e os romanos deixaram a região completamente esventrada. E assim os espetaculares traços da tecnologia antiga ali inventada permanecem visíveis até hoje.


A Natureza recompôs a floresta, favorecida pelo terreno agora mais húmido e fértil. Carvalhos, centenários castanheiros (trazidos pelos romanos para alimentação) de tronco entrançado e escavado, amieiros, salgueiros, e mesmo sobreiros e azinheiras, urze abundante e vigorosa (atinge 2m de altura), formam um bosque denso e variado.





As formas “caprichosas” dos montes ruídos integram-se com o mato e a floresta, criando um cenário incomum, com o rosa avermelhado dos picos a emergir da verdura das copas.



Sem esquecer os enormes sacrifícios humanos, a herança romana salda-se numa profunda transformação da região: a introdução do castanheiro, ainda hoje uma das suas mais afamadas e protegidas riquezas, uma rede de canais que com o tempo passou a ser uma rede de caminhos para o gado e de estradas florestais, o lago de Carucedo criado pelas águas que escorriam para o fundo do vale, actualmente rico em peixe e zona húmida protegida, e como sempre muitas, muitas pontes...

E a própria cidade de Astorga, a Asturica Augusta bela e rica, "urbs magnifica" para Plínio, centro administrativo da região, deveu a sua projecção à exploração mineira.


O terreno de Las Médulas foi em 1997 declarado Paisagem Cultural e Património da Humanidade da UNESCO, por constituir não só um ambiente paisagístico invulgar e uma reserva ecológica, mas também pelo interesse histórico do local como zona arqueológica..




Linda flor! Alguém identifica?

- Identificada pelo Paulo do Valquírio: é a flor da esteva, cistus ladanifer

fontes:
Fotos minhas, clicar para ampliar

7 comentários:

Paulo disse...

É uma esteva. Se não estou em erro, Cistus ladanifer.

(Bela viagem, Mário.)

Gi disse...

Muito bonito e muito interessante, Mário, obrigada por partilhar.

Mário R. Gonçalves disse...

Em cheio, Paulo, é isso mesmo. Não é muito vulgar em Portugal, pelo menos no Norte.

Havia imensas entre amata das Médulas, são mesmo lindas.

Gi, :) my pleasure

Paulo disse...

Foi na zona de Mértola (repare na semelhança do nome) que vi os campos de estevas mais bonitos, há uns anos, em Março.

Mário R. Gonçalves disse...

Pelos vistos, é um arbusto mediterrânico. Deve dar-se bem naquele microclima, onde apesar da proximidade das frias Astúrias não faltam os alentejanos sobreiros.

Alberto Velez Grilo disse...

Muito interessante o seu artigo Mário.

Obrigado por partilhar.

Rui Martins disse...

Dão se em terrenos menos férteis e ocupam a área onde se instalam pois não deixam crescer plantas à sua volta. As flores desmontam se quando são cortadas. Há muito disso em Castelo Branco e Idanha. E eu que vinha tirar dúvidas sobre Ruina Montium...