O fenómeno é muito raro no planeta - só três rios, em todo o mundo, proporcionam regularmente uma onda de maré de dimensão apreciável: o Severn, o Amazonas e o Qiantang, na China.
No Rio Severn, em Gloucester, é o famoso Severn Bore, cuja onda principal ronda os 2 metros - quem estiver na margem pode levar um banho, e diz quem viu que o mais impressionante é o ruído surdo da massa de água em movimento. Um jornal local costuma indicar a melhor hora e sítio.
Duas descrições em dois excelentes livros de leitura recente:
- Julian Barnes em O Sentido do Fim
"(...) um grupo com alguns de nós esperou na margem do rio até passar a meia noite e acabou por ser recompensado.(...) Houve então um murmúrio e um esticar de pescoços e todos os pensamentos de humidade e frio se desvaneceram à medida que o rio parecia simplesmente mudar de ideias, e uma onda, de quase um metro de altura, se dirigiu para nós rebentando a toda a largura, de margem a margem. As ondas alterosas ficaram ao nosso nível, passaram com uma chicotada e encurvaram-se na distância; (...) Acho que não consigo transmitir o efeito que aquele momento teve em mim. Não foi como um tornado ou um terramoto - em que a natureza é violenta e destrutiva e nos põe no nosso lugar. Foi mais inquietante porque parecia e dava a sensação de ser serenamente mau, como se uma pequena alavanca do universo tivesse sido accionada e só aqui, durante estes minutos, a natureza ficasse ao contrário e o tempo com ela. E ver este fenómeno depois de escurecer tornava-o ainda mais misterioso, mais do outro mundo."
- John Banville em Os Infinitos
"(...) A primeira vez que o viu, foi numa ponte sobre um rio torrencial, num dia de inverno, sob um céu de nuvens velozes.(...) Antes de verem o macaréu, ouviram o seu barulho, um troar grave que parecia sacudir a luz cinzenta à volta deles e fez com que o metal da ponte vibrasse debaixo dos seus pés. Depois, numa curva do rio, surgiu, encapelada, uma parede macia e alta, quase majestosa, de água desmoronando-se em câmara lenta contra as margens dos dois lados.(...) Quando a onda enorme estava prestes a passar debaixo da ponte, sem saber porquê, ela olhou para cima em vez de para baixo e a massa de pesadas nuvens côr de chumbo a varrerem o céu, como um confuso reflexo do rio que rugia por baixo, deixou-a ainda mais tonta(...)"
Actualmente tornou-se uma atracção para surfistas, que quebram a solenidade de outros tempos.
A mais recente
Severn bore foi a 13 de Janeiro e pode ser vista no YT, como muitas outras.
A Pororoca, na foz do Amazonas e um pouco por toda a Amazónia, é a maior de todas as marés fluviais regulares, podendo a onda atingir 5 m e entrar 13 km rio adentro; deu origem à palavra Macaréu. Campeonatos de surf em plena selva tornaram-se um must. A cidade de Arari atrai imenso turismo na época das maiores pororocas.
Chamam-lhe "onda infinita", pois não morre na praia, prolonga-se durante uma hora ou mais.
Rio Araguaia, Amazónia: a onda mais poderosa e destrutiva.
Estas ondas de maré ocorrem quando marés vivas coincidem com alturas de lua nova ou cheia, e ainda mais fortemente nos equinócios. Por todo o mundo há outras que podem atingir grande dimensão - na China, no Alasca - e são mais irregulares e perigosas. As do rio Qiantang, na China, já têm causado vítimas, surpreendidas por uma dimensão imprevista.
A Pororoca no Araguaia: